domingo, setembro 09, 2012

SANGUE SOBRE A NEVE (The Savage Innocents)



Depois de mais de um mês sem ver um filme de Nicholas Ray, muito por causa do Festival de Gramado, dou prosseguimento à peregrinação pelo cinema do diretor, agora já em sua fase tardia. SANGUE SOBRE A NEVE (1960) é um filme-irmão de SANGUE ARDENTE (1956) e, principalmente, de JORNADA TÉTRICA (1958). Isso porque todos esses filmes são tentativas do cineasta de nos apresentar a outras culturas, tendo um profundo respeito pelos diferentes costumes desses povos.

Se SANGUE ARDENTE é uma apresentação ao modo de vida dos ciganos habitantes dos Estados Unidos e JORNADA TÉTRICA é uma viagem aos pântanos selvagens do país, SANGUE SOBRE A NEVE vai além e nos leva às regiões geladas do Alasca, onde conhecemos alguns aspectos da cultura dos esquimós. Como o filme é uma coprodução EUA-Itália, o produtor italiano Maleno Malenotti exigiu que um ator conhecido encabeçasse a produção. No caso, o escolhido foi Anthony Quinn. Ray preferia fazer um filme só com atores desconhecidos, para dar um ar de mais verossimilhança à história, mas até que Quinn não faz feio, embora às vezes seja difícil comprá-lo como um esquimó.

Em SANGUE SOBRE A NEVE conhecemos a tradição dos esquimós de oferecerem a própria mulher emprestado a um amigo ou visitante; de matarem o primogênito se este nascer menina; de deixarem à morte um ancião, se ele for considerado um estorvo para a família; de sempre comerem carne crua e viverem muito bem em seus iglus. Vendo assim, até parece que é tudo muito cruel, mas comparando depois com a cultura do branco, vemos o quanto eles são de fato inocentes. A sequência do padre que quer introduzir a noção de pecado a eles é bem representativa disso.

Mas não deixa de causar dó ver a cena da morte do bebê-foca, que com seus olhinhos de cachorro, se deixou matar para servir de alimento para a família de Inuk (Quinn). No começo do filme, ele é um sujeito que vive sozinho até que ele tem a opção de escolher entre duas mulheres. Depois de muita confusão e de ele ter escolhido uma delas e do contato com o homem branco, o filme se asssemelha mais a outras obras de Ray, que sempre tem a tendência de torcer pelo herói incompreendido e procurado como criminoso pela sociedade.

Curiosamente SANGUE SOBRE A NEVE, apesar de ser mais redondinho e bem mais agradável e curioso do que JORNADA TÉTRICA, que é um trabalho todo picotado pelos produtores e de mais difícil digestão, é bem menos exaltado pela crítica. Muito por causa da interpretação de Quinn e dos diálogos em terceira pessoa que parecem forçar um pouco a inocência dos personagens. Mesmo assim, não deixa de ser curioso o modo como eles tratam sempre as suas mulheres como sendo "inúteis" ou algo do tipo. Aliás, elas mesmas se referem a si próprias assim.

SANGUE SOBRE A NEVE é, definitivamente, um filme ecológico e respeitador e que ainda conta com sequências próximas de um documentário, com direito a uma narração que se assemelha à de um programa da National Geograpahic.