sábado, maio 02, 2020

BLACKOUT - SENTIU A MINHA FALTA? (The Blackout)

Tive um dos dias mais terríveis da minha vida ontem. Problemas familiares, domésticos e que acho que não vale a pena trazer para cá em detalhes. Fica mais como registro de um momento terrível para ter uma ideia no futuro, quando for ler este texto. De todo modo, acho que as medidas que foram tomadas tenham sido as mais acertadas e finalmente poderemos encontrar um pouco mais de paz e de sucesso no futuro. Voltemos, então, para mais um Ferrara.

Quando Abel Ferrara dirigiu OS CHEFÕES (1996), muitos acreditaram que ele estava começando uma nova fase, uma fase mais palatável, mais "domesticada", mais oscarizável etc. E aí ele chega com BLACKOUT - SENTIU A MINHA FALTA? (1997), uma obra que mais se aproxima de OLHOS DE SERPENTE (1993), não apenas em temática (presença do universo de astros e cineastas e coquetel de sexo, álcool e drogas), mas também a busca por um cinema mais vertiginoso.

Na primeira vez que vi BLACKOUT, o comparei a CIDADE DOS SONHOS, de David Lynch, pela estrutura, e pela questão da culpa e do esquecimento, que são elementos em comum em ambos os filmes, embora Lynch tenha feito uma obra infinitamente melhor, mais assustadora, mais envolvente, mais tudo. Entretanto, não podemos subestimar o trabalho de Ferrara, que segue fazendo um cinema instigante, autoral e cada vez mais interessado em flertar com o mundo dos seres atormentados, um mundo em que o belo e o bom surgem como repulsivos ou incompatíveis, como eu li em alguma parte do catálogo Abel Ferrara - A Religião da Intensidade. Como em outros filmes do diretor, o caminho do bem é algo tão difícil que às vezes a morte é o caminho mais fácil.

O caminho do bem em BLACKOUT se apresenta quando, após 18 meses dos eventos mostrados na primeira parte da narrativa, o personagem de Matthew Modine está em um evento do A.A. e passa por um processo de limpeza física e mental. E agora está casado com uma mulher bela, adorável e carinhosa (Claudia Schiffer), mãe de um filho seu.

A vida que ele vivia antes era uma vida de excessos. Uma vida intensa de uso de álcool e drogas. Ele, como um astro de Hollywood, estaria mais tentado a esse tipo de vida. E nesta sua primeira vida, havia uma mulher sedutora, mas também representativa de uma espécie de caos daquele momento, vivida pela francesa Béatrice Dalle. Que, na verdade, nem era uma femme fatale, por assim dizer. Ele, Matty, é que não tinha maturidade nem responsabilidade para ter uma vida estável com ela.

Como o ponto de vista do filme é sempre do protagonista, nunca temos dados adicionais, dados que ele desconheça. E por isso somos levados ao mesmo blecaute, à mesma dúvida sobre o que aqueles pesadelos sobre ter matado a sua namorada anterior têm de verdade. Daí sua necessidade de voltar a Miami, falar com seu amigo videomaker vivido por Dennis Hopper, sempre com aquela pinta de maluco. Ele faz trabalhos em vídeo e diz que o vídeo é o futuro. E é interessante como as cenas em vídeo parecem ter um caráter próximo da pornografia. E não apenas por ele ser diretor de vídeos softcore. Vale deixar o registro que as cenas com as mulheres se beijando e se acariciando com pouca roupa e fazendo poses sensuais estão entre os pontos altos da sexualidade na filmografia de Ferrara.

E por mais que eu tenha lembrado de CIDADE DOS SONHOS, que só seria feito em 2001, a verdadeira inspiração de Ferrara para BLACKOUT foi o clássico de Alfred Hitchcock UM CORPO QUE CAI. O próprio diretor falou isso em entrevista.

Vale destacar também as duas cenas em que a canção "Miami", do U2, aparece. Na época, a banda havia lançado o controverso álbum Pop, que eu ouvia bastante. É uma canção que foge do que convencionamos escutar da banda, as guitarras são mais sujas, os gritos de Bono são um tanto desesperadores. Funciona bem, embora o final parece um tanto atabalhoado. Ainda assim, adoro as imagens do mar, da textura como elas foram filmadas à noite, e também da última imagem.

+ TRÊS FILMES

AQUELES QUE FICARAM (Akik Maradtak)

Um belo estudo sobre o relacionamento entre um homem de 42 anos e uma garota de 14 vivendo em uma Budapeste da época da Guerra Fria. Até acredito que o pano de fundo, o fato de ele ter passado por um campo de concentração e viver traumas como a perda da família, acaba ganhando menos peso no filme do que essa relação bonita que se estabelece entre os dois, que causa sempre a dúvida (inclusive para o espectador, mas também para a sociedade) se é algo mais próximo de pai e filha ou algo mais íntimo, fisicamente falando, sexualmente falando. Os dois estão ótimos. Tanto o ator que faz o médico, sempre com um olhar triste, mas bastante afetuoso; quanto ela, a garotinha que encontra naquela figura paterna uma de suas maiores alegrias. A atriz, Abigél Szõke, tem olhos que parecem o mar, de tão belos e profundos. Direção: Barnabás Tóth. Ano: 2019.

DEPOIS DO CASAMENTO (After the Wedding)

Tinha meio que esquecido quase que totalmente o filme original da Susanne Bier. Só lembrava que tinha gostado muito. Então, este remake já começa em situação de desvantagem. E por isso mesmo ele surpreende positivamente. A história cheia de twists, revelações etc. ajuda, mas o que mais me deixou impressionado foi a performance de Michelle Wlliams. Meus Deus, essa menina está uma gigante neste filme. E ela passa as emoções de uma maneira muito sutil, com uma intensidade interior. Seria muito bom se ela fosse lembrada nas premiações por este papel. 39 anos e no auge (so far). Direção: Bart Freundlich. Ano: 2019.

O FUTURO ADIANTE (El Futuro Que Viene)

Bom filme sobre a amizade entre duas mulheres ao longo do tempo. A bela Dolores Fonzi eu não lembrava, mas já a tinha visto em TRUMAN, O CRÍTICO e NEVE NEGRA. Além de bela, ela se destaca nas atuações, em um papel mais desafiador. Gosto especialmente da última parte do filme. Direção: Constanza Novick. Ano: 2017.

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