segunda-feira, março 31, 2014
THE WALKING DEAD – 4ª TEMPORADA COMPLETA (The Walking Dead – The Complete Fourth Season)
A quarta temporada de THE WALKING DEAD (2013-2014) começou ainda com um pé na terceira, que foi marcada pela presença do Governador (David Morrissey), até o momento o grande vilão da série, cuja turma certamente sofrerá uma nova reviravolta ocasionada por outro grupo de antagonistas nessa mudança da quarta para a quinta temporadas. Antes de continuar a leitura, deixo um aviso para o leitor de que o texto contém spoilers.
Pode-se dividir claramente a quarta temporada entre dois momentos distintos, como dois lados de um disco, isto é, o período que se passa antes do hiato (lado A, 2013) e depois do hiato (lado B, 2014). São momentos totalmente distintos em tom e em andamento narrativo.
A primeira parte da temporada ainda tem os dois pés na prisão que se tornou o lar para Rick, seu filho Carl, Glenn, Daryl, Carol, Maggie, Beth e Hershel, uma espécie de pai de todos e cuja presença é sentida. Sua morte, ocorrida no fim da primeira parte da temporada, sinaliza não só a separação do grupo, mas também a ideia de que aquela fase de quase paz e estabilidade havia acabado.
Essa primeira parte da temporada tem poucos momentos realmente marcantes. Talvez os melhores momentos sejam os episódios que mostram o Governador como protagonista. No primeiro desses episódios, a série chega a humanizá-lo mais. Porém, isso dura pouco, já que sua faceta de vilão se mostraria com força até o seu encontro final com o grupo de Rick, na sangrenta batalha na prisão. Outro destaque dessa primeira parte é um surto de doença que ataca os moradores da prisão. Alguns morrem, outros sobrevivem depois de terem sido tratados com antibióticos.
Mas esta temporada passaria quase em branco se não fosse o lado B, pontuado por episódios que muitas vezes beiram à poesia. Como esquecer "The Grove" (foto), estrelado por Carol (Melissa McBride, em seu melhor momento da série) e Tyrese (Chad L. Coleman, também em momento tocante)? Neste episódio, os dois amigos, separados por um segredo que perturba principalmente o coração de Carol, cuidam da bebê, filha de Rick, e de duas crianças, uma delas, com sérias dificuldades de aceitar que um zumbi é uma criatura perigosa e não um animal de estimação ou algo parecido. O final de "The Grove" é devastador.
Esses episódios que mostram os personagens coadjuvantes como protagonistas elevaram a qualidade da série. Chega a ser comovente, por exemplo, a busca do casal mais bonito da série, Maggie (Lauren Cohan) e Glenn (Steven Yeun), um ao outro, sempre na esperança de que o outro não morreu. Com essa separação, houve um maior cuidado com o desenvolvimento desses personagens.
Tanto que os zumbis deixaram de ser tão perigosos assim. Os vivos é que merecem ser temidos. Já era mais ou menos assim, mas isso se torna mais forte no episódio final da temporada, representado pela letra "A", título que só ganha sentido no final. Não chega a ter um grande gancho, mas promete uma quinta temporada cheia de aventuras e muito churrasco. Se os roteiristas, produtores e diretores fizerem direitinho, poderão manter o interesse do público pela série aceso.
domingo, março 30, 2014
ENTRE NÓS
Uma pena que um filme tão bom quanto ENTRE NÓS (2013) acabe espremido dentro de um circuitão ingrato, que dá pouco ou nenhum espaço a filmes menores. Por mais que seja um lançamento da Downtown, que costuma lançar produções que abarcam um maior número de espectadores que os filmes independentes, lançados no circuito alternativo, e da presença de vários atores e atrizes conhecidos da televisão, o filme de Paulo Morelli (CIDADE DOS HOMENS, 2007) é um exemplo de cuidado e atenção aos detalhes para a construção de uma obra que carrega sentimentos intensos.
A história começa no ano de 1992, quando uma turma de amigos se reúne para escrever cartas para si mesmos e colocá-las em uma caixa para ser enterrada. O objetivo é abri-las dez anos depois e ver o que mudou em suas vidas. Uma espécie de cápsula do tempo. Todos aqueles amigos tinham sonhos de se tornarem escritores. Acontece, porém, uma tragédia: um deles morre em um acidente durante aquela reunião. E só somos apresentados aos personagens novamente exatamente dez anos depois, quando eles retornam para ler as tais cartas.
O fato de haver uma reunião entre amigos e de um deles não estar mais vivo acaba remetendo a O REENCONTRO, de Lawrence Kasdan, um drama denso sobre amizade, morte e conflitos, que hoje é referência. ENTRE NÓS até poderia ser o nosso O REENCONTRO, mas a atmosfera do filme é mais pesada: há uma culpa que permeia o personagem de Caio Blat, que interpreta um homem que se tornou famoso por causa de um romance de sucesso e também teve a sorte de casar com a mulher mais bonita da turma, vivida por Carolina Dieckmann.
A atriz costuma se dedicar pouco ao cinema e, embora esteja bem no filme, seu desempenho acaba sendo eclipsado pelo sempre brilhante Júlio Andrade, que interpreta um crítico literário impiedoso, pelo já citado Caio Blat, pela solteira do grupo vivida por Maria Ribeiro e até mesmo por Paulo Vilhena, que faz o papel do rapaz depressivo do grupo, que lamenta não ter tido a mesma sorte do personagem de Blat. No entanto, há uma cena em especial com ela que é um dos momentos mais fortes do filme.
Em meio a uma lavagem de roupa suja entre eles, ressentimentos vêm à tona, mas o principal ponto tem a ver os escritos do membro mais inteligente do grupo, que não está presente fisicamente àquele encontro, mas cuja sombra (ou luz) paira sobre quase todos. O trabalho de Morelli na construção dos personagens e a forma como ele desenvolve cada um deles ao longo da duração média de um longa-metragem é admirável.
Para que isso fosse conseguido, o diretor e seu filho Pedro Morelli (creditado como codiretor) confinaram todos os atores em um sítio na Serra da Mantiqueira durante 15 dias. Foi importante para que eles, que já são amigos em sua maioria, pudessem construir seus personagens em regime de imersão. Morelli também surpreende ao utilizar recursos cinematográficos que funcionam muito bem para trabalhar uma atmosfera de suspense psicológico, com uso de muitos close-ups, dando ao filme um caráter bem intimista, uma fotografia com mais sombras do que luz, um inteligente uso do focar e desfocar dentro de uma janela scope que torna o filme ainda mais bonito e convidativo para uma apreciação em uma sala de cinema.
Sem dúvida, uma das melhores surpresas de nosso cinema este ano. Até por não se esperar muito de Morelli. ENTRE NÓS mostra que 2014, se não está ainda melhor que o ano passado em lançamentos estrangeiros, já se prova superior em se tratando de filmes brasileiros.
sexta-feira, março 28, 2014
GIRLS – A TERCEIRA TEMPORADA COMPLETA (Girls – The Complete Third Season)
Pode até ser que a terceira temporada de GIRLS (2014) não tenha tido o mesmo impacto das duas primeiras. Mas tenho impressão que é pelo fato de Lena Dunham ter entregado o roteiro e a direção para outros, diferente, por exemplo, do que aconteceu na primeira temporada, em que ela desempenhava, muitas vezes, as funções de protagonista, produtora, criadora e roteirista da série.
Mas o que aconteceu durante esse período que culminou com a terceira temporada foi o amadurecimento dos personagens, de seus dramas pessoais. Mas também foi a temporada que mais enfatizou a personagem de Dunham, Hannah, deixando-a mais simpática do que nas anteriores, que traziam um sentimento de maior simpatia pelas mais belas Jessa (Jemina Kirke) e Marnie (Allison Williams). A desajeitada Shoshanna (Zozia Mamet) sempre foi deixada um pouco de lado, como um patinho feio.
Com o tempo os dois personagens masculinos da série, Adam (Adam Driver) e Ray (Alex Karpovsky), acabaram ganhando mais força, já que as meninas foram se tornando cada vez mais irritantes, arrogantes, egocêntricas, mimadas etc. Então, é natural que os caras que antes eram uns bobões agora se mostrem mais centrados e inteligentes, ganhando tanto espaço quanto respeito dos espectadores e das personagens femininas.
Ao mesmo tempo, é bom notar que ao fim desta terceira temporada esses defeitos das quatro moças acabam funcionando muito bem para a constituição da história em conjunto delas. Mesmo com episódios que não se ligam tanto em ganchos, como acontecem em novelas ou outras séries. Ao contrário, alguns episódios mais independentes acabam se sobressaindo, caso de "Flo", em que Hannah é chamada por sua família para visitar a avó, que está prestes a morrer em um hospital. Trata-se de um episódio extremamente sensível.
