sábado, março 31, 2012
O RESGATE DO BANDOLEIRO (The Tall T)
Difícil pelo menos não simpatizar com o bom mocismo de Randolph Scott na série de filmes que Budd Boetticher realizou com ele no período de 1956 a 1960. Já havia visto 7 HOMENS SEM DESTINO (1956) na caprichada edição em dvd da Paramount e ficado encantado com a simplicidade e a beleza do trabalho de Boetticher. Quis conhecer mais westerns do diretor, assim que surgisse uma oportunidade. E a oportunidade surgiu, através de um desses sites de compartilhamento. E o meu segundo Boetticher foi este O RESGATE DO BANDOLEIRO (1957), que se não chega a ser tão brilhante quanto o anterior, é também uma delícia de ver.
Diferente do filme anterior, que tinha uma atmosfera mais pesada, na qual o personagem de Scott carrega a culpa e a missão de matar os assassinos de sua esposa, em O RESGATE DO BANDOLEIRO, o ator aparece a maior parte do tempo sorrindo ou agindo de maneira muito tranquila em momentos em que qualquer um estaria muito nervoso. Aqui, ele é um homem simples que chega a um povoado para comprar um touro para sua pequena fazenda e o fazendeiro faz uma aposta com ele: se ele conseguir permanecer em cima do touro, ele leva o animal de graça; se não conseguir, perde o cavalo. Resultado: perdeu o cavalo.
Nisso, voltando para casa a pé, levando sua pesada cela, pede carona a um amigo que leva na carruagem um casal em lua de mel. No meio do caminho, passa na casa de um amigo e percebe que a casa foi invadida e que um grupo de bandidos tomou conta do lugar e assassinou pai e filho. Os bandidos levam o grupo como reféns, já que a noiva (Maureen O'Sullivan) é filha do homem mais rico da cidade. As coisas vão ficando cada vez mais tensas durante o período de espera pelo dinheiro do resgate, mas ficamos relativamente tranquilos ao ver o rosto de Scott. E esse equilíbrio é um dos pontos importantes para a apreciação do filme.
A narrativa é breve, com uma curta duração que não esconde o baixo orçamento, mas também não nos impede de perceber a segurança da direção de Boetticher no trato com o desenvolvimento da história e na construção dos personagens. Principalmente os de Scott, O'Sullivan e Frank Usher, que interpreta o líder do bando, um homem que diz com orgulho que nunca matou ninguém, mas porque sempre teve alguém para obedecer as suas ordens e fazer o trabalho sujo. São três personagens bem delineados e que contribuem para o engrandecimento do filme.
P.S.: Está no ar no blog do Diário do Nordeste a primeira matéria que escrevi sobre livros de cinema. Confiram AQUI.
sexta-feira, março 30, 2012
PODER SEM LIMITES (Chronicle)
Não sei se foi o sono ou o tédio que fez eu não gostar de PODER SEM LIMITES (2012). Alguns amigos cinéfilos adoraram o filme, a ponto de um deles dizer ser este o seu favorito do ano. Nem sei se o problema foi eu não ter comprado a ideia de um filme de "super-heróis" usando o estilo found footage, ou falso documentário, já tão em voga e que até já foi usado em uma comédia muito divertida, PROJETO X – UMA FESTA FORA DE CONTROLE. Que é um filme bem mais despretensioso, mas que tem resultados mais eficientes.
Já PODER SEM LIMITES é aquele tipo de filme que talvez ficasse banal se fosse feito num estilo mais tradicional. E talvez eu tenha visto a sua banalidade por trás do enredo, de um grupo de garotos que adquirem superpoderes e começam a usá-los, não para fazer o bem, mas para fins próprios, egoístas. Seria mais ou menos como adquirir o poder da invisibilidade para adentrar quartos e ver a intimidade das mulheres. Como diria Peninha, tudo era apenas uma brincadeira, e foi crescendo, crescendo... No começo, a brincadeira de usar os poderes telecinéticos para mudar o carro de outras pessoas do local do estacionamento, por exemplo, parecia divertido, mas depois o filme vai ficando chato quando o protagonista vai para o "lado negro da força".
Sempre costumo achar vilões histriônicos chatos. No caso do personagem de Dane DeHaan (que eu já tinha conhecido através da série IN TREATMENT), ele se aproxima disso, embora o termo "vilão" talvez não seja exatamente apropriado para ele. Ainda que as batalhas finais no céu remetam muito ao fantástico tão presente nos quadrinhos de super-heróis que eu aprendi a gostar desde criança, nem sempre essas transposições para o cinema me agradam. Aliás, raramente me agradam. Mas não deixa de ser interessante o uso da câmera "na mão" nesses momentos. Acredito que deve ser um filme que merece ser revisto por mim, em melhores condições físicas, a fim de que eu possa julgá-lo mais adequadamente. Enquanto isso não acontece, fiquemos com essas impressões iniciais.
quinta-feira, março 29, 2012
FUGA PARA ODESSA (Little Odessa)
Impressionante como, já em seu filme de estreia, James Gray mostrava vigor, um apuro estético impecável, visível desde os créditos iniciais, de extremo bom gosto, e um elenco espetacular, com direito a coadjuvantes de luxo como Vanessa Redgrave e Maximilian Schell, que interpretam os pais dos dois protagonistas, o adolescente Reuben (Edward Furlong) e o assassino de aluguel Joshua (Tim Roth). Acrescente ao elenco a bela Moira Kelly, que na época tinha tudo para decolar, mas cuja carreira foi se apagando. O mesmo acontecendo com Furlong.
Já me devia uma revisão de FUGA PARA ODESSA (1994) há muito tempo. Tinha visto o filme na época de seu lançamento em vhs e achei muito "parado" e sonolento. Depois de OS DONOS DA NOITE (2007) foi que eu realmente descobri o talento de Gray, e aí pude conferir o seu trabalho anterior, CAMINHO SEM VOLTA (2000) e depois nos cinemas vi a obra-prima AMANTES (2008). Logo, com esse pequeno mais extremamente nobre currículo, Gray se firma como um dos cineastas mais importantes da atualidade. O problema mesmo foi o distanciamento entre o lançamento de suas primeiras obras. Esperemos que ele não nos deixe mais tanto tempo sem um de seus filmes. O próximo, ainda sem título, está prometido para estrear este ano.
Na trama de FUGA PARA ODESSA, Joshua precisa voltar para o bairro onde sua família mora e onde ele é persona non grata por causa de suas atuais atividades, que são vistas por seu pai (Schell) como sendo uma vergonha para sua família. Porém, o irmão mais novo, Reuben, é desejoso de conhecer o irmão mais velho, com quem teve tão pouco contato na infância. E não tarda para que ele venha a procurá-lo. O filme já anuncia desde o começo uma iminente tragédia familiar e há também o fato de a mãe dos dois garotos (Redgrave) estar com câncer em estágio terminal. Como podemos ver nas obras seguintes de Gray, o tema da família está sempre presente, seja para valorizá-la, seja para mostrá-la como um elemento castrador.
Ver o filme em scope e em qualidade digital faz toda a diferença para uma melhor apreciação, já que as chances de ver este filme no cinema são muito remotas. Ainda que eu considere FUGA PARA ODESSA menos brilhante que os trabalhos seguintes de Gray, é uma estreia e tanto de um diretor. Certamente, uma das mais inspiradas estreias de diretores surgidos nas últimas décadas.
