sexta-feira, fevereiro 15, 2013
EROS – O DEUS DO AMOR
Ao ser questionado sobre um filme brasileiro do coração, o nome de Walter Hugo Khouri foi o que logo me veio à mente. Conheci seus filmes antes mesmo de me autodenominar cinéfilo. Via-os na televisão pelo apelo erótico, pelas mulheres lindas e nuas e porque eu era um adolescente com os hormônios em ebulição. Mas não só por isso, como depois fui perceber. O existencialismo, tão presente na obra khouriana, de certa forma já me atraía. Com o tempo, a atmosfera, a música misteriosa de Rogério Duprat, o jazz, a busca desesperada por sexo dos personagens, todos esses ingredientes já me eram elementos agradavelmente familiares.
EROS, O DEUS DO AMOR (1981) é provavelmente o mais querido por mim, dentre os vários trabalhos do genial cineasta. Talvez nem seja o seu filme mais próximo da perfeição – pelo menos a cópia que pude ver em VHS é cheia de saltos -, mas é um filme que ficou guardado na memória com muito afeto. É um filme de forte poder imagético, mas a imagem que ficou mais forte em minha mente durante todos esses anos foi a de Denise Dumont nua, de bruços numa cama, enquanto o olhar de Marcelo, em câmera subjetiva, se aproxima de seu corpo. Depois, quando ela acorda – Denise, personificando Ana, a mulher mais desejada por Marcelo no filme -, vemos o quanto ela é encantadora e apaixonante. E um dos grandes motivos de o filme ser tão especial, mesmo com o grande elenco de estrelas femininas.
Poucos filmes mostram tantas mulheres quanto EROS. Além de Denise Dumont, há Dina Sfat, como a mãe de Marcelo, Lillian Lemmertz, como a esposa, e mais Renée de Vielmond, Kate Lyra, Nicole Puzzi, Selma Egrei, Monique Lafond, Patricia Scalvi, Kate Hansen, Lara Deheinzelein, Maria Cláudia, Christiane Torloni, Alvamar Taddei, Sueli Aoki, Dorothée-Marie Bouvier e Norma Bengell. Vários desses nomes já eram bem familiares da cinematografia de Khouri.
E quem pensa que a primeira vez que o cineasta mostrou o pequeno Marcelo fazendo sexo com uma mulher adulta foi em AMOR, ESTRANHO AMOR (1982) não sabe que, um ano antes, em EROS, Kate Lyra, no papel da professora de inglês, já desempenhara esse papel. A cena só não ficou tão famosa quanto a do filme de 82 por razões que nem é preciso explicar. Em EROS, também é explorado o desejo de Marcelo por sua filha Berenice, já mostrado em O PRISIONEIRO DO SEXO (1979) e levado às últimas consequências em EU (1987).
O filme começa com um monólogo de identificação com a cidade de São Paulo, que já conquista o espectador que tem algum elo de amor pela cidade. Sobre São Paulo, Marcelo diz: "quase ninguém gosta dela, o país não gosta, os turistas não gostam, os próprios habitantes parecem não gostar, a angústia aqui parece ser maior, tudo aqui parece ser maior (…) dizem que é um lugar descaracterizado, não é o trópico, nem o frio, não é civilizado nem primitivo, não pertence a nada, não tem charme especial, não tem lógica, não é antiga, nem moderna (…) é indiferente, distante, imprecisa, quase sem tradição, egoísta, individualista, cruel e devoradora." E é a partir dessas características que o personagem se liga à cidade.
Outra característica de destaque do filme está no fato de o rosto de Marcelo nunca ser mostrado. Só ouvimos a voz de Roberto Maya. O uso da câmera subjetiva não é usado em todo o filme, já que em alguns poucos momentos vemos o seu vulto. Mas o fato de Marcelo não ter rosto e de isso ser mencionado pelo menos duas vezes durante o filme pelas mulheres não deixa de ser interessante, levando em consideração o fato de o personagem ter sido interpretado por tantos atores.
A presença de Ana (Denise Dumont) durante boa parte do filme, ainda que apenas em close, entrecortando as memórias de Marcelo e suas aventuras com várias mulheres do passado e do presente, simboliza uma falsa esperança de que o personagem possa finalmente mudar, encontrar o amor nos braços de uma única mulher e largar a busca desenfreada do prazer pelo sexo, que sempre resulta no vazio da alma. No entanto, ao mesmo tempo, o sexo pode ser visto também como ponto de partida para uma espécie de amadurecimento espiritual, como é questionado na citação de Norman Mailer que abre o filme: "Será que o sexo é onde começa a filosofia?". Sendo uma pergunta, a citação está presente mais para gerar reflexão.
Texto publicado originalmente na Revista Zingu!, edição #52, de dezembro/2011.
Nenhum comentário:
Postar um comentário