A season finale é outro momento de grande destaque. Certamente um dos melhores episódios da série. É aquele momento em que as heroínas são apresentadas a situações importantes e desafiadoras de suas vidas. Curiosamente, um dos momentos mais emocionante é o de Shoshanna, se humilhando para querer reatar o namoro com Ray. Marnie, por sua vez, ainda continua superficial, mas não deixa de ser muito interessante o relacionamento dela com o músico. Adam e sua carreira no teatro, seu sentimento de frustração ao final, também somam para tornar a série memorável. E há Jessa, em uma situação mais distante das demais, mas que lida com um assunto pesado e até um tanto recorrente no cinema atual.
Porém, como sempre é de Hannah o mais importante momento da série, com uma mudança que pode afetar a estrutura dos episódios da quarta temporada. O episódio final da temporada foi escrito e dirigido por Dunham, um dos motivos de ser tão bom.
quarta-feira, março 26, 2014
SETE CURTAS DE JULIANA ROJAS E MARCO DUTRA
A cada vez maior presença de Juliana Rojas (A ÓPERA DO CEMITÉRIO, 2013) e Marco Dutra (QUANDO EU ERA VIVO, 2014) em um cenário de visibilidade mais ampla é um convite para que possamos conhecer o trabalho dessa dupla em conjunto. Alguns desses curtas já podem ser visualizados na internet; outros ainda são um pouco mais difíceis. Os que eu pude encontrar e apreciar são esses abaixo. Alguns são assinados pelos dois; outros só por Juliana, mas com Dutra desempenhando outras funções.
DANCING QUEEN
Olhando, nem dá pra dizer que é um trabalho de Rojas e Dutra. É apenas uma brincadeira feita em sala de aula, usando câmera de VHS e com uma montagem bem ruim, sem muita preocupação. Utilizam na trilha de DANCING QUEEN (1999) a canção homônima do Abba. Que para muitos é feliz, mas pra mim é bem triste. O que há de bom, no entanto, é o jeito alegre e despojado dessa produção em preto e branco e que já flertava com o fantástico: há um sujeito fantasiado de bruxa. Direção: Juliana Rojas e Marco Dutra.
O LENÇOL BRANCO
Aqui sim é um trabalho de respeito. Os dois diretores já parecem dominar a gramática cinematográfica ao contar a história de uma jovem mulher que, depois de um transe, viu que sua filha recém-nascida estava morta. O destaque da menina morta esperando o legista em cima do sofá e debaixo de um lençol branco é muito incômodo. E já desde o começo de O LENÇOL BRANCO (2004, foto), quando a protagonista tenta amamentar a criança, já passa uma ideia de corpo estranho. Direção: Juliana Rojas e Marco Dutra.
NENHUMA CARTA PARA O SR. FERNANDO
Um curta no mínimo intrigante esse do sujeito cujo andar do prédio (o sétimo) desapareceu. Ele chega lá e o vigia só avisa que ele não mora lá. Há uma atmosfera de sonho muito interessante. Não sei se é de propósito, mas o arquivo que consegui de NENHUMA CARTA PARA O SR. FERNANDO (2005) traz uma fotografia em janela quadrada, como para prender os personagens naquele ambiente de pesadelo kafkiano. Direção: Juliana Rojas.
A CRIADA DA CONDESSA
E Juliana Rojas continua brincando com fantástico. Desta vez, a tal condessa do título é uma vampira. O cenário escuro, à luz de velas, do apartamento onde ela mora e traz suas vítimas ajuda a dar ao filme um ar interessantemente sobrenatural. Mas há em A CRIADA DA CONDESSA (2006) algo que não funciona direito. Não ajuda muito o monólogo da criada, mas é interessante o último diálogo das duas. Direção: Juliana Rojas.
UM RAMO
Este é talvez o mais famoso curta da dupla. Tive a sorte de ver no cinema, em uma mostra de curtas dirigidos por mulheres. Já me encantou na época (2011, creio eu). Revisando, UM RAMO (2007) continua muito bom. E é talvez o mais cronenberguiano dos filmes da dupla, em que o corpo estranho, no caso, ramos que começam a brotar no corpo da protagonista, seja um elemento de perturbação psicológica. Mas há também um momento lindo visualmente, que é justamente a última imagem do filme, que remete até mesmo ao Monstro do Pântano, o personagem da DC Comics. Não sei se foi de propósito. Direção: Juliana Rojas e Marco Dutra.
VESTIDA
Não consegui entrar no clima deste curta muito elogiado. VESTIDA (2008) lida de maneira interessante com a morte, destacando momentos do cotidiano do velório e do enterro. É talvez o trabalho mais humanista da dupla, em que vemos também o sofrimento do marido que perdeu a esposa e fica cheirando o vestido da falecida. É também uma mudança do tradicional urbanismo para um ambiente rural. E também é mais contemplativo do que os demais. Direção: Juliana Rojas.
AS SOMBRAS
Uma das coisas que eu mais gostei em AS SOMBRAS (2009) foi a dedicatória no final: "dedicado à memória de Walter Hugo Khouri". Tem como não simpatizar com o filme? Dá até vontade de rever e perceber mais detalhes de semelhanças com obras como AMOR VORAZ e outros trabalhos do maior de nossos cineastas. Em AS SOMBRAS, uma mulher (Helena Albergaria, de TRABALHAR CANSA, 2011), sofre de confusões mentais e é assistida por duas pessoas que gostam dela, um homem (Silvio Restiffe) e uma mulher (Djin Sganzerla). Gosto, particularmente, das cenas na floresta, da expectativa do fantástico. Um belo filme definitivamente khouriano. Direção: Juliana Rojas e Marco Dutra.
domingo, março 23, 2014
TRÊS DOCUMENTÁRIOS
São 36 filmes (entre curtas e longas) para escrever a respeito e falta tempo para dar conta de atualizar o blog como eu bem gostaria. Assim, de vez em quando é preciso recorrer a esses comentários rápidos e rasteiros, até porque às vezes acontece de a memória desses filmes não estar mais tão viva em nossa mente. EMAK BAKIA (2012), por exemplo, foi visto em setembro, durante o Cine Ceará. E foi um filme tão marcante, mas a busca por uma cópia na internet para rever e absorvê-lo melhor foi frustrante. Por isso, quem sabe um dia eu volte a falar dele por aqui. Os demais também pertencem a essa categoria de documentário e que certamente também mereceriam mais linhas, já que tem tanto o que se discutir sobre eles, tanto no campo do conteúdo quanto na forma.
EMAK BAKIA (La Casa Emak Bakia)
Eis um filme fascinante e pouco conhecido. Feito para homenagear um curta-metragem mudo de Man Ray chamado EMAK-BAKIA (1927), o longa de 2012 de Oskar Alegria acabou sendo um dos mais apreciados pela crítica durante a edição do Cine Ceará. Feito no País Basco, uma região que ainda não obteve independência e fica dentro do território espanhol, o filme é inventivo, remetendo a cenas do curta original, ora apresentando, ora reinventando. Há, inclusive, uso de split screen. É também um filme sobre uma busca. A busca da casa em que o misterioso cineasta Man Ray dirigiu seu curta com tintas surrealistas. É o tipo de trabalho tão denso e tão bonito que merece, certamente, uma revisão, logo que possível.
MORRO DOS PRAZERES
Filme que encerra a trilogia sobre justiça que se iniciou com os filmes JUSTIÇA (2004) e JUÍZO (2007), em MORRO DOS PRAZERES (2013), a cineasta Maria Augusta Ramos adentra a comunidade do título, agora vivendo sob o julgo de uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP), que começou a ser implantado nos últimos anos em determinadas locais que têm cara de perigo para a sociedade ou maior incidência de tráfico e violência. A diretora ouve tanto os policiais quanto a comunidade, que não se sente tão à vontade com a presença dos fardados no local. Maria Augusta também procura flagrar algumas cenas sem que os moradores percebam, de modo que a interferência da câmera não venha maquiar a realidade, algo que é muito comum dentro do gênero documentário. É um filme bem interessante e que trata de um assunto muito presente da realidade brasileira atual.
A IMAGEM QUE FALTA (L’Image Manquante)
Não sei muito bem o que não me agradou neste A IMAGEM QUE FALTA (2013), representante da Camboja no Oscar 2014. É quase um corpo estranho entre os indicados, principalmente por ser um documentário. Um documentário que traz uma tentativa de reconstruir uma realidade que foi perdida nos registros históricos durante o horripilante massacre cometido pelo Khmer Vermelho entre os anos de 1975 e 1979. Essa reconstrução é feita com bonecos de argila e algumas poucas imagens de arquivo, que flagram o corpo esquelético dos trabalhadores durante aquele período negro no Camboja. Destaque para a narração em francês de Randal Douc que empresta gravidade ao assunto, apesar do seu tom de voz suave. Talvez seja isso que tenha me dado sono, inclusive. Mas certamente é um filme que merece ser visto. Passou pouco tempo em cartaz na cidade, mas ao menos foi trazido pelo pessoal do Dragão do Mar.
sábado, março 22, 2014
A COLEÇÃO INVISÍVEL
Como o filme estreou em São Paulo e outras poucas praças em setembro de 2013, a cópia que chegou aqui já veio com alguns arranhões, inclusive na banda sonora. Mesmo assim, é impressionante o impacto que é ver A COLEÇÃO INVISÍVEL (2012) no cinema. Trata-se de um filme surpreendente, que agrada do início ao fim, e que apesar de ser baseado em conto do austríaco Stefan Zweig, traz um final que lembra (sem querer, talvez) o trabalho do escritor argentino Jorge Luis Borges.
