Às vezes, críticas negativas ou declarações de que um espectador teve suas expectativas frustradas com determinado filme acabam funcionando a nosso favor. Esperamos, então, um filme mediano e damos de cara com uma obra excelente. Foi o que aconteceu comigo em relação a AMOR (2012), a obra que deu a segunda Palma de Ouro a Michael Haneke e que ainda ganhou indicações a um prêmio que é do cinema americano.
A princípio, antes de ver o filme, e já conhecendo boa parte do currículo de Haneke, não deixa de ser intrigante imaginar a visão de amor de um cineasta que dirigiu obras tão pesadas como as duas versões de VIOLÊNCIA GRATUITA (1997, 2007), A PROFESSORA DE PIANO (2001), CACHÉ (2005) e A FITA BRANCA (2009). Mas, uma vez que vemos o filme, entendemos que se trata de uma visão longe da melodramaticidade e principalmente da espiritualidade, uma vez que estamos falando de um filme sobre a velhice e o fim da vida. A representação do pombo que entra no apartamento é uma prova disso.
As tomadas econômicas do casal de idosos vivido por Jean-Louis Trintignant (Georges) e Emmanuelle Riva (Anne) são dirigidas com a segurança e o rigor de um cineasta com a experiência e o talento de Haneke. E a participação de ícones do cinema francês como Trintignant (de filmes tão diferentes quanto o romance UM HOMEM, UMA MULHER e o western spaghetti O VINGADOR SILENCIOSO) e Emmanuelle Riva (lembrada principalmente por seu papel em HIROSHIMA, MEU AMOR) ajuda a dar ao filme um ar de solenidade. Que é enfatizada com a participação especial de uma atriz tão querida como Isabelle Huppert.
A primeira cena do filme mostra a polícia invadindo um apartamento fechado e encontrando o cadáver cheio de flores de uma mulher idosa. Voltamos no tempo, então, e acompanhamos a última vez que Georges e Anne saíram juntos: para assistir a um espetáculo de música erudita. A câmera parada, tanto no teatro quanto no ônibus, na volta pra casa, passa sensações de verdade, de respeito e até de suspense.
Quando Anne tem seu primeiro AVC, acompanhamos o desgosto da personagem em relação à vida. Haneke trata de mostrar a decadência física da personagem e os esforços do marido para cuidar da esposa com amor e dor, com a uma serenidade parecida com a de Georges. Diferente, por exemplo, da personagem da filha, vivida por Isabelle Huppert, que aparece de vez em quando para chorar e ficar revoltada com a situação da mãe.
Haneke mostra neste seu mais recente trabalho que sabe ser seco mesmo em filmes que lidam com o amor. Quem viu CACHÉ, por exemplo, não vai esquecer a cena da navalha e pode encontrar um paralelo dessa cena em AMOR. Haneke é impiedoso, mesmo quando ama seus personagens. Ou talvez por amá-los.
AMOR recebeu cinco indicações ao Oscar: filme, direção, atriz (Emmanuelle Riva), roteiro original e filme estrangeiro.
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