sábado, março 22, 2014

A COLEÇÃO INVISÍVEL



Como o filme estreou em São Paulo e outras poucas praças em setembro de 2013, a cópia que chegou aqui já veio com alguns arranhões, inclusive na banda sonora. Mesmo assim, é impressionante o impacto que é ver A COLEÇÃO INVISÍVEL (2012) no cinema. Trata-se de um filme surpreendente, que agrada do início ao fim, e que apesar de ser baseado em conto do austríaco Stefan Zweig, traz um final que lembra (sem querer, talvez) o trabalho do escritor argentino Jorge Luis Borges.

O filme também é marcante por ser o último trabalho de Walmor Chagas (premiado no Festival de Gramado pelo papel), que, após as filmagens, cometeu suicídio em janeiro do ano passado. E o curioso é que há algo de terrivelmente irônico em uma passagem do filme, em que o próprio Chagas faz uma piada envolvendo um sujeito que se mata. Um aspecto mórbido de um filme que já começa com a morte rondando a vida do protagonista, vivido por Vladimir Brichta, neste que deve ser o melhor papel de sua carreira.

Na trama, Beto (Brichta) é um rapaz que trabalha com equipamento de som para festas e que, passando por situações de dificuldades financeiras, além de uma tragédia recente, começa a se interessar pelo antiquário do seu falecido pai. Percebe que havia, na década de 1970, um colecionador que comprava gravuras que hoje seriam valiosas e poderiam tirar a família da situação complicada em que vivem.

É daí que ele resolve ir à procura do tal colecionador, de nome Samir, vivido por Walmor Chagas. Porém, chegando lá ele encontra obstáculos imensos, principalmente da esposa de Samir, que não permite que ele fale com o idoso colecionador, mesmo mencionando que ele era um amigo de seu pai. Há também o encontro com a filha de Samir (Clarisse Abujamra), que também não é muito fácil de lidar.

Além do aspecto humano que o filme trabalha tão bem e de maneira muito natural, há também um interesse pela geografia (em seu sentido mais amplo) que faz com que A COLEÇÃO INVISÍVEL seja um trabalho excepcional. O diretor Bernard Attal é apreciador dos romances de Jorge Amado e, por isso, interessado pela região cacaueira da Bahia apresentada em alguns de seus livros. Utiliza como locação uma cidade daquela área baiana, hoje semiabandonada. O lugar é tão cheio de prédios abandonados que chega a lembrar as locações de MÃE E FILHA, de Petrus Cariry, que se passa todo em uma "cidade fantasma".

A cidade de A COLEÇÃO INVISÍVEL não chega a tanto, mas se aproxima disso. Há, inclusive, uma crítica ao aumento da quantidade de igrejas evangélicas onde antes funcionavam cinemas e outros prédios culturais. Paulo César Pereio, que costuma roubar a cena em todo filme que aparece, não faz diferente em sua pequena mas marcante participação como um locutor de rádio que reclama da decadência da cidade. E, falando em geografia, não são apenas os prédios que se mostram abandonados, mas também a própria vegetação - sofrendo com as queimadas, as pragas e o desmatamento -, como também as pessoas.

E Attal aborda todos esses assuntos sem soar nada panfletário. O que ele conta é uma história em que o aspecto humano é mais privilegiado. E isso é mostrado tanto do lado da família de Beto quanto na família difícil de se aproximar de Samir. Como se trata de um filme sobre um homem da cidade entrando no campo e num mundo desconhecido, já é de se esperar que a intenção seja mesmo construir uma história sobre uma viagem transformadora. Curioso o filme estrear em Fortaleza no mesmo dia que ELES VOLTAM, de Marcelo Lordello, já que são filmes que têm elementos em comum.

Mas confesso que A COLEÇÃO INVISÍVEL me tocou mais. É mais delicado e ao mesmo tempo mais simples em sua construção. No ponto de vista da forma, talvez até seja mais convencional, sem muitas invenções, mas há todo um cuidado com cada cena, cada personagem e cada lugar, com um final comovente, ao som de uma canção inédita interpretada por Tiê, chamada "Teus olhos cansados". A doçura da voz da cantora paulistana em uma canção melancólica é perfeita para o desfecho comovente do filme.

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