O filme também é marcante por ser o último trabalho de Walmor Chagas (premiado no Festival de Gramado pelo papel), que, após as filmagens, cometeu suicídio em janeiro do ano passado. E o curioso é que há algo de terrivelmente irônico em uma passagem do filme, em que o próprio Chagas faz uma piada envolvendo um sujeito que se mata. Um aspecto mórbido de um filme que já começa com a morte rondando a vida do protagonista, vivido por Vladimir Brichta, neste que deve ser o melhor papel de sua carreira.
Na trama, Beto (Brichta) é um rapaz que trabalha com equipamento de som para festas e que, passando por situações de dificuldades financeiras, além de uma tragédia recente, começa a se interessar pelo antiquário do seu falecido pai. Percebe que havia, na década de 1970, um colecionador que comprava gravuras que hoje seriam valiosas e poderiam tirar a família da situação complicada em que vivem.
É daí que ele resolve ir à procura do tal colecionador, de nome Samir, vivido por Walmor Chagas. Porém, chegando lá ele encontra obstáculos imensos, principalmente da esposa de Samir, que não permite que ele fale com o idoso colecionador, mesmo mencionando que ele era um amigo de seu pai. Há também o encontro com a filha de Samir (Clarisse Abujamra), que também não é muito fácil de lidar.
Além do aspecto humano que o filme trabalha tão bem e de maneira muito natural, há também um interesse pela geografia (em seu sentido mais amplo) que faz com que A COLEÇÃO INVISÍVEL seja um trabalho excepcional. O diretor Bernard Attal é apreciador dos romances de Jorge Amado e, por isso, interessado pela região cacaueira da Bahia apresentada em alguns de seus livros. Utiliza como locação uma cidade daquela área baiana, hoje semiabandonada. O lugar é tão cheio de prédios abandonados que chega a lembrar as locações de MÃE E FILHA, de Petrus Cariry, que se passa todo em uma "cidade fantasma".
A cidade de A COLEÇÃO INVISÍVEL não chega a tanto, mas se aproxima disso. Há, inclusive, uma crítica ao aumento da quantidade de igrejas evangélicas onde antes funcionavam cinemas e outros prédios culturais. Paulo César Pereio, que costuma roubar a cena em todo filme que aparece, não faz diferente em sua pequena mas marcante participação como um locutor de rádio que reclama da decadência da cidade. E, falando em geografia, não são apenas os prédios que se mostram abandonados, mas também a própria vegetação - sofrendo com as queimadas, as pragas e o desmatamento -, como também as pessoas.
E Attal aborda todos esses assuntos sem soar nada panfletário. O que ele conta é uma história em que o aspecto humano é mais privilegiado. E isso é mostrado tanto do lado da família de Beto quanto na família difícil de se aproximar de Samir. Como se trata de um filme sobre um homem da cidade entrando no campo e num mundo desconhecido, já é de se esperar que a intenção seja mesmo construir uma história sobre uma viagem transformadora. Curioso o filme estrear em Fortaleza no mesmo dia que ELES VOLTAM, de Marcelo Lordello, já que são filmes que têm elementos em comum.
Mas confesso que A COLEÇÃO INVISÍVEL me tocou mais. É mais delicado e ao mesmo tempo mais simples em sua construção. No ponto de vista da forma, talvez até seja mais convencional, sem muitas invenções, mas há todo um cuidado com cada cena, cada personagem e cada lugar, com um final comovente, ao som de uma canção inédita interpretada por Tiê, chamada "Teus olhos cansados". A doçura da voz da cantora paulistana em uma canção melancólica é perfeita para o desfecho comovente do filme.
quinta-feira, março 20, 2014
A MENINA QUE ROUBAVA LIVROS (The Book Thief)
Prestes a entrar em sua oitava semana de exibição nas telas brasileiras, A MENINA QUE ROUBAVA LIVROS (2013) é um dos filmes de maior aceitação popular e sucesso comercial neste ano. Muito de seu sucesso vem das boas vendagens do best-seller homônimo do escritor australiano Markus Zuzak. Mas se tanto o romance quanto o filme foram bem-sucedidos junto ao público isso se deve tanto ao interesse por parte da História da Alemanha durante a Segunda Guerra Mundial quanto ao sentimentalismo, que ainda é objeto de atração por boa parte da audiência. Eu, incluso.
Há também a beleza de ver um filme que trata do amor e da obsessão pela leitura, pelos livros, algo que nos dias de hoje deve ser valorizado. É quase como um serviço de utilidade pública. Claro que isso não isenta o filme de receber críticas negativas, mas não será de mim que elas partirão.
Ao contrário, só tenho a elogiar o trabalho do diretor Brian Percival, mais conhecido por dirigir episódios para a cultuada série britânica DOWNTON ABBEY. Há também a ótima escolha da jovem canadense Sophie Nélisse, que já havia roubado a cena no também sentimental e belo "filme de professor" O QUE TRAZ BOAS NOVAS, de Philippe Falardeau.
Em A MENINA QUE ROUBAVA LIVROS, ela é Liesel, uma menina que é adotada por uma família alemã por causa de perseguições políticas que seus pais biológicos sofriam. O filme aborda sua adaptação àquela nova família que possui um pai gentil e carinhoso (Geoffrey Rush) e uma mãe aparentemente ranzinza e mandona (Emily Watson). A família é simples mas não é nada simpatizante dos ideais nazistas naquele momento tão turbulento no mundo. Tanto que chegam a refugiar um judeu na própria casa, correndo risco de vida.
A menina, ao mesmo tempo em que estabelece um vínculo de amizade com esse rapaz judeu e que aparece na casa muito doente, vai exercitando seu gosto por livros, que surge quase que do zero, já que ela chega àquela casa sem saber ler. Quando aprende, descobre um novo e fascinante mundo. Tanto que chega a ser revoltante ver uma pilha de livros sendo queimada numa fogueira pelos nazistas, por representarem valores dos países inimigos. Ela estava lá assistindo a esse crime. François Truffaut choraria ao ver uma cena dessas.
O narrador do filme é bem especial: a própria Morte, que diz ter um especial apreço por certos mortais. Como ela é a narradora da história da família de Liesel, é particularmente deles a quem ela elogia, muito embora não possa interferir no que fazem os humanos naqueles momentos de chacina, violência e atos extremamente crueis.
A MENINA QUE ROUBAVA LIVROS, provavelmente por optar por um registro mais sentimental, não foi muito bem aceito por boa parte da crítica, que talvez tenha visto o filme como apelativo, exagerado na emoção etc. No entanto, como ser tão racional diante de um filme que lhe conquista pelas emoções, pelo arrepio, pelas lágrimas?
quarta-feira, março 19, 2014
NOITE DO TERROR (Black Christmas)
Antes de HALLOWEEN, A NOITE DO TERROR e suas continuações; de SEXTA-FEIRA 13 e suas continuações; de DIA DOS NAMORADOS MACABRO; e outros tantos filmes que serviriam de inspiração para a cinessérie PÂNICO, de Wes Craven, houve NOITE DO TERROR (1974), de Bob Clark, cineasta mais conhecido no Brasil pela pornochanchada americana PORKY'S - A CASA DO AMOR E DO RISO (1982).
NOITE DO TERROR traz no elenco dois nomes conhecidos: Margot Kidder, que se tornaria mundialmente famosa ao interpretar Lois Lane em SUPERMAN – O FILME, de Richard Donner, quatro anos depois, e há a presença também de um dos astronautas de 2001 – UMA ODISSEIA NO ESPAÇO, de Stanley Kubrick, Keir Dullea, aqui no papel do delegado de polícia.
Mas a verdadeira protagonista é a bela Olivia Hussey, que seis anos antes interpretou Julieta em ROMEU & JULIETA, de Franco Zeffirelli, o mais famoso papel de sua carreira. Em NOITE DO TERROR ela é Jess, uma jovem que mora em uma fraternidade só de mulheres. O filme não deixa muito claro o principal objetivo do lugar, mas deve ter algo a ver com ideais feministas. Aliás, não é só isso que o filme não deixa claro. Um dos méritos de NOITE DO TERROR, por exemplo, é não dar muitas explicações sobre o assassino, nem sobre as coisas sem nexo que ele fala ao telefone. Isso o remake de 2006, aqui chamado de NATAL NEGRO, faria questão de explicar, dando uma origem para o assassino.
O filme de Bob Clark, porém, não tem esse interesse, e os assassinatos, ainda que esperados, ocorrem, muitas vezes, de maneira surpreendente na escolha das vítimas, ou no modo como o misterioso assassino brinca com elas, embora pelas ligações, ele pareça ser, antes de tudo, uma pessoa perturbada por traumas de infância.