P.S.: No blog do Diário do Nordeste, a matéria "Por onde andará Mike Figgis?". Veja AQUI.
quarta-feira, março 28, 2012
A MISSA DO GALO
Curioso como Nelson Pereira dos Santos dá bastante ênfase à mulher em seus filmes. Elas são sempre fortes e decisivas, mas isso é mais visível quando se compara as obras literárias com as suas adaptações. Dá para notar de maneira um pouco mais sutil em VIDAS SECAS (1963), por exemplo, mas isso se torna muito mais explícito em AZYLLO MUITO LOUCO (1971), baseado em "O Alienista", de Machado de Assis, cujo final foi bastante modificado por Nelson, dando à mulher um papel decisivo no final do filme, coisa que passa longe de acontecer no conto/novela.
No caso do curta-metragem A MISSA DO GALO (1982), também uma adaptação de um conto de Machado de Assis, a personagem da mulher que acaba "seduzindo" o garoto, vivida no filme por Isabel Ribeiro, é muito mais forte. Está bem longe da quase "santa" que é pintada de maneira um tanto ambígua em Machado. Isso é dito pois, no conto, ela parece estar resignada com o fato de o marido a trair com frequência. No filme de NPS, a personagem é bem mais ousada e isso é mostrado de maneira mais explícita. Quase achei que ela e o garoto iriam ter uma aproximação física maior, inclusive.
As opções do diretor para adaptar o conto também foram bem interessantes. Como no cinema não existe tempo pretérito, o cineasta preferiu não usar nada que recorresse a um sentimento de nostalgia por parte do garoto. Tudo acontece "aqui e agora", enquanto ele espera o relógio bater a meia-noite para assistir a missa do galo na corte, já que ele veio do interior e lá, imagina-se, a missa não deve ter a mesma pompa que assistir no Rio de Janeiro, então capital do Brasil. Assim, o final teve que ser modificado também, mas sem que se perdesse uma informação importante dada pelo narrador.
Como A MISSA DO GALO foi feito para a televisão, algumas sequências terminam em belos fade outs e recomeçam com a câmera posicionada em diferentes locais. Esse tipo de corte passa uma impressão de deixa para intervalos comerciais, embora costume ser utilizado também em vários filmes para cinema, com resultados bem interessantes. As conversas do garoto com a mulher também tiveram que ser mais recheadas. E com muito cuidado, para que as palavras e os gestos dos dois dessem a entender um pouco o que eles pensavam. Ou pelo menos o que o garoto pensava, pois a mulher, como geralmente acontece, é mais cheia de mistérios. Nota-se que, apesar de pequeno e modesto em relação a obras para cinema de Nelson, A MISSA DO GALO foi feito com capricho pelo cineasta.
terça-feira, março 27, 2012
JOGOS VORAZES (The Hunger Games)
Uma bela surpresa este JOGOS VORAZES (2012). O trailer nacional da Paris Filmes vende o filme como algo bem vagabundo e também faz, na maior cara de pau, propaganda explícita dos livros na qual a produção é baseada. Mas isso faz parte da tradição da distribuidora. A surpresa de JOGOS VORAZES também chegou às bilheterias, com o filme atingindo números estratosféricos só no primeiro final de semana de exibição. Mas o mais importante é que se trata de uma produção de qualidade, com uma condução narrativa acertada de Gary Ross, o sumido diretor de SEABISCUIT – ALMA DE HERÓI (2003).
Em certo momento da sessão, ouvi alguém dizer: "estou entediado". Enquanto isso, eu curtia cada momento, desde os mais "lentos" e que lidam com detalhes relativos à organização do reality show mortal até as sequências mais movimentadas, em que a protagonista luta pela sua vida. Provavelmente esse tédio que o espectador sentiu se deva ao fato de terem escolhido uma duração para o filme de quase duas horas e meia, o que não deixa de ser uma atitude ousada para uma nova franquia, mas que não é novidade para os filmes direcionados a uma plateia mais jovem.
O filme guarda muitas semelhanças com BATALHA REAL, de Kinji Fukasaku. Basicamente a trama é a mesma e não sei o quanto a autora dos livros tem dito ter sido ou não influenciada pela obra japonesa, muito mais violenta, obviamente. O fato é que o enredo é basicamente o mesmo. O que muda é que na produção americana, há mais dinheiro na produção para bancar efeitos especiais e mais detalhes relativos ao uso de câmeras no perverso programa que seleciona jovens de 12 a 18 anos para lutar num combate até a morte, para que só sobre apenas um sobrevivente.
Apesar do nobre elenco de coadjuvantes, representado principalmente por Woody Harrelson, Stanley Tucci e Donald Sutherland, o filme não teria alcançado o mesmo sucesso se não fosse a beleza, o carisma e mesmo a boa atuação de Jennifer Lawrence, essa moça linda que despontou para o estrelato logo com uma indicação ao Oscar (por INVERNO DA ALMA) e que está chamando a atenção também em superproduções. JOGOS VORAZES é o seu filme de maior visibilidade para o mundo. E com certeza a legião de fãs da moça só tende a aumentar. Ela merece.
segunda-feira, março 26, 2012
AS CARIOCAS
Só o fato de ter cineastas como Walter Hugo Khouri e Roberto Santos reinventando as histórias de Sérgio Porto já faz de AS CARIOCAS (1966) uma obra no mínimo imperdível, ainda que, como praticamente todo filme em segmentos, se caracterize pela irregularidade. Principalmente por causa do fraco segmento inicial, dirigido por Fernando de Barros. Apesar disso, talvez tenha sido esse o segmento que mais se aproximou do texto cômico de Porto e que por isso mesmo ganha mais semelhança com a história apresentada na série AS CARIOCAS (2010), de Daniel Filho.
A produção sessentista não nomeia as histórias; apenas diz o nome dos diretores. Mas em ordem, cada um fez à sua maneira adaptações de "A Invejosa de Ipanema" (se esse for mesmo o título original do conto, pois foi o dado para o episódio da série, com Fernanda Torres), "A Noiva do Catete" e "A Desinibida de Grajaú", dirigidos respectivamente por Barros, Khouri e Santos. De todo modo, ambos fornecem uma bela descrição dos costumes e do modo de viver da sociedade brasileira e especificamente carioca daquela segunda metade da década de 1960. Os corpos mais cheinhos das moças da época, por exemplo, chamam a atenção hoje.
O segmento de Fernando de Barros é o mais simples. Norma Bengell é a mulher invejosa que quer ter o mesmo carro luxuoso que a esposa do seu amante tem. E esse carro tem tiragem limitada e é muito caro. Só quem tem é um playboy interpretado por John Herbert. A ideia dela é ganhar o carro pegando um pouco de dinheiro do marido e do amante. Quase inofensivo, o segmento cumpre a sua missão de entreter sem reinventar o texto de Porto.
