segunda-feira, fevereiro 01, 2016

45 ANOS (45 Years)



Com um histórico admirável de serviços prestados ao cinema, desde a década de 1960, Charlotte Rampling trabalhou com cineastas tão importantes quanto diversos, como Luchino Visconti (OS DEUSES MALDITOS, 1969), Giuliano Montaldo (GIORDANO BRUNO, 1973), John Borman (ZARDOZ, 1974), Liliana Cavani (O PORTEIRO DA NOITE (1974), Arturo Ripenstein (FOXTROT, 1976), Woody Allen (MEMÓRIAS, 1980), Sidney Lumet (O VEREDITO, 1982), Nagisa Oshima (MAX, MEU AMOR, 1986), Alan Parker (CORAÇÃO SATÂNICO, 1987), François Ozon (SOB A AREIA, 2000; SWIMMING POOL - À BEIRA DA PISCINA, 2003; ANGEL, 2007; JOVEM E BELA, 2013), Dominik Moll (LEMMING - INSTINTO ANIMAL, 2005), Julio Meden (CAÓTICA ANA, 2007) e Lars von Trier (MELANCOLIA, 2011), e mais uma vez ela demonstra sua força cênica em um filme extremamente intimista, com poucas sequências em que ela não contracena com o personagem de seu marido, vivido pelo também inglês Tom Courtenay.

45 ANOS (2015), de Andrew Haigh, jovem cineasta geralmente associado a filmes gays independentes e inclusive a uma série de televisão com essa temática (LOOKING, 2014-2015), traz um recorte sobre um momento delicado na vida de um casal de idosos que está preparando sua festa de 45 anos de casamento quando o marido (Courteney) recebe a notícia de que o corpo perdido em uma montanha gelada de sua ex-namorada da juventude foi encontrado. Isso desestabiliza a rotina tranquila do casal, com o marido preocupado em ir para a Suíça reconhecer o corpo e a mulher percebendo mais uma vez o quanto se sente incomodada com o ciúme que ainda nutre por essa mulher morta, mas que representa para o marido o modelo de amor perfeito, aquela com quem ele teria provavelmente se casado, caso não ocorresse esse acidente.

Trata-se de um filme sobre os danos que segredos são capazes de causar. Quando se sabe que o tempo de casamento é de 45 anos, esse tipo de coisa ganha ainda mais peso. 45 ANOS se passa no intervalo de uma semana, momento crucial de revelações, incômodo, silêncios, tentativa de diálogo, busca pelo passado, além de expor as fragilidades dos corpos e dos atos de seus protagonistas. Courtenay, principalmente, se mostra bastante frágil e abatido, embora a inquietação gerada pela notícia que cai como uma bomba na vida do casal seja um motor para que ele saia da inércia. Se é que pode-se chamar assim a então tranquilidade de viver em uma pequena cidade do interior da Inglaterra com uma esposa devotada.

Talvez o que mais incomode Kate, a personagem de Rampling, seja o fato de que desde o momento em que Geoff, o marido, conta a fatídica notícia, ele diz: "Eles encontraram Katya... Minha Katya." Ele até tenta fazer uma pequena piada, dizendo que ela deve estar como estava quando jovem, em 1962, quando o acidente ocorreu e seu corpo ficou congelado na neve. Kate, porém, deixa o sorriso se desmanchando em seu rosto. Quando Kate chega a dizer que a falecida mulher esteve o tempo todo no canto do quarto, escondida dela, chegamos ao ponto em que a crise dos dois atinge um de seus clímaxes. Até o momento da festa ainda teremos um bocado de situações tensas e conflitantes misturadas a tentativas de restabelecer a paz.

De certa forma estamos diante de um filme de fantasma. Não como nos filmes de horror, claro, mas toda a inquietude que o filme perpassa chega até mesmo a pesar em nossos ombros, como se fôssemos contaminados por aquela situação tão estressante e perturbadora. E tudo isso é fechado com um final próximo da perfeição. Não é sempre que temos a chance de ver uma obra assim tão cheia de nuances e tão devedora do texto e da excelência de seu casal de protagonistas.

45 ANOS concorre ao Oscar na categoria de melhor atriz para Charlotte Rampling.

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