NOITE DO TERROR pode ter envelhecido um pouco, já que não assusta mais tanto quanto na época e nem provoca choque nos espectadores nas cenas sangrentas, mas há o mérito de iniciar toda uma safra de filmes de jovens sendo assassinados por um assassino misterioso, os chamados slashers. Há também o uso do suspense nos telefonemas do assassino, que filmes como QUANDO UM ESTRANHO CHAMA (as duas versões) explorariam com mais intensidade.
terça-feira, março 18, 2014
ALEMÃO
Há filmes que crescem na memória, mesmo não agradando muito durante a exibição. Há outros que têm um efeito contrário: têm seu valor diminuído ao longo do tempo. Talvez seja o caso de ALEMÃO (2014), de José Eduardo Belmonte, um thriller sobre cinco policiais infiltrados no Complexo do Alemão pouco antes da invasão das forças armadas, em 2010.
O filme tem os seus méritos e um deles é o fato de Belmonte ter conseguido filmar tudo em apenas 18 dias. Ao contrário do que se imagina, ao pensar em um tema de grande porte como esse e em produções maiores como os dois TROPA DE ELITE e CIDADE DE DEUS, o filme de Belmonte é um exercício de como economizar, coisa que ele já estava acostumado a fazer em suas produções independentes anteriores.
ALEMÃO foi um filme de encomenda. E o diretor chegou a pensar se aceitava ou não o convite do produtor Rodrigo Teixeira, já que o tema não lhe é tão íntimo. Mas depois disse que começou a se sentir à vontade com o filme, e que buscou inspiração em produções clássicas hollywoodianas, em especial, westerns.
Mas, ainda que o filme seja envolvente, há de fato problemas na criação dos personagens, que são mostrados de maneira muito superficial. Curiosamente, um dos personagens mais bem cuidados é o de Otávio Müller, que interpreta o Doca, o dono da pizzaria, que também é um policial infiltrado. É em sua pizzaria que a maior parte da história transcorre, com os cinco policiais acuados pelos traficantes, que descobriram suas identidades. O delegado vivido por Antônio Fagundes é outro personagem que também não gera uma carga dramática que deveria, embora a cena com o filho (Caio Blat) cause alguma emoção.
Há outro problema que pode incomodar um pouco, que é o uso de câmera tremida e/ou muito próxima, mas isso é algo que pode ser relevado, até por não ser algo constante. E durante o clímax toda a confusão que ocorre no duelo final é também perdoado, por Belmonte adotar um estilo curto e grosso, sem muito sentimentalismo, na hora do brutal tiroteio. Pena que dura pouco tempo.
Ainda que pareça se preocupar mais em ser um eficiente filme de gênero, há um cuidado especial em tratar de questões humanitárias. O filme se concentra no embate entre policiais e traficantes (chefiados por Playboy, personagem de Cauã Raymond), mas há sequências que valorizam a comunidade, as pessoas de bem que moram naquele lugar e que têm suas vidas perturbadas com aquela situação. As imagens de arquivo que são mostradas no final não negam a responsabilidade social de Belmonte.
Como thriller, fica mesmo a sensação de que poderia ser melhor. Talvez Belmonte não fosse o diretor ideal para o projeto, por mais que tenha filmes bem interessantes no currículo. É quando pensamos em SE NADA MAIS DER CERTO (2008) e vemos que há pontos em comum entre os dois filmes. A diferença é que em SE NADA MAIS DER CERTO há espaço para trabalhar de maneira intimista o drama dos personagens. Em ALEMÃO, com o interesse em tornar tudo muito rápido e dinâmico, esse desenvolvimento dos personagens acaba se perdendo bastante. Mesmo assim, trata-se de um trabalho que merece atenção.
segunda-feira, março 17, 2014
WALT NOS BASTIDORES DE MARY POPPINS (Saving Mr. Banks)
Uma bela surpresa este WALT NOS BASTIDORES DE MARY POPPINS (2013). Trata-se de um filme bem quadrado, mas não poderia ser diferente. Há uma intenção de se aproximar da obra que presta homenagem (MARY POPPINS, 1964), além da homenagem ao próprio Walt Disney e à escritora e criadora da governanta enviada para ajudar uma família, P.L. Travers. Por mais que não sejamos simpáticos ao filme da Disney, que surgiu em um momento em que Hollywood já estava careta e precisando urgentemente de mudanças, a história do filme é emocionante.
Isso se deve principalmente à descoberta da história de vida de P.L. Travers, vivida por Emma Thompson. O filme alterna cenas de sua infância e de seu relacionamento com o pai alcoólatra e tuberculoso, vivido por Colin Farrell, e sua vida na meia-idade, com problemas financeiros e finalmente aceitando entrar em um acordo com o milionário Walt Disney (Tom Hanks), que há muitos anos tentava cumprir uma promessa que fizera à filha, que era adaptar o livro infantil da personagem Mary Poppins para o cinema.
Dirigido pelo mesmo John Lee Hancock do belo e maltratado melodrama UM SONHO POSSÍVEL (2009), WALT NOS BASTIDORES DE MARY POPPINS conquista o espectador pela emoção. E isso acontece de modo crescente, já que a história da escritora exigente e ranzinza vai se descortinando aos poucos. E apesar de sua personalidade não muito sociável, trata-se de uma personagem fácil de gostar, até por também significar uma tentativa de resistência ao sistema, no caso, Hollywood, e mais especificamente ao estúdio do Mickey.
Há também a figura carismática de Walt Disney, ainda que mostrado com menos esforço por parte de Tom Hanks. Disney está quase sempre sorrindo. Pelo menos quando conversa com alguém. E muito de seu sucesso vem dessa simpatia que ele apresenta na vida pública. Para alguém como ele, que era associado diretamente a filmes que representavam sonhos para muitas crianças e mesmo adultos, essa máscara era fundamental.
Mas é P.L. Travers a personagem mais importante do filme, a protagonista, o coração. E o filme também nos apresenta à Mary Poppins da vida real, uma tia que ajudou sua família durante os momentos mais difíceis da doença do pai e que inspirou a criação da personagem. Essa tia, vivida no filme por Rachel Griffiths, muito lembrada pela querida personagem Brenda, de A SETE PALMOS, é o complemento para a emoção que vem num crescendo durante os ensaios para o filme e que tem como um de seus momentos mais sentimentais a cena da canção da pipa ("Let's go fly a kite"), que funciona como um preparatório para a bela cena na avant première de MARY POPPINS. Depois de sabermos sobre a personagem, difícil conter as lágrimas.
domingo, março 16, 2014
NINFOMANÍACA – VOLUME 2 (Nymphomaniac – Vol. II)
Difícil não ficar com uma ponta de decepção com esta segunda metade do suposto "filme pornográfico" de Lars Von Trier. Principalmente quem gostou de NINFOMANÍACA – VOLUME 1 (2013), que trouxe algumas surpresas para quem costuma acompanhar a obra do cineasta dinamarquês. O bom senso de humor foi uma das coisas que mais se destacou. Para surpresa de muitos, aquele diretor de filmes pesados se apresentou com um espírito mais leve ao tratar da história de uma mulher viciada em sexo, ou uma ninfomaníaca, como ela gosta de ser chamada.
O humor não saiu completamente de cena em NINFOMANÍACA – VOLUME 2 (2014), especialmente enquanto a versão mais jovem de Joe (Stacy Martin) está presente. Destaque para a cena das colheres no restaurante. Porém, quando entra em cena Charlotte Gainsbourg não apenas como narradora, mas também como personagem da própria narração, o filme carrega um tom mais sombrio, ainda que não tanto assim. Ainda é possível rir de muitas situações e as sequências de sadomasoquismo, envolvendo o personagem de Jamie Bell, por mais que sejam interessantes, são, de certa forma, suavizadas.
Pelo menos Von Trier escapa de algo que poderia ser fatal para o seu opus, que é colocar a personagem sofrendo muita culpa pelo prazer proporcionado pela sua sexualidade exacerbada. Em especial em um momento bastante autorreferencial de ANTICRISTO (2009), que poderia ter seguido por um caminho óbvio. Felizmente ele não cometeu esse deslize. Essa cena pode ser vista como uma forma de o cineasta tentar desfazer aquilo que o atormentou, que lhe trouxe depressão anos atrás.
Outro acerto do filme está em dar mais espaço ao personagem Seligman, o ouvinte da história de Joe, interpretado por Stellan Skarsgård, que se revela um homem virgem e assexuado. Daí os detalhes da história de Joe remeterem a aspectos mais eruditos da cultura que ele absorveu através dos livros e da solidão. Nesta segunda parte, por exemplo, o que mais chama a atenção é um quadro da virgem com o menino Jesus que vai servir de discussão sobre as diferenças entre as Igrejas do Ocidente e do Oriente. Interessante ele passar essa impressão mais suave da Igreja do Oriente, que contrasta com o que vemos na atmosfera pesada do romeno ALÉM DAS MONTANHAS, de Cristian Mungiu.