Já Walter Hugo Khouri faz algo bem diferente e jazzístico, coerente com sua obra. A diferença para o segmento anterior é abissal. A começar pelo andamento bem mais lento para quem quer contar uma história em meia hora. Aliás, Khouri parece estar pouco se importando com a história. Seu curta, além de lembrar seus próprios trabalhos dos anos 1960, como AS AMOROSAS e NOITE VAZIA, lembra também o que Michelangelo Antonioni fazia na época. Jaqueline Myrna (foto) é a bela moça que tem um noivo e dois amantes. Mas longe de mostrar a mulher como uma pecadora ou algo do tipo, Khouri a mostra como uma mulher bela, generosa e um tanto melancólica e utiliza um registro dramático e sem clímax.
Fechando o longa, o segmento de Roberto Santos utiliza um recurso interessante: todo o filme se passa em um programa de televisão que, com "imagens de arquivo" e um apresentador sensacionalista, nos conta o que levou Marlene (Íris Bruzzi) a provocar escândalo ao tirar a roupa num bairro da zona norte, no caso a Penha (Santos modificou Grajaú pela Penha). Trata-se de um episódio bastante inventivo na forma como ele adaptou o conto, trazendo para a recém-criada Rede Globo a trama que lida com a diferença de costumes sociais dentro do próprio Rio de Janeiro. Dos três segmentos, é o que mais traz um conteúdo político e contestatório.
P.S.: Hoje foi minha estreia no blog de cinema do Diário do Nordeste, editado por um dos mais importantes críticos da cidade, Pedro Martins Freire. Escrevi sobre AS FLORES DE KIRKUK. Prestigiem AQUI.
domingo, março 25, 2012
THE RIVER – A PRIMEIRA TEMPORADA COMPLETA (The River – The Complete First Season)
E o estilo falso documentário de terror chega às séries americanas pelas mãos dos realizadores de ATIVIDADE PARANORMAL (2009), o diretor Oren Peli e o produtor Steven Spielberg. THE RIVER (2012), a série, contou ainda com a participação de Jaume-Collet Serra na direção dos dois primeiros episódios (os mais inspirados em A BRUXA DE BLAIR), o que foi motivo de entusiasmo inicial para os fãs de horror e do trabalho do cineasta catalão. Assim, com muita gente boa envolvida, a série prometeu mais do que cumpriu. Mas diria que, mesmo com suas falhas, THE RIVER, depois do terceiro episódio, passa a envolver, ainda que não o suficiente para impressionar ou torná-la memorável.
Em caráter experimental, a primeira temporada teve apenas oito episódios, mas que funcionaram até que bem para introduzir o universo da série. Embora a história seja continuada, cada episódio traz uma espécie de "monstro da semana". No entanto, com a transposição do estilo found footage para a televisão, a tendência foi a diminuição do número de sustos, que normalmente costumam funcionar melhor no cinema.
A trama segue o desaparecimento do Dr. Emmet Cole (Bruce Greenwood), um explorador dado como morto, e a busca pelo seu paradeiro na Amazônia. Ele fazia com a família um programa de televisão sobre descobertas do mundo distante da civilização. Leslie Hope (24 HORAS) interpreta a esposa obcecada pela busca pelo marido, mesmo tendo tido um caso com um inescrupuloso produtor de televisão, o mesmo que se aproveita da situação para trazer uma equipe de filmagens para documentar a missão de busca.
Junto com a equipe, estão também o filho de Cole, uma das assistentes de Cole (a bela Eloise Mumford), um sujeito alemão bem suspeito e o capitão do barco e sua filha, iniciada em ocultismo. É graças a ela, inclusive, que muitos momentos da série ganham interesse, principalmente o reservado ao episódio final da temporada. THE RIVER está longe de ser uma grande série e pode ser considerada picareta ao seguir essa tendência do falso documentário. Também não se destaca por textos elaborados ou grandes interpretações, mas pelo menos tem algo de divertido que acaba ganhando o espectador interessado em histórias fantásticas.
sábado, março 24, 2012
HISTÓRIA DE UMA PROSTITUTA (Shunpu Den)
O cinema é, possivelmente, a mais universal das artes. Por isso, podemos apreciar tanto produções brasileiras quanto filmes produzidos do outro lado do mundo, mesmo tendo que às vezes esbarrar em culturas bem estranhas à nossa. Ainda assim, tenho uma tendência a ver mais filmes ocidentais. E por isso tenho uma dívida imensa para com o cinema japonês, que tanto é louvado, principalmente pelos filmes do passado. Recentemente, tive a chance de conseguir cópias de vários filmes de Seijun Suzuki. O que me chamou a atenção, antes mesmo de ver os seus filmes, foram os stills, mostrando imagens tão lindamente delirantes que eu não resisti. Resolvi começar a ver Suzuki a partir da cópia do mais antigo dos filmes de que dispunha dele, antes de adentrar nas produções coloridas.
HISTÓRIA DE UMA PROSTITUTA (1965) é um melodrama que mostra a paixão de uma jovem prostituta por um soldado japonês durante a guerra sino-japonesa. Ela foi trabalhar num posto na Manchúria, depois do desgosto de ter sido dispensada pelo amante, fato que é mostrado de maneira muito rápida, logo no início do filme, com efeitos visuais bem interessantes, aproveitando a tela scope de maneira original. O filme é cheio de excessos, a mulher é loucamente desesperada pelo sujeito; ele é incrivelmente tímido, o que parece ser bastante comum de se ver nos filmes japoneses. Logo, é ela quem força a barra para que a relação dê certo até onde as circunstâncias e a tragédia iminente permitirem. Os códigos japoneses de guerra são extremamente cruéis e o filme, querendo uma não, faz uma crítica a isso.
Assim como os demais filmes de Suzuki desse período, HISTÓRIA DE UMA PROSTITUTA é uma produção B, realizada rapidamente para atender ao alto consumo das salas de cinema japonesas da época. E exatamente por ser uma produção barata e feita às pressas, não deixa de ser admirável o trabalho de invenção que o filme proporciona. Em comparação com muitas produções mais exploitation que viriam a aparecer no mercado japonês, este trabalho de Suzuki é bem comportado, até pela década em que foi realizado, mas o diretor ainda viria a fazer filmes marcados por mais sexo e violência em seus anos posteriores. Estou curioso para conhecer mais de seu trabalho e quem sabe desencantar de vez desse meu afastamento do cinema japonês.
sexta-feira, março 23, 2012
PINA 3D
Já fazia mais ou menos umas duas décadas que se esperava uma "volta por cima" de Wim Wenders. E ela chegou por meio de um documentário sobre dança em homenagem à coreógrafa alemã Pina Baush, falecida em 2009, quando o cineasta e ela estavam trabalhando na pré-produção do filme. Dois dias antes de começarem as filmagens, ela faleceu. A coreógrafa já tinha um forte elo de ligação com o cinema, tendo trabalhado com Federico Fellini em E LA NAVE VA e com Pedro Almodóvar em FALE COM ELA. E Wenders resolveu seguir em frente com seu trabalho, mas mudando o foco do documentário para uma homenagem, para "um filme para Pina", como aparece logo no início.
Praticamente todos os depoimentos presentes em PINA (2011) são de exaltação à bailarina e coreógrafa. São pessoas das mais diversas idades e nacionalidades. Há até uma brasileira no grupo e a canção "Leãozinho", de Caetano Veloso, é usada numa das sequências. Que não é das melhores. Os melhores momentos são mesmo aqueles que envolvem a relação dos corpos com os elementos da natureza. Principalmente quando enfatizam a água, elemento mais ligado às emoções.