Também se deve dar crédito a Charlotte Gainsbourg, a única do elenco que parece se entregar de fato à personagem. Os demais atores são coadjuvantes de luxo que desempenham seus papéis mais por diversão, servindo para atrair os espectadores que estão mais acostumados com o cinema produzido em Hollywood. De certa forma, funciona, embora nesta segunda parte o ritmo fique bem mais comprometido. Os capítulos são maiores e mais arrastados. O vigor do primeiro filme diminui neste segundo, por mais que algumas cenas sejam bem interessantes, como o orgasmo espontâneo da menina Joe, em uma experiência sobrenatural, que é vista como sendo diabólica pela interpretação de Seligman.
Claro que o diretor pode se esquivar e botar a culpa nos editores, já que ele abriu mão do corte final. Mas pode-se tirar a prova disso facilmente com a cópia integral sem cortes que já caiu na internet. Será que um filme de cinco horas e com mais cenas picantes se resolve melhor do que dois filmes de cerca de duas horas? Muitas vezes isso é possível.
Por outro lado, ao ler as tantas críticas negativas de leitores do IMDB, reclamando que a obra de Von Trier tem pornô demais e drama de menos, dá mais vontade de defender o filme. Afinal, não há pornô demais coisa nenhuma. Até tem de menos. Não há cenas de penetração explícita como no primeiro filme, por exemplo. E o diretor ainda tem a coragem de tocar num assunto delicado de maneira corajosa, que é a questão da pedofilia.
Por mais que haja tantos outros filmes que tratam de sadomasoquismo e sexo em excesso de maneira muito mais ousada dentro do meio underground, vivemos em um momento muito retraído sexualmente no mainstream. Nada como dar uma bela chacoalhada nesse atual comportamento hipócrita da sociedade e mostrar que as pessoas continuam, sim, interessadas em sexo no cinema.
sexta-feira, março 14, 2014
CAÇADOR DE ASSASSINOS / DRAGÃO VERMELHO (Manhunter)
Minha intenção inicial era ver este filme seguindo uma ordem cronológica dos trabalhos de Michael Mann, cineasta cuja obra muito me interessa, mas que, curiosamente, conheço ainda muito pouco. Até queria comprar antes aquele livro da Taschen, mas como só encontrei pra vender por aqui em espanhol (e não em inglês), preferi deixar para outra oportunidade. Gostaria de saber, por exemplo, mais detalhes sobre esta produção, além de aprender mais sobre a estética e as obsessões do cineasta.
CAÇADOR DE ASSASSINOS ou DRAGÃO VERMELHO são os títulos brasileiros para MANHUNTER (1986), o primeiro filme a explorar o personagem Hannibal Lecter, que depois faria sucesso em três filmes estrelados por Anthony Hopkins, geraria um filme sobre a origem do personagem e hoje até tem uma elogiada série sobre Lecter. Mas, bem mais do que o próprio SILÊNCIO DOS INOCENTES, de Jonathan Demme, e da outra versão (bem inferior) de DRAGÃO VERMELHO, por Brett Ratner, MANHUNTER se concentra mais no investigador do que no assassino canibal, que é mais um terrível ajudante na captura de outro assassino.
Quem espera encontrar um filme baseado mais em trama em MANHUNTER pode se decepcionar ou se surpreender positivamente. E quem quer ver cinema inventivo, elegante e cheio de diferenciais dos demais thrillers, pode arriscar neste belo trabalho de Mann, que não conseguiu deixar a estética dos anos 80 de lado, mas isso não chega a ser nenhum problema. Ainda mais em tempos em que alguns filmes voltam a utilizar aquela estética, caso de DRIVE, de Nicolas Winding Refn. Além do mais, o próprio Mann ajudou a construir uma imagem dos anos 80, com a série MIAMI VICE (1984-1990), que seria retomada em um longa-metragem primoroso para cinema em 2006.
Em MANHUNTER, William Petersen vive o agente do FBI Will Graham, que vive escondido, a fim de proteger sua família de um perigoso serial killer. Ele havia pedido para se aposentar do trabalho, mas um colega vem com o difícil convite de trazê-lo de novo para o caso. O tal assassino, chamado de Fada dos Dentes, continua sua jornada de assassinatos e quer mexer com a cabeça de Graham também. O detetive, por outro lado, também adentra um território bastante sombrio, ao querer entender a mente do assassino.
E nisso o filme tem várias cenas com o personagem falando sozinho, como num monólogo, parecendo um tanto estranho, mas que funciona muito bem e chega a ser até poético dentro da estrutura do filme, que também se beneficia do uso das cores na bela fotografia, que enfatiza o azul. Há também uma trilha sonora toda especial que ajuda a emoldurar esta obra, que, mesmo tendo uma história fascinante, é muito mais apreciável do ponto de vista da forma, da beleza das imagens.
Quanto às interpretações, além da sensacional presença de cena de William Petersen, o principal inimigo, o Fada dos Dentes, é vivido de maneira brilhante por Tom Noonan, que só é apresentado ao público depois da metade do filme, trazendo assim uma nova perspectiva e uma apresentação de sua mente doentia. A cena dele tentando abordar uma jovem moça cega é de tirar o fôlego. Certamente, MANHUNTER é um filme que deve se beneficiar de variadas revisões.
quinta-feira, março 13, 2014
TRÊS TRANQUEIRAS
A semana está hardcore, com trabalho até a tampa, mas não quero deixar o blog parado. Por isso, reservemos este espaço para três tranqueiras que não merecem muitas linhas. Algumas poucas já são o suficiente. São tantos os filmes para escrever a respeito, mas para os melhores é preciso mais tempo e dedicação, coisa que me falta no momento.
FRANKENSTEIN – ENTRE ANJOS E DEMÔNIOS (I, Frankenstein)
Não dá pra entender o que leva um estúdio a bancar uma produção tão ruim, que já pelo trailer se anuncia como ridículo, ao mostrar a criatura de Frankenstein, nos dias atuais, como uma espécie de galã. Nem mesmo os efeitos especiais e o 3D aliado à tecnologia IMAX ajudam. Também não dá para curtir como filme fantástico propositalmente ruim. FRANKENSTEIN – ENTRE ANJOS E DEMÔNIOS (2014) é baseado na obra do mesmo criador da franquia ANJOS DA NOITE. Essa origem, aliás, é fácil de perceber, mostrando, dessa vez, uma disputa entre demônios e gárgulas. Pelo menos, valeu pela experência dos frios na barriga com os vários travellings que chegam a assustar com a tecnologia IMAX 3D.
UM CONTO DO DESTINO (A Winter's Tale)
Akiva Goldsman deveria continuar apenas na tarefa de produtor e roteirista. Sua estreia como diretor de longa-metragem é um horror, daqueles filmes de dar vergonha ao sair do cinema. UM CONTO DO DESTINO (2014) se passa em dois tempos: início do século XX e início do século XXI. Na trama, Colin Farrell é um ladrão do bem que é auxiliado por forças divinas e que se apaixona por uma jovem aristocrata que sofre de uma doença fatal. Ele é perseguido por um homem bem malvadão, vivido por de maneira bem canastrona por Russell Crowe. Há um cavalo alado que torna as coisas ainda mais ridículas, embora a gente perceba que a intenção era causar maravilhamento no público. Em vez disso, o filme é um convite ao sono. E não melhora nada quando a trama passa para o século XXI.
DEPOIS DE LÚCIA (Después de Lucía)
Fui incentivado a ver este filme mexicano graças à Liga dos Blogues Cinematográficos, que, durante a votação do Alfred 2013, elegeu DEPOIS DE LÚCIA (2012, foto) como um dos cinco piores do ano. Curiosamente, o filme foi laureado em Cannes com o prêmio de melhor direção para Michel Franco pela mostra Un Certain Regard e há uma boa parcela da crítica e do público que gosta do filme. Não foi o meu caso. A descrição do bullying sofrido por uma jovem na escola e as repercussões trágicas que seguem chegam a incomodar, no pior sentido do termo. Há uma moralidade que pode ser bem questionada no enredo, além da gratuidade das cenas de agressão à moça. Acredito que não serve nem para exibições em escolas, se o objetivo for tratar do tema do bullying.
segunda-feira, março 10, 2014
TRUE DETECTIVE
E a série que mexeu com as emoções e se tornou um fenômeno de divulgação boca a boca na internet partiu de um escritor de ficção, o premiado Nic Pizzolatto, que estreou na televisão como roteirista de dois episódios da primeira temporada de THE KILLING (2011) e agora surge como criador, produtor e roteirista de TRUE DETECTIVE (2014), uma série que traz dois atores consagrados do cinema, Matthew McConaughey e Woody Harrelson, como dois investigadores da polícia de Louisiana às voltas com um estranho caso de assassinato que acaba por se mostrar bem maior do que eles imaginaram.