Como uma das pessoas diz durante o filme, nem sempre é possível entender o que ela quer dizer com determinada coreografia. Segundo Baush, a dança expressa aquilo que as palavras não são capazes de expressar. Em alguns momentos, a mente quer entender, dar um sentido àquela sequência em especial; em outros, é deixar-se apenas levar pelo sentimento ou sensação que aquelas imagens e sons despertam. As cenas envolvendo o elemento terra, por exemplo, passam uma noção de mais peso ou até mesmo uma imagem de morte, como na sequência em que uma mulher joga pás de terra em cima de outra.
Quanto à utilização do 3D, diria que em alguns momentos ele funciona muito bem, mas na maioria não faria muita diferença se o filme fosse realizado em 2D. A utilização é discreta, privilegiando mais a profundidade de campo e as texturas. É um filme que agradará bem mais àqueles que têm mais intimidade com a dança e com o balé, mas que também pode agradar aos leigos no assunto. Porém, sem querer desmerecer o trabalho de Pina Baush, ao ver o trabalho com a leveza dos corpos e o uso de cadeiras nos cenários no documentário de Wenders, lembrei da obra-prima A RODA DA FORTUNA e do quanto Vincente Minnelli foi genial em seu tempo, fazendo algo muitas vezes parecido.
quinta-feira, março 22, 2012
UM CONTO CHINÊS (Un Cuento Chino)
Depois de mais de dois meses que vi UM CONTO CHINÊS (2011) no cinema, fica difícil comentar alguma coisa. Então, vamos apelar para o velho exercício da memória. Dizem que é bom, serve para evitar o Alzheimer. O filme de Sebastián Borensztein foi um estrondoso sucesso de bilheteria na Argentina e apesar de não considerá-lo uma obra excepcional, trata-se de um belo e bem cuidado trabalho. Lembrei do filme ao assistir recentemente O PORTO, de Aki Kaurismäki. Acredito que as duas obras dialogam, no sentido de que ambos mostram homens tentando ajudar pessoas de outras nacionalidades em circunstâncias difíceis. Mas acredito que ficam por aí seus pontos de contato, pois os registros são bem distintos.
UM CONTO CHINÊS apela mais para o humor suave, ainda que também tenha seus momentos de ternura. Não há nada de novo na história de um sujeito que é amargo e que começa a ver seu lado mais humano quando tem de cuidar de alguém. Isso é muito comum em filmes envolvendo crianças. Aqui no caso, não se trata de uma criança, mas de um rapaz chinês que vai parar em Buenos Aires sem falar nada de espanhol e que acaba por ser ajudado por um comerciante metódico e solitário, que recusa o amor de uma bela mulher, por pura falta de tato com as pessoas.
Como são poucos os filmes argentinos que chegam por aqui, parece até que é de propósito que as distribuidoras mandam para cá os estrelados por Ricardo Darín. Ele parece estar em todas as produções de lá. Mas nem dá para reclamar, pois o ator é ótimo e já conquistou grande visibilidade no mercado internacional. Junte-se isso ao fato de o filme ter feito muito sucesso comercial em seu país de origem. Aqui ele ficou mais ou menos restrito ao circuito alternativo, mas obteve boa receptividade do público.
O relacionamento do comerciante com o rapaz chinês e suas tentativas de encontrar o seu tio são bem divertidas e servem como meio para que simpatizemos com os personagens, de modo que nos emocionemos com a conclusão do filme. Também não deixa de ser incrível o fato de UM CONTO CHINÊS ser baseado numa história real. Houve mesmo uma vaca que caiu do céu num barco e que matou a noiva do chinês. Às vezes a realidade é mais incrível do que a ficção.
quarta-feira, março 21, 2012
O PACTO (Seeking Justice)
Muito se fala do quanto Nicolas Cage tem feito um filme ruim atrás do outro em esquema industrial. Em alguns momentos eu dizia que toda essa falácia era exagerada. Afinal, o cara esteve numa das ficções científicas mais legais dos últimos anos, PRESSÁGIO. FÚRIA SOBRE RODAS é melhor do que os dois filmes do Motoqueiro Fantasma juntos. E muita gente se esquecesse de sua brilhante performance em VÍCIO FRENÉTICO, de Werner Herzog. Isso só para citar exemplos mais recentes. Mas se sabe que esses casos são, além de controversos, exceções em sua filmografia.
Aí chega um filme como O PACTO (2011), com direção do Roger Donaldson, que havia mandado muito bem no anterior EFEITO DOMINÓ (2008); participação de January Jones no papel da esposa do personagem de Cage; Guy Pearce como um membro de uma organização secreta; e uma trama aparentemente bem interessante, que remete a PACTO SINISTRO, de Alfred Hitchcock. Pelo menos é assim que o filme é vendido no trailer. O que passou pela cabeça dos mais otimistas (como eu) foi: não tem como ser ruim.
Engano meu e de muita gente que se deixou levar por esse equívoco que nunca deveria ter saído do papel. Aliás, os sujeitos responsáveis pela história e pelo roteiro são tão culpados quanto o diretor, o ator e o produtor. O filme é uma clichezada atrás da outra, com momentos, além de manjados, muito mal dirigidos, como na cena em que Cage vai falar com o sujeito que ele deve matar - o cara simplesmente se joga de cima da ponte. A intenção não era essa, mas para o cinema que é produzido em Hollywood e que pode se dar ao luxo de reclamar a superioridade em se tratando de cenas de ação, aquilo é uma vergonha. Mas isso é só uma dentre várias sequências vergonhosas do filme, que de tão cheio de falhas pode até ser exibido como modelo do que não se deve fazer numa produção para cinema ou televisão.
Na trama, a esposa de Will Gerard (Cage), vivida por January Jones, é estuprada e espancada. Um sujeito (Pearce) aparece no hospital dizendo para Will que pode dar um jeito no cara que fez isso com sua mulher, ou seja, matá-lo. Depois de hesitar, o protagonista aceita o "favor", mesmo sem saber direito com o que teria que pagar. Seis meses depois, ele é chamado pela organização para matar um homem. E aí começa o seu inferno. Mas principalmente o inferno do espectador. Sorte que eu assisti O PACTO com um grupo de amigos lá em Campinas e tivemos tempo para ficar zoando o filme e e sua frase recorrente: "coelho faminto salta".
segunda-feira, março 19, 2012
THE WALKING DEAD – 2ª TEMPORADA COMPLETA (The Walking Dead – The Complete Second Season)
"Christ promised the resurrection of the dead. I just thought He had something a little different in mind."
(Hershel Greene)
A mudança de ritmo na segunda temporada de THE WALKING DEAD (2011-2012) fez muita gente desgostar ou criticar a série. Mas considerei bem necessária essa parada para respirar e investigar melhor a personalidade de cada personagem e fazer com que nos importemos com eles. A primeira temporada havia sido apenas um aperitivo para o que viria. E apesar da saída de Frank Darabond da equipe criativa, a série só melhorou, com direito a momentos de intensa dramaticidade, como no episódio em que Carl, o garotinho, é ferido gravemente. O terceiro episódio ficou marcado como sendo um dos mais comoventes e catárticos, mostrando que os dramas daquelas pessoas são mais importantes do que as sequências de tiros na cabeça de zumbis.