A ideia de TRUE DETECTIVE é sempre trazer histórias fechadas a cada temporada (esta teve apenas oito episódios), com mudança completa do elenco e talvez também de diretor. O diretor escolhido para esta primeira temporada foi Cary Joji Fukunaga, de JANE EYRE (2011), e que se mostra tão habilidoso na condução da trama que dá vontade de conhecer sua ainda curta filmografia. A série ainda conta com um elenco de apoio bem interessante, com Michelle Monaghan e Alexandra Daddario, para citar os nomes mais conhecidos dentre os coadjuvantes. Sem falar que são mulheres que exibem também sua beleza e sensualidade ao longo da série.
Mas, afinal, o que faz de TRUE DETECTIVE tão especial? Provavelmente o seu mistério. Aliás, uma das coisas fascinantes com relação ao mistério é quando ele ainda é mistério. Por isso que uma série como TWIN PEAKS continua sendo uma referência até hoje. Aliás, comparações entre TRUE DETECTIVE e TWIN PEAKS surgiram com frequência nas últimas semanas: ambas são séries policiais com elementos sobrenaturais. Ou, no caso de TRUE DETECTIVE, possivelmente sobrenaturais, já que não sabemos ao certo se tudo não passa de crimes feitos pela mente doentia de um homem.
A estrutura narrativa de TRUE DETECTIVE é também importante para convidar o espectador a permanecer interessado sempre. Através de idas e vindas no tempo, que nos levam para o início dos anos 1990, quando os detetives Rust Cohle (McConaughey) e Marty Hart (Harrelson) começaram a trabalhar juntos em um bizarro caso de assassinato de uma mulher. Seu corpo foi encontrado amarrado em uma árvore, com galhos na cabeça e estranhas marcas no corpo que remetem a alguma espécie de ritual satânico ou coisa parecida. Ao mesmo tempo, somos levados aos anos 2010, com os dois homens sendo interrogados separadamente por outra dupla de detetives sobre os casos ocorridos na década de 90.
A mudança de 20 anos no aspecto dos dois homens são claramente mostradas tanto fisicamente quanto no comportamento. Principalmente de Cohle, que aparece barbado, bebendo muito e com um olhar que mostra ainda mais desencanto do que 20 anos atrás, quando ele já demonstrava um jeito niilista de encarar a vida e o mundo. Algumas de suas frases são tão interessantes que dão vontade de transcrever, apesar do tom sombrio.
O problema da série talvez aconteça a partir de seu quinto episódio, quando parte da trama é solucionada e acontece uma reviravolta na história dos dois homens. Até aquele momento, cada episódio era melhor do que o outro, gerando uma carga de excitação poucas vezes encontrada na televisão nos últimos anos. O quarto episódio, inclusive, traz um plano-sequência admirável, que ocorre numa perturbadora cena de ação que contrasta com o tom lento da série.
Por isso que, por mais que a season finale seja ótima, acaba ficando a dever, em qualidade, àqueles primeiros quatro sensacionais episódios. De todo modo, o clímax é muito bom, há um momento em que o realismo sai um pouco de cena para dar lugar ao fantástico, ainda que muito discretamente, e a violência gráfica ajuda a tornar aqueles momentos memoráveis. O epílogo, poético, dos dois homens falando de estrelas e de perdas, de luz e de escuridão, representa também uma mudança do pessimismo para um certo otimismo da parte de Cohle, desde já o personagem da vida de Matthew McConaughey.
sábado, março 08, 2014
300 – A ASCENSÃO DO IMPÉRIO (300: Rise of an Empire)
O trailer de 300 – A ASCENSÃO DO IMPÉRIO (2014) já vinha enchendo o saco de cinéfilos há meses. Até que enfim o filme estreou, então. Como algumas coisas que poderiam ser vistas como pontos negativos para o filme já são garantidas, como o sangue e o cenário totalmente em CGI e a fotografia em cores propositalmente esmaecidas para não perder o tom do 300 anterior (2006), de Zack Snyder, o que nos resta é a surpresa.
E ela vem pela boa mão do pouco experiente Noam Murro, que comanda a direção desta "quase" sequência. Dizemos "quase" porque há acontecimentos de muito antes da batalha dos 300 contra as tropas de Xerxes (Rodrigo Santoro), há acontecimentos que ocorrem durante a batalha contra os espartanos e há acontecimentos que ocorrem após a fatídica batalha, que trouxe uma "morte gloriosa" para os orgulhosos habitantes daquela cidade-estado cuja maior força estava no combate.
Assim, através da narração da Rainha Gorgo de Esparta (Lena Headey), esposa do Rei Leônidas, ficamos sabendo detalhes ocorridos há 10 anos, como a morte de Dario, o rei dos persas, pela flecha mortal do ateniense Temístocles (Sullivan Stapleton) durante um ataque-surpresa que dizimou todos os persas do local. Esse incidente afetou a vida de duas pessoas em particular: Xerxes, que presenciou a morte do pai, e Artemísia (Eva Green), que incutiu na cabeça de Xerxes a ideia de que ele poderia ser um deus. E assim vencer os gregos.
Essas narrativas iniciais estão entre os pontos altos do filme, que consegue separar de maneira hábil a batalha de Temístocles e a história de Artemísia e a consequente mudança de Xerxes, que se tornaria um gigante dourado e de voz de trovão. Mas Xerxes é apenas um paspalho em 300 – A ASCENSÃO DO IMPÉRIO, já que os grandes protagonistas são mesmo Temístocles e Artemísia, ambos gregos, mas servindo a exércitos inimigos.
Eva Green está muito bem como a vilã, além de protagonizar uma cena sensual, mostrando os seios fartos que o mundo conheceu em OS SONHADORES, de Bernardo Bertolucci. Mas aqui o que mais importa é a sua força como estrategista, seu ódio contra os gregos, sua maldade natural e sua habilidade no uso da espada.
Apesar de a violência do filme ser incluída na pós-produção, com sangue que não parece sangue, as cenas de batalha são vigorosas e o vermelho do sangue derramado funciona como uma espécie de fetiche. Aliás, esse não é o único fetiche do filme, que desde o seu antecessor tem um teor um tanto homoerótico pelo elogio, através das imagens, dos corpos masculinos seminus. Assim, o corpo, a espada e o sangue são os três elementos fetichistas de 300 – A ASCENSÃO DO IMPÉRIO.
Pena que o filme perca um pouco o ritmo da metade para o final, com as paradas estratégicas de cada lado para se preparar para a batalha no dia seguinte. Mas o pouco conhecido Murro, que só tinha no currículo de longas a comédia romântica VIVENDO E APRENDENDO (2008), acabou se saindo melhor que o seu amigo Snyder, que aqui assina como roteirista e produtor. Levando em consideração a quantidade de filmes ruins do subgênero "espada e sandália" que andam aportando pelas salas mundo afora, até que o novo 300 não se saiu mal como muitos previam.
quinta-feira, março 06, 2014
O PAÍS DO SEXO SELVAGEM (Il Paese del Sesso Selvaggio / The Man from Deep River)
Seguindo a cartilha do livro Cemitério Perdido dos Filmes B, cheguei agora a O PAÍS DO SEXO SELVAGEM (1972), de Umberto Lenzi. Trata-se de um dos pioneiros do ciclo canibal, que tanto sucesso faria nas décadas de 1970 e 1980 na Itália. E olha que este nem é dos melhores filmes. Apenas tem o mérito de ter aberto caminho para os demais, já que os tais canibais aqui são só uma tribo inimiga que aparece muito rapidamente.
Mas não faltam, por exemplo, cenas de sacrifícios de animais, o que certamente hoje seria inaceitável em qualquer país civilizado. A cena da morte até um tanto sádica de um jacaré é tão forte quanto a cena da tartaruga em CANNIBAL HOLOCAUST, de Ruggero Deodato, para citar o mais famoso do ciclo canibal.
Mas a trama é um pouco capenga, embora tenha os seus momentos. No filme, Ivan Rassimov é John Bradley, um fotógrafo que se mete em uma briga em Bangkok e acaba matando um homem. Deixa a namorada de lado e foge para a selva da Tailândia, a fim de explorar a região. Mal sabia ele que seria capturado por uma tribo de selvagens que o chamariam de homem-peixe, por ele estar usando equipamento de mergulho.
John come o pão que o diabo amassou na tribo, mas acaba escapando da morte por cair nas graças da filha do chefe da tribo, a bela Mayara (Me Me Lai), que de vez em quando calha de tomar banho nua no rio. É com esse apelo levemente erótico e com a violência até então bastante forte que O PAÍS DO SEXO SELVAGEM conquistou a muitos frequentadores de cinemas empoeirados do mundo afora, bem como a muitos que só foram descobrir o filme na época do VHS.
Dá para comparar um pouco a história com a de COMO ERA GOSTOSO O MEU FRANCÊS, de Nelson Pereira dos Santos. Ambos mostram um sujeito "civilizado" que é capturado por uma tribo selvagem. Só que o filme do Nelson é muito melhor em todos os aspectos. Até mesmo na crueldade da tribo, que não dá trégua para o protagonista. E faz isso sem precisar de violência gráfica.
quarta-feira, março 05, 2014
BACKBEAT – OS 5 RAPAZES DE LIVERPOOL (Backbeat)
Deve fazer uns 20 anos que eu vi este filme no cinema. Talvez menos, levando em consideração o possível atraso na chegada às nossas salas. Mas o motivo principal pra eu querer rever BACKBEAT – OS 5 RAPAZES DE LIVERPOOL (1994) foi eu ter retomado a leitura de The Beatles – A Biografia, de Bob Spitz. Tinha parado por causa dos vários textos do mestrado e nem sei se vou ter que parar novamente, mas o importante é que eu retomei e li sobre a louca fase dos Beatles em Hamburgo, quando eles ainda não tinham lançado nenhum disco.