Com o foco nos personagens, alguns deles cresceram bastante. Como Andrea, a suicida da primeira temporada; ou Dale, uma espécie de voz da consciência do grupo; ou Glenn, que ganha mais força ao encontrar Maggie, sua cara-metade, na fazenda de Hershel, lugar onde se passa a maior parte dos episódios desta temporada. Maggie, aliás, é uma das personagens mais adoráveis dessa série e que eu torcia o tempo todo para que ela sobrevivesse para estar presente também na terceira temporada. O trio principal, formado por Rick, Lori e Shane, também evoluiu bastante ao longo dos episódios. E para melhor.
Mas claro que há espaço também para momentos de horror, tensão e perseguição, afinal se trata de uma série de zumbis. Os momentos de relativa calma na fazenda são equilibrados com as aventuras fora da fazenda, seja para pegar medicamentos ou mantimentos e dar de cara com mortos-vivos, seja para ter aquela conversa e mostrar quem manda ali. Além dos zumbis, há também os vivos hostis, como se pode ver no episódio "Nebraska". Há baixas dolorosas entre os membros do grupo principal nos episódios finais. E quando achei que não podiam fazer uma season finale tão memorável quanto os dois episódios anteriores, somos presenteados com alguns dos melhores e mais intensos momentos, com direito a um gancho pra lá de interessante. De dar dó quando acaba. Agora é esperar pela volta da série, em outubro.
domingo, março 18, 2012
PROJETO X – UMA FESTA FORA DE CONTROLE (Project X)
Para uma produção classificada como sendo proibida para menores de 18 anos, até que PROJETO X – UMA FESTA FORA DE CONTROLE (2012) oferece poucas ousadias. Na década de 1980, PORKY'S e outros filmes do gênero foram mais ousados no quesito sexual e esses filmes foram vistos na televisão por toda uma geração de adolescentes. No caso de PROJETO X, dá para entender que isso se deve ao uso de muitos palavrões e ao consumo de drogas por menores de idade. Além do mais, vivemos um momento diferente, mais politicamente correto. Ainda assim, não dá para negar a diversão e as risadas que o filme de estreia de Nima Nourizadeh proporciona.
Um elemento bem característico desses tempos atuais e que é empregado no filme é o chamado estilo "found footage", usado à exaustão nos dias de hoje. Na época de CANNIBAL HOLOCAUST e de A BRUXA DE BLAIR, esse elemento era uma novidade. Os reality shows ainda não existiam ou pelo menos não eram tão populares. E se o estilo ganhou fama primeiro no gênero horror e depois nos pornôs, agora ele chega também em filmes sobre superpoderes (PODER SEM LIMITES) e agora nesta divertida comédia sobre três amigos que querem planejar uma festa de aniversário para um deles, aproveitando que os pais do rapaz vão passar o final de semana fora, deixando a casa livre para uma pequena festinha.
E apesar de o rapaz não ser exatamente popular, seus amigos fazem com que a festa se torne atraente o suficiente para chamar a atenção de muita gente. E, consequentemente, deixar os vizinhos loucos, a ponto de chamar a polícia. O termo "festa de arromba", embora seja de uma geração bem anterior, nunca foi tão apropriado. Em vez de pensar que o filme valoriza a banalidade, por que não se divertir imaginando-se na idade daqueles rapazes que ainda não atingiram a maioridade, mas que estão loucos por sexo e sedentos por aventuras?
Há quem diga que o filme é idiota, mas há toda uma tradição de filmes de garotos que só pensam em sexo produzidos nos Estados Unidos. Portanto, não chega a ser uma inverdade dizer que isso não esteja no cerne da sociedade americana. PROJETO X não chega a ser totalmente fiel ao estilo falso documentário, já que lá pelo final uma canção do Metallica ("Battery") ajuda a impor um clima de delicioso caos à trama. Mas quem liga pra esse detalhe quando se tem uma hora e meia de pura diversão?
sábado, março 17, 2012
O PORTO (Le Havre)
A França tem servido de abrigo para vários cineastas talentosos de outras nacionalidades, emprestando não apenas o país, mas também a língua. E por mais que o cinema americano tenha se tornado mais próximo de nós, há uma aproximação também com a França, uma espécie de familiaridade que já dura mais de um século. Assim, da mesma maneira que Abbas Kiarostami (com CÓPIA FIEL) e Hou Hsiao-Hsien (com A VIAGEM DO BALÃO VERMELHO) encontraram na França um lar para seus belos filmes, o finlandês Aki Kaurismäki utilizou as locações da cidade portuária de Le Havre para nos trazer uma comovente história em tom de fábula de um homem humilde que ajuda um garoto africano, foragido de um caminhão carregado de imigrantes ilegais.
Em O PORTO (2011), André Wilms é Marcel Marx, um engraxate que sua para conseguir um dinheirinho para entregar a sua amável esposa, que recentemente descobre que tem câncer. Marx, apesar de dever dinheiro nas quitandas e bares da vizinhança, é uma pessoa muito querida. E se torna mais ainda quando abriga o jovem foragido Idrissa. Com a polícia em seu encalço e com pessoas o denunciando, como é o caso do velho interpretado por Jean-Pierre Léaud, sua vida se torna uma aventura, mas ao mesmo tempo é uma maneira de suprir um pouco a falta da esposa, em tratamento contra a doença no hospital.
O filme, apesar de não apelar nunca para o melodrama, o que não parece ser nada do feitio do diretor de O HOMEM SEM PASSADO (2002), traz momentos especialmente ternos, principalmente os da tentativa de Marx de embarcar o garoto para a Inglaterra. Muito da beleza do filme está na simplicidade da narrativa, da maneira pouco convencional que Kaurismäki a conta, e no modo como os personagens se comportam diante da vida, ao mesmo tempo lutando pelo que acreditam, mas também aceitando o que pode vir a ocorrer, com uma certa maturidade de espírito. É como se Kaurismäki tivesse esboçado muito de sua experiência em cada um daqueles personagens para construir a sua fábula sobre a beleza da vida e sobre o amor ao próximo e ainda tratar de um tema tão espinhoso como a imigração.
sexta-feira, março 16, 2012
VIAGEM A SAMPA 2012
Os relatos de viagem são legais de se ler no calor da chegada, mas para mim eles servem também como uma bela de uma cápsula do tempo, em que eu posso ter acesso depois de alguns anos e reviver com saudade alguns momentos. Por isso, por menor que tenha sido o tempo que eu passei dessa vez em São Paulo, por culpa do Morrissey, pois ando bem atarefado, não perdi a chance de ver alguns amigos queridos. O que estava certo, pelo menos, para o sábado, era conhecer a Cris Miura em Campinas e visitar o Marcelo V. , já que da última vez não tive o prazer de bater aquele papo agradável com ele e Ana Paul. Os demais encontros ficariam em aberto, mas marcar encontros na segunda-feira é mais complicado.
No sábado pela manhã, lá estava eu desembarcando no aeroporto de Guarulhos e o Michel me fazendo a gentileza de me receber. Depois de um café-da-manhã bem legal, como o Michel tinha que viajar por um tempo relativamente longo, ele quis aproveitar para cortar o cabelo em seu antigo bairro. Tive a chance de conhecer um autêntico paulista daquela região, que tem um sotaque e um jeito bem característico de falar, muito herdeiro dos italianos. É palavrão pra todo lado, conversas sobre mulheres e o não uso de plurais nas frases. Bem interessante. Ele mais falava do que cortava o cabelo, mas achei muito bacana o jeito dele.
De lá, fomos pegar Alê Marucci e Tiago Superoito para irmos para Campinas. Paramos num café, conversamos muito, quase sempre sobre cinema, e posamos para uma fotografia. Que acabou sendo uma das mais legais da viagem. A ida para Campinas foi mais longa do que eu imaginava e o corpo cansado sem praticamente dormir não resistiu: dormi boa parte do caminho. Chegando lá, trovões bastante ameaçadores nos deram as boas vindas. Estavam lá no restaurante do gigantesco shopping center a Cris, seu irmão Henrique e a esposa. Gente muito bacana.
O Henrique eu havia conhecido antes pela internet, na aurora dos blogues, mas como ele desapareceu de vista, o meu contato com a Cris durante os últimos anos foi bem maior. Muito bom conhecê-la pessoalmente, tão simpática e tão intensa. Difícil não se encantar com ela. O papo na mesa, como tinha mais gente, foi mais disperso, mas envolveu muito cinema também. Não sei por quê. Depois do generoso almoço e da despedida do Henrique e de sua esposa, a turma resolveu encarar o filme do herói Nicolas Cage. O cara tem mesmo que ser um herói para ter feito tantos filmes ruins em tão curto período. E acho que ele se superou com O PACTO. Mas foi muito bom ter visto com a turma, pois pudemos tirar sarro do filme e de seu jeito vagabundo de ser.
Depois de um café e de uns papos bem intensos, pegamos a estrada de volta ao estilo VELOZES & FURIOSOS. Outro bom papo nos aguardava, dessa vez na casa do Marcelo V. e com a presença da Ana Paul. Legal a diferença e o tom da conversa, como mudou, de acordo com o ritmo mais pausado e mais sereno dos dois. Muito bom também sentir a sinceridade da amizade que se criou entre nós durante esse tempo, mesmo estando tão distantes. Se eu não estivesse num dia de Jack Bauer, quase sem dormir, teria ficado mais tempo conversando.
O domingo era dedicado a Morrissey. Enquanto isso, uma grande tempestade se aproximava. Deu tempo de dar uma passada na Cinemateca para conferir a mostra de fotos e de artes em homenagem a Marilyn Monroe. Mas foi jogo rápido. Depois de pegarmos Tiago e Alê, houve um pequeno contratempo na espera pelo Murilo, que se atrasou por motivos de ordem familiar. Mas deu tudo certo e, quando eu achei que não íamos encontrar os amigos, lá estava todo mundo junto, inclusive Chico, Mitchel e Diego.
A segunda-feira foi mais tranquila. Da turma com quem eu tinha combinado de me encontrar, só deu certo mesmo um encontro com o Bruno Amato. Gente finíssima, que já havia conhecido numa edição do Planeta Terra. Marcamos de ver um filme, mas devido à falta de boas opções, vimos W.E. – O ROMANCE DO SÉCULO. Bruno ficava rindo o tempo todo do filme, como se se tratasse de uma comédia involuntária. Eu até que não achei tão ruim. A pipoca pelo menos não me deixou dormir. Antes eu havia visto sozinho o belo e confuso ucraniano MINHA FELICIDADE, no simpático CineSesc.
Terça-feira, último dia lá, quase encontrei o Vébis, mas o possível almoço acabou não rolando. Mas o saldo ainda foi positivo, pois depois de dormir feito uma pedra, acordei para ver um filme ótimo no Reserva Cultural: O PORTO, de Aki Kaurismäki. Depois disso foi pegar metrô e taxi para chegar à casa do Michel e ele me levar de volta para o aeroporto. As horas passaram rápidas com as leituras, mas a minha quarta-feira na terrinha foi bem movimentada e até agora ainda não recuperei o sono e nem dei conta de tantas obrigações que ficaram atrasadas. Porém, quero deixar registrado mais uma vez o prazer que foi desfrutar esse tempo com essa turma tão atarefada, mas ainda assim tão disposta a ser hospitaleira e amável.
Quem quiser conferir algumas fotos que selecionei da viagem, é só clicar AQUI.
quinta-feira, março 15, 2012
MORRISSEY NO ESPAÇO DAS AMÉRICAS – SÃO PAULO, 11 DE MARÇO DE 2012
Não estava nos meus planos voltar a São Paulo neste ano de 2012, mas os rumores de que Morrissey estaria no Brasil me deixaram bem animado a mais uma vez voltar a essa cidade que já me ofereceu tantos momentos felizes. Não podia deixar passar novamente a oportunidade de ver Morrissey, que ainda por cima cantaria canções clássicas dos Smiths. E 2012 marcou exatos vinte anos de quando conheci seu trabalho e da banda que fez seu nome famoso. Fui apresentado ao poeta ultrarromântico através de um amigo do curso de inglês. Foi uma grata revelação para mim, que conheci os Smiths quando a banda já havia acabado e Morrissey já havia lançado dois álbuns e uma coletânea de singles e lados B.
Seus versos falavam de solidão, sofrimento, timidez, amores não correspondidos, ou de um amor que perdeu o sabor de outrora, temas bastante caros a tantos que passavam por algo semelhante. Morrissey se transformou numa espécie de porta-voz dos infelizes, um motivo para que até nos orgulhássemos de fazer parte desse grupo de vozes necessitadas de carinho. Trata-se de uma temática universal, mas ao mesmo tempo era algo novo, já que os versos de Morrissey faziam a diferença, dando sofisticação ao que poderia ser algo piegas.
O show no Espaço das Américas, infelizmente, não foi melhor por causa principalmente da casa escolhida para o show e pelo local em que estávamos. Muito provavelmente se estivéssemos no frontstage a coisa seria diferente. Até porque nem mesmo um telão para vermos o cantor havia. Era dureza conseguir vê-lo mesmo de longe, no meio da multidão aglomerada naquele lugar que era grande, mas totalmente impróprio para shows.
O fato é que o show sofreu de algumas pequenas falhas, como a quebra de ritmo em "Meat is murder", dos Smiths. Enquanto Morrissey cantava, víamos imagens ao fundo de animais sendo abatidos ou recebendo tratamentos desumanos. Coisa que na verdade é uma rotina, mas que é muito duro de ver. Claro que a intenção dele era essa mesmo, em sua luta pelo vegetarianismo, não como escolha egoísta de sermos mais saudáveis, mas para não maltratarmos e matarmos animais inocentes.
Mas o setlist foi bem satisfatório, ainda que curto. Depois das mais alegrinhas (pelo menos no ritmo) "First of the gang to die", "You have killed me", "When last I spoke to Carol", "Alma Matters", veio "Still ill", a primeira dos Smiths da noite, que foi recebida calorosamente pelo público e pelo próprio Morrissey, que se sentiu contagiado. Pra mim foi o ponto mais alto da noite. Logo em seguida iniciou-se uma série de canções depressivas, a começar pela belíssima e popular "Everyday is like Sunday", de deixar o coração apertado, seguida de "Speedway", "I know it's over", "Let me kiss you" (a minha favorita da fase solo e que inclusive foi cantada de maneira bem dramática e com direito a Mozz tirando a camisa no momento mais de autopiedade da canção), "There is a light that never goes out", "Please, please, please, let me get what I want", "How soon is now?". Isso só para citar as mais conhecidas.