Lembro que, na época da estreia do filme, um dos motivos de eu ficar muito a fim de ver era a presença de Sheryl Lee, a eterna Laura Palmer de TWIN PEAKS. Era um tempo em que eu me interessava por qualquer coisa relacionada à série, principalmente os filmes com as atrizes. Sheryl faz aqui o papel da fotógrafa Astrid Kirchherr, a garota que roubou o coração de Stuart Sutcliffe (Stephen Dorff), o então baixista dos Beatles e melhor amigo de John Lennon. Assim, embora o filme se debruce sobre essa época tão especial e selvagem da banda, trata-se de uma história de amor entre Stu e Astrid tendo como pano de fundo aquele cenário e o rock dos anos 1950 que era tocado pela banda.
Acho que o filme caiu um pouco na revisão e, pra quem leu esta biografia ou qualquer outro livro dos Beatles que fale mais detalhadamente dessa fase inicial, a narrativa parece muito corrida. Mas isso é normal em se tratando de filmes que só tem cerca de duas horas para contar uma história. Nesse sentido, até que o então estreante Ian Softley (de A CHAVE MESTRA, 2005) se saiu bem.
Os atores escolhidos para viver John, Paul e George são realmente parecidos com os verdadeiros. Diferente, por exemplo, do jovem John Lennon de O GAROTO DE LIVERPOOL, de Sam Taylor-Johnson, cujo ator não parece fisicamente em nada com o John, embora o filme tenha resultado melhor e mais emocionante, servindo, inclusive, de prelúdio para BACKBEAT.
O que eu já não me lembrava mais – e que ainda não cheguei no livro – é do triste fim de Stuart Sutcliffe, que foi embora cedo demais. O choro desesperado de Astrid acabou trazendo resquícios da Laura Palmer, de David Lynch. De todo modo, apesar dos pequenos problemas, BACKBEAT é um belo filme, que serve tanto para velhos conhecedores quanto para novos fãs da banda.
terça-feira, março 04, 2014
UMA FAMÍLIA EM TÓQUIO (Tôkyô Kazoku)
Conhecendo ou não o homenageado ERA UMA VEZ EM TÓQUIO (1953), de Yasujiro Ozu, ver UMA FAMÍLIA EM TÓQUIO (2013) é uma experiência extremamente recompensadora. Trata-se de um desses filmes de lavar a alma, que emociona durante a sessão e que vai junto com a gente até o caminho de casa. Dirigido por Yôji Yamada, trata-se de uma espécie de remake da obra de Ozu, para celebrar os 60 anos de um dos filmes mais cultuados de todos os tempos. Logo, era uma responsabilidade e tanto de Yamada fazer essa homenagem.
O filme acompanha um casal de idosos que moram numa ilha afastada da cidade grande e que resolvem ir a Tóquio visitar os seus três filhos. O problema é que, ao chegarem lá, eles vão percebendo que os filhos são ocupados demais para dar-lhes atenção e acabam chegando, em certo momento, a se sentirem como uns sem-teto, jogados de um lugar para outro.
Aos poucos vamos conhecendo cada personagem, cada filho e cônjuge ou namorada dos filhos de Shukichi e Tomiko Hirayama. Sem muita pressa, UMA FAMÍLIA EM TÓQUIO vai nos conquistando numa duração que parece ser aparentemente longa (146 minutos), mas que se mostra perfeita para contar a história. Tanto que nem vemos o tempo passar, de tão interessados que ficamos na trama que se desenrola.
Algumas atualizações são divertidas, como a do momento em que pai e mãe (eles são tratados assim por noras e genros também) chegam a Tóquio e a mãe tem um mapa desenhado, sem perceber que o taxista dispõe de um GPS que o orientará a chegar à casa do filho mais velho, o que é médico.
O curioso é que há muitas cenas de rotina, de pessoas conversando e comendo e falando sobre casamentos e falecimentos, mas nenhuma delas se torna tediosa. Há também todo um trabalho de emulação da geografia de interiores tão comum nos filmes de Ozu. Mas, apesar de observar esses aspectos ser também interessante, o que mais chama a atenção é mesmo a relação dos velhos pais com seus filhos. Na maioria das vezes eles são tratados como estorvos, sendo que a relação do pai com os filhos é sempre mais complicada, em especial com o filho mais novo, que é tido como um preguiçoso e irresponsável pelo pai. E é justamente no relacionamento mais complicado que o filme ganha em emoção.
Se UMA FAMÍLIA EM TÓQUIO já estava se encaminhando muito bem, o filme se torna melhor ainda com a entrada em cena de Noriko (Yû Aoi), a bela namorada do filho mais velho. A timidez característica japonesa, já tão apresentada em tantos filmes, é explorada no momento que o filho mais novo tenta apresentar a namorada para a mãe, com certo desconforto, apesar de a moça ser adorável e bondosa.
Sua presença, assim como a cena da mãe na casa do filho mais novo conversando antes de dormir, quando ela finalmente se sente feliz por ter vindo a Tóquio e não arrependida por não receber o cuidado devido, é crucial para que a emoção aflore abundantemente. E uma vez que a emoção chega dessa maneira, é acompanhar a dolorosa conclusão com o maior carinho do mundo pelos protagonistas, como se fôssemos tão culpados quanto os filhos mais ingratos em não dar a devida atenção a pessoas tão especiais.
segunda-feira, março 03, 2014
OSCAR 2014
Que diferença faz quando muda o apresentador do Oscar. No ano passado, quando Seth MacFarlane apresentou a festa, muita coisa saiu errado, suas piadas não tinham a menor graça e pode-se dizer que ele foi reprovado. Aí chamaram de novo a Ellen DeGeneres e ela deu um show sem fazer muito esforço. Só a ideia de convidar alguns astros a posarem para uma selfie foi sensacional. "Quebramos o twitter", ela disse. Esta simples foto bateu o recorde de retuitadas, fora os compartilhamentos pelo Facebook.
E falando em internet, já faz algum tempo que assistir a festa do Oscar online se tornou muito mais divertido. Antes da web, sempre havia o risco de dormir durante a cerimônia ou ter que apelar para café ou pipoca para animar a noite. Agora é como se estivéssemos assistindo fisicamente com uma grande turma de amigos, dando pitacos, não necessariamente sobre as justiças ou injustiças de tais prêmios, pois Oscar, a gente sabe que não é pra levar tão a sério mesmo.
O que não quer dizer que a gente não torça por determinado ator, atriz, diretor, roteirista etc. E, nesse quesito, destaco a categoria de atriz, que estava muito boa este ano em comparação com às demais categorias de interpretação masculina ou feminina. Ganhou quem já esperávamos, Cate Blanchett, por BLUE JASMINE, mas as demais concorrentes também estavam ótimas.
Foi a vez do drama 12 ANOS DE ESCRAVIDÃO, de Steve McQueen, faturar a estatueta principal, mas quem mais venceu em quantidade de prêmios foi mesmo GRAVIDADE, de Alfonso Cuarón, que ganhou, inclusive, o prêmio de direção. Os demais prêmios foram todos técnicos (fotografia, edição, trilha sonora, efeitos visuais, edição de som e mixagem de som), totalizando sete prêmios, contra os três de 12 ANOS DE ESCRAVIDÃO.
No campo das canções, destaque para a belíssima apresentação de "The Moon Song", presente em ELA, de Spike Jonze, e cantada por Karen O. Acabou perdendo para "Let it go", de FROZEN – UMA AVENTURA CONTAGIANTE, da Disney. E o pessoal do U2 deixou uma saudade de seu passado glorioso com um canção bem fraca para um filme que dizem ser ainda mais fraco (MANDELA).
O que também deixou muitos brasileiros emocionados e surpresos foi a presença de nosso documentarista maior Eduardo Coutinho no In Memoriam, uma homenagem que fazem anualmente aos atores, atrizes, técnicos e diretores de cinema que passaram para o outro plano. Não estamos acostumados a ver nossos artistas brasileiros recebendo homenagem de Hollywood. Antes mesmo do In Memoriam, Bill Murray quis prestar sua homenagem ao amigo Harold Ramis, morto há poucos dias. Infelizmente não deu tempo de incluir o cineasta Alain Resnais, morto no último sábado. O que acabou estragando foi uma apresentação de Bette Midler, que supostamente seria para homenagear aqueles que partiram.