Devo confessar que não fiquei satisfeito com o arranjo modificado de "Please, please..", uma canção irretocável, nem gosto de boa parte das canções dos últimos dois discos, mas talvez seja falta de hábito de ouvi-los. No geral, apesar de alguns grandes momentos, o show valeu mais pela felicidade de poder ver Morrissey ao vivo, mas a organização das canções não foi das mais felizes, nem a organização desse lugar em particular em São Paulo. Ao que parece, no Rio e em Belo Horizonte o resultado foi bem melhor. Eu na verdade até esperava que iria chorar durante o show, mas isso felizmente (ou infelizmente) não aconteceu. Isso aconteceu no show do Paul McCartney, em 2010, mas melhor parar com as comparações por aqui, pois não seria justo para Morrissey.
O setlist do show, que foi exatamente o mesmo de Rio e BH, pode ser conferido AQUI.
E quem quiser conferir algumas fotos relativas ao show, com imagens dos amigos presentes, é só clicar AQUI. Depois retorno com um post mais específico sobre a viagem a Sampa.
terça-feira, março 13, 2012
MIENTRAS DUERMES
Apesar de ter se tornado mais conhecido graças à franquia [REC], a qual ele co-dirigiu os dois primeiros títulos (2007, 2009), Jaume Balagueró se tornou um cineasta de importância para mim desde A SÉTIMA VÍTIMA (2002), que na época de sua exibição teve bem mais detratores do que simpatizantes. Eu fui um dos poucos amantes do filme e passei então a seguir a carreira do diretor catalão, inclusive indo atrás de seus primeiros curtas e de um trabalho feito para a televisão espanhola.
MIENTRAS DUERMES (2011) é sua volta ao trabalho "solo", depois de deixar a direção do terceiro [REC] apenas nas mãos de Paco Plaza. E o diretor não decepcionou, com um filme cheio de tensão e saindo do registro sobrenatural para focar no horror mais próximo de nós, aquele que pode estar ao nosso lado sem que percebamos. Imagine todas as noites dormir na sua cama e ter um homem lá embaixo, esperando que você caia no sono para que ele possa entrar em ação!
Um dos grandes méritos de MIENTRAS DUERMES, além de ser eletrizante e cheio de momentos de pura tensão, é que há algo de hitchcockiano, pois vemos quase todo o filme de seu ponto de vista. Ele é César, vivido por Luis Tosar, zelador e porteiro de um prédio que tem obsessão por uma bela moça que lá mora, Clara (Marta Etura). Como ele tem as chaves de todos os apartamentos, pode aprontar o que quiser. E ainda passa cartas anônimas que assustam a moça. O desenvolvimento do filme é cheio de surpresas, o final é ótimo e Balagueró parece estar no auge do domínio da técnica de direção. Sem dúvida, um dos trabalhos mais especiais do diretor e que serve como ótimo cartão de visitas para quem quiser ser introduzido em sua obra.
segunda-feira, março 12, 2012
SENTIDOS DO AMOR (Perfect Sense)
Como ainda não estou em casa para postar as fotos e organizar um post com mais calma sobre o show do Morrissey, talvez os fiéis leitores tenham que esperar até quarta ou quinta-feira para ver as minhas impressões sobre o tão aguardado evento. Enquanto isso, para não perder o costume e aproveitar esta segunda-feira, falemos rapidamente sobre um filme que me agradou bastante e que tem sido relativamente pouco visto, pois foi lançado direto em dvd. SENTIDOS DO AMOR (2011), de David Mackenzie, é uma grata surpresa. É uma espécie de CONTÁGIO com elementos que também lembram ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA, mostrado de um ponto de vista mais poético e romântico do que apocalíptico, embora ambos os aspectos sejam vistos.
Antes de falar do filme propriamente dito, um detalhe que eu achei interessante foi a ótima qualidade do arquivo em mp4 ripado de bluray, em 720p, com apenas 600 Mb de tamanho. Ao que parece, o futuro é o formato substituir o avi. Releases de algumas séries, inclusive, já estão estão sendo lançados no formato. Pena que nem todas as TVs widescreen o lêem. E algumas até lêem, mas não reconhecem as legendas. Felizmente a minha LG lê e pude aproveitar a belíssima fotografia do filme, que sofre modificações sutis à medida que o filme vai passando por suas crescentes fases.
Na trama, uma estranha epidemia chega à humanidade. De início, as pessoas sofrem de intensa melancolia, seguida da perda total do olfato. Porém, aos poucos, depois do choque, a humanidade passa a se acostumar a viver sem o olfato, mas as coisas começam a piorar quando outro sentido é perdido: o paladar. Antes dele, a pessoa sente uma crise de pânico terrível. A progressão de perdas, já é possível imaginar. Mas o belo do filme é que há também uma simples e bonita história de amor entre uma epidemologista (Eva Green) e um chef de um restaurante sofisticado (Ewan McGregor). O belo romance entre os dois durante esses momentos em que a humanidade vai perdendo os sentidos é o que o diferencia dos demais filmes sobre desgraças apocalípticas. É quando vemos o quanto as carícias, os beijos, o toque, o contato humano entre os corpos fazem a diferença, ainda que num mundo de grandes perdas.
sexta-feira, março 09, 2012
A MULHER QUE INVENTOU O AMOR
O título do filme já é poético: A MULHER QUE INVENTOU O AMOR (1979), realização da fase áurea de Jean Garrett e meu segundo contato com seu trabalho. Por enquanto, acho difícil ver outro dirigido por ele que supere este, que ainda conta com a direção de fotografia de Carlos Reichenbach (também aparecendo num pequeno papel, como professor de inglês), roteiro de João Silvério Trevisan e Aldine Müller no papel principal, uma mulher que muda de face e de comportamento ao longo do filme.
Tanto que para vermos a atriz em seu momento glorioso, precisamos primeiro vê-la despida de produção, como uma simples e iniciante prostituta. E a princípio, o filme parece tratar tão somente do universo da prostituição, um pouco como PALÁCIO DOS ANJOS, de Walter Hugo Khouri. Mas depois vemos que se trata de algo além. Doralice (Müller) passa de prostituta decadente a dama da sociedade, depois que aceita a oferta de viver com um velhinho rico, que mais aprecia a sua beleza e a ama do que necessariamente sente desejo carnal por ela.
Interessante ver o filme nos dias de hoje e notar uma mudança de posturas, de como o Brasil da década de 1970 era machista ao extremo. A ponto de numa cena, por exemplo, em que Doralice toca a bunda de um cliente, enquanto o acaricia, ele logo reclama, dizendo que ali não é lugar para fazer festa. Em outro momento, Doralice, já dominando os homens com a experiência que obteve e com seu jeito estranho e sensual, pede para que o homem que ela ama emita gemidos. E ele acha aquilo muito estranho. Outra sequência: ela fica insatisfeita com um homem que não a faz gozar e chega a humilhá-lo com palavras. E assim ela vai invertendo as ordens, saindo da submissão para a dominação.
Essas e outras coisas mostram o quanto o filme foi ousado em mexer com esses pequenos tabus da sociedade em sua vida privada. Mas o mais importante de A MULHER QUE INVENTOU O AMOR nem está nesse aspecto comportamental, mas na inventividade e na condução da história, bem como no modo como a personagem vai se tornando cada vez mais sombria à medida que sua obsessão por um ator de televisão vai crescendo. E também à medida que seu desejo sexual por algo sempre mais e mais diferente vai sugando-a. As cenas de sexo são brilhantemente editadas por Eder Mazzini, técnico que trabalhou com mestres como Carlos Reichenbach, Walter Hugo Khouri e a dupla Garcia e Martins. É obra para ser redescoberta e divulgada.
Agradecimentos especiais ao amigo Sérgio Alpendre, que fez a generosidade de me enviar esta valiosa cópia. Valeu demais!
quinta-feira, março 08, 2012
JOHNNY GUITAR
Não que eu duvidasse que minha peregrinação pelo cinema de Nicholas Ray não trouxesse grandes e admiráveis filmes, mas de vez em quando a gente é surpreendido. E mais ainda quando se trata de uma revisão, já que eu cheguei a alugar o vhs de JOHNNY GUITAR (1954) muito tempo atrás e nem tinha gostado tanto quanto desta vez. Lembro que as fitinhas da Republic eram bem fáceis de juntar poeira nas prateleiras das videolocadoras. Talvez porque as capas não fossem muito atraentes para a grande clientela, e pouca gente as manipulava, creio eu. Mas agora tive a oportunidade de rever o filme com um conhecimento melhor do trabalho de Ray, o que ajudou bastante na apreciação.
São tantas coisas que chamam a atenção pela beleza e pelo lirismo neste western incomum que é até difícil enumerá-las. Desde o começo, com o personagem título vivido por Sterling Hayden atravessando uma região sendo bombardeada por dinamite para receber uma ferrovia; passando pelo momento em que ele adentra o cassino-bar de Vienna (Joan Crawford), em meio a uma tempestade de areia; o colorido vivo e mais simbolista do que realista do filme, especialmente na direção de arte dos interiores; e os sempre belos e poéticos diálogos entre Johnny e Vienna, e tudo o mais que JOHNNY GUITAR proporciona, inclusive as tradicionais perseguições, disputas e tiroteios que fazem parte intrínseca do gênero. Tudo o que o filme nos oferece é de uma beleza extraordinária.
JOHNNY GUITAR foi o segundo longa-metragem colorido de Ray, mas é quase como se fosse o primeiro, pois em HORIZONTE DE GLÓRIAS (1951) ele não fez um trabalho simbólico do uso das cores, até porque era um filme de encomenda e que ele fez sem muito entusiasmo. JOHNNY GUITAR é o seu grito de liberdade, depois de anos trabalhando para a RKO e para Howard Hughes. A Republic, na época, entre as companhias menores, era uma das mais prestigiadas. Ray teve mais liberdade para fazer o seu trabalho e o filme ainda teve bastante sucesso nas bilheterias.
E mais: JOHNNY GUITAR tem todo um contexto sócio-político nas entrelinhas, já que ele trata da época da caça às bruxas e de um sentimento de paranoia que rondava Hollywood na época do macarthismo. E entre as marcas do cineasta, até os personagens coadjuvantes, como a gangue do Kid Dançarino, são bem arquetípicos do cinema de Ray: são pessoas marginalizadas, porém inocentes, mas que acabam por fazer algo que não devem por serem consideradas culpadas. Há também um discurso feminista bastante ousado para a época, com Joan Crawford e Mercedes McCambridge sendo as verdadeiras heroína e vilã do filme. Crawford com suas roupas masculinas e McCambridge simbolizando a pura maldade travestida de tradicionalismo.
É como Geoff Andrew , o autor do livro "The Films of Nicholas Ray", disse: seria preciso um livro inteiro para dar conta do tanto de elementos ricos que o filme possui. Logo, também não vou mais me alongar. Só quero finalizar dizendo o que já deve ter parecido óbvio nos parágrafos anteriores: que JOHNNY GUITAR é uma obra-prima.
quarta-feira, março 07, 2012
EM ROTA DE COLISÃO (Stuck)
Uma pena que um cineasta tão talentoso como Stuart Gordon tenha demorado tanto a fazer novos filmes. Trata-se de um dos melhores diretores de horror dos anos 1980 e um dos que melhor resistiram à passagem do tempo. Assim como vários de seus colegas de época, ele tem feito bem poucos trabalhos nos últimos anos. EM ROTA DE COLISÃO (2007), que saiu direto em vídeo no Brasil, foi realizado entre suas contribuições para duas séries-antologias de horror para a tv, MASTERS OF HORROR, que durou duas temporadas, e FEAR ITSELF, que durou apenas uma.
Os trabalhos que ele fez para essas duas séries são bem melhores do que os que a maioria dirigiu. São eles: SONHOS NA CASA DA BRUXA (2005), THE BLACK CAT (2007) e EATER (2008). Os três pequenos filmes lidam com o sobrenatural, algo com que ele mexe com muita propriedade desde o início de sua carreira. Porém, seus últimos filmes para cinema, TRATAMENTO DE CHOQUE (2003), SUBMUNDO (2005) e este EM ROTA DE COLISÃO são mais thrillers psicológicos. Não deixa de ser interessante essa nova escolha, que parecia apontar novos caminhos para seu cinema. E vale dizer que os três filmes são ótimos.
EM ROTA DE COLISÃO mostra duas vidas que se cruzam através de um atropelamento. Há a enfermeira vivida por Mena Suvari que está prestes a receber uma promoção no emprego e um sujeito que se encontra no fundo do poço, sem conseguir emprego e se transformando num pária, vivido por Stephen Rea. Ele, não podendo dormir no banco da praça, sai pela rua com um carrinho de supermercado e é atingido pelo carro dela, que dirigia distraída e sob efeito de drogas. No impacto, o corpo do homem atravessa, até a metade, o para-brisa do veículo. Ela fica completamente apavorada, sem saber o que fazer com aquele homem ferido, mas ainda vivo, em seu carro. E com medo de ir presa e prejudicar o seu emprego, comete a pior das opções: esconde o pobre sujeito ainda entalado na garagem de sua casa.
O filme causa certo mal estar, pois a personagem de Suvari incomoda ao fazer uma bobagem atrás da outra, inclusive ao tentar "por a sujeira por debaixo do tapete", enquanto o coitado que já estava na pior, só quer sair dali com vida. A direção de Gordon mantém a tensão constante até o fim e é difícil desgrudar os olhos da tela. Dizem que o filme é baseado em uma história real.
Acabei vendo EM ROTA DE COLISÃO por uma indicação indireta de Heráclito Maia, que o colocou entre os seus dez favoritos no período de 2007 a 2011, em seu novo blog.
terça-feira, março 06, 2012
BILLI PIG
Uma pena que o quarto longa-metragem de José Eduardo Belmonte, BILLI PIG (2012), tenha vindo para denegrir a sua carreira, que até então estava indo muito bem. Vai ver o diretor é muito sofisticado para dirigir comédias populares e descerebradas como essa, que talvez caísse melhor nas mãos de um diretor qualquer de novelas da Rede Globo. Por pior que isso possa parecer. Salva-se uma cena musical bem bonita com Grazi