Entre os discursos, o que causou mais controvérsia foi o de Matthew McConaughey, que ganhou o prêmio por CLUBE DE COMPRAS DALLAS. Seu discurso foi considerado por muitos confuso, além de não ter falado sobre o tema do filme, ou seja, a AIDS. No entanto, achei-o vibrante, cheio de fé (ele cita Deus com destaque) e com a aura de carisma do astro. Atualmente ele vive um de seus melhores momentos e o Oscar funciona como um instrumento de consagração dessa sua excelente fase. Curiosamente, seu discurso pareceu uma espécie de cópia em negativo de seu personagem niilista da série TRUE DETECTIVE.
Os premiados
Melhor Filme – 12 ANOS DE ESCRAVIDÃO
Direção – Alfonso Cuarón (GRAVIDADE)
Ator – Matthew McConaughey (CLUBE DE COMPRAS DALLAS)
Atriz – Cate Blanchett (BLUE JASMINE)
Ator Coadjuvante – Jared Leto (CLUBE DE COMPRAS DALLAS)
Atriz Coadjuvante – Lupita Nyong'o (12 ANOS DE ESCRAVIDÃO)
Roteiro Original – ELA
Roteiro Adaptado – 12 ANOS DE ESCRAVIDÃO
Fotografia – GRAVIDADE
Montagem – GRAVIDADE
Trilha Sonora Original – GRAVIDADE
Canção Original - "Let it Go", de FROZEN – UMA AVENTURA CONGELANTE
Mixagem de Som – GRAVIDADE
Edição de Som – GRAVIDADE
Efeitos Visuais – GRAVIDADE
Desenho de produção – O GRANDE GATSBY
Figurino – O GRANDE GATSBY
Maquiagem e cabelos – CLUBE DE COMPRAS DALLAS
Filme Estrangeiro – A GRANDE BELEZA (Itália)
Longa de Animação – FROZEN – UMA AVENTURA CONGELANTE
Curta de Animação – MR. HUBLOT
Curta-metragem - HELIUM
Documentário – 20 FEET FROM STARDOM
Curta Documentário – THE LADY IN NUMBER 6: MUSIC SAVED MY LIFE
domingo, março 02, 2014
EU TE AMO, EU TE AMO (Je T'Aime, Je T'Aime)
E hoje acordamos com a notícia de que um dos mais importantes cineastas até então vivos havia morrido. Alain Resnais já tinha 91 anos de idade, mas continuava bastante ativo e tem um filme inédito em nosso circuito comercial, AIMER, BOIRE ET CHANTER (2014), e outro inédito em Fortaleza, VOCÊS AINDA NÃO VIRAM NADA! (2012). Quer dizer, estava fazendo filmes como um jovem cineasta, ainda apostando em inovações.
No entanto, hei de confessar que minha relação com o cinema de Resnais não é das mais amorosas, embora conheça menos de 10 filmes do diretor. Costumo dormir em seus filmes, embora reconheça que tratam de questões que me são caras, como a memória e o sonho. Curiosamente, o seu filme que mais aprecio é um documentário em curta-metragem, NOITE E NEBLINA (1955), que retrata os horrores dos campos de concentração nazista. Uma obra que retrata a realidade, mas uma realidade tão absurda que nem parece ser verdade.
Com o objetivo de homenageá-lo, resolvi escolher um filme que fosse me agradar mais. Soube deste EU TE AMO, EU TE AMO (1968), que trata de viagem no tempo, um tema que costuma me agradar quase sempre. Creio que sempre será objeto de meu fascínio. Porém, o filme de viagem no tempo de Resnais é diferente de todo os demais, estabelecendo uma relação bem próxima de outro célebre trabalho seu, O ANO PASSADO EM MARIENBAD (1961), inclusive com o uso fragmentado das imagens e cenas.
Na trama, homem depressivo (Claude Rich) que se recupera de uma tentativa de suicídio é convidado a fazer parte de um experimento inédito envolvendo uma viagem no tempo, no caso, a seu passado. Como conhecemos pouco ou quase nada da história desse homem, ficamos tentando juntar o quebra-cabeças de imagens aleatórias que nos são apresentadas, que vão desde o momento em que ele é enviado, saindo do mar, e falando com a namorada, até o momento em que chega ao laboratório para ingressar na máquina do tempo.
O resultado é mais incômodo do que fascinante ou empolgante, embora alguns momentos apareçam mais como sonhos do que como memórias, como a cena em que uma garota bonita pede para que ele a ensaboe em uma banheira, elemento surrealista destacado dentro de uma narrativa já bem pouco comum.
Como as memórias costumam ser embaralhadas mesmo e muitas vezes são reconstruídas na mente para que ganhem mais concretude, elas não são tão diferentes assim dos sonhos. O interessante de EU TE AMO, EU TE AMO é que Resnais prefere deixar essas memórias de maneira esparsa, seja com repetição ou com falhas. Em alguns momentos, porém, conseguimos preencher algumas lacunas, como o fato de o protagonista ter se tornado depressivo e, posteriormente, tentado o suicídio.
Além do mais, como a grande maioria dos filmes franceses que falam de amor, EU TE AMO, EU TE AMO trata o sentimento de maneira racional, ficando até difícil dizer que se trata de uma história de amor. Senti falta de mais cenas com a bela Olga Georges-Picot. Alguns momentos seus são bem poéticos, como quando ela diz que Deus criou o gato à sua imagem e semelhança. E depois criou o homem para ser escravo do gato. Não é uma ideia tão original (já ouvi isso antes), mas é gostoso de ouvir na voz dela. Um alento numa obra que se caracteriza por deixar o espectador cada vez mais desconfortável e angustiado.
sábado, março 01, 2014
INSIDE LLEWYN DAVIS – BALADA DE UM HOMEM COMUM (Inside Llewyn Davis)
Um novo filme dos irmãos Coen é sempre algo a se levar em consideração como sendo de grande relevância, não importando se está ou não indicado a algum Oscar. Nos últimos anos, porém, alguns de seus trabalhos ganharam bastante visibilidade no prêmio máximo da Academia. Começou com as indicações de FARGO (1996) e ganhou ainda mais força com a obra-prima ONDE OS FRACOS NÃO TÊM VEZ (2007), que conquistou o prêmio máximo numa festa que geralmente costuma premiar filmes mais caretas.
Depois dessa premiação, ficou a impressão de que eles se sentiram mais livres ainda para fazer o que bem entenderem, por mais que um trabalho como BRAVURA INDÔMITA (2010) possa ser visto como um filme mais convencional. Com INSIDE LLEWYN DAVIS – BALADA DE UM HOMEM COMUM (2013), eles voltam aos filmes "menores". Tanto que, para ser finalizado, eles contaram com ajuda de dinheiro britânico e francês, além de americano, na produção. Muitos grandes cineastas americanos, aliás, estão tendo que fazer esse tipo de acordo para que consigam materializar suas ideias em filmes.
Assim, com um modesto orçamento estimado em 11 milhões de dólares, Joel e Ethan Coen concluíram a história de um homem que tenta sobreviver com música em um mundo cruel. O filme se passa em 1961, momento em que se iniciava a cena folk de Greenwich Village. No início, aquele tipo de música não era considerado vendável. E isso é percebido ao longo de todo o filme, mas que se torna ainda mais notável na sequência em que Llewyn Davis (Oscar Isaac) toca, em vão, para um produtor de Chicago, vivido por F. Murray Abraham.
Curiosamente, o personagem de Davis não é tão simpático, mas também não é antipático. E ao longo de sua trajetória de pancadas e humilhações que leva, sem desistir de sua vontade de viver de música, é fácil nos compadecermos dele, de cada lugar que procura para passar a noite, por não ter uma casa pra morar, de cada xingamento que leva da ex-namorada (Carey Mulligan), do frio que passa, sem ter um casaco para se agasalhar naquele pesado inverno, da preocupação em ter que devolver intacto o gato da casa de um amigo etc.
Enquanto isso, o filme também nos proporciona momentos de emoção através da música, principalmente as que ele canta e toca no violão. Se os Coens já fizeram um musical antes homenageando um tipo de música tradicional americana, E AÍ, MEU IRMÃO, CADÊ VOCÊ? (2000), usando um registro de comédia, aqui os temas musicais funcionam como mais um elemento da melancolia da vida daquele homem, cujo passado só aos poucos vamos conhecendo.
Levando em consideração o senso de humor tão presente em grande parte da obra dos irmãos Coen, essa necessidade de usar um registro mais dramático para contar a história de Llewyn Davis, personagem fictício inspirado no músico Dave Van Ronk, pouco conhecido, principalmente se compararmos com a fama de Bob Dylan e Joni Mitchell, é mais um motivo para levarmos a sério o filme, que aparentemente parece um apanhado de grandes cenas, mas que não se mostra tão orgânico como um todo.
O que não dá para deixar de notar é que se trata de um filme feito por mestres na arte de narrar com imagens. E que aqui também brindam o espectador com uma trilha sonora excepcional, que vai da música erudita à música folk. É, definitivamente, um filme que cresce na memória afetiva, na medida em que pensamos nele.
INSIDE LLEWYN DAVIS – BALADA DE UM HOMEM COMUM foi indicado a (apenas) dois Oscar: fotografia e mixagem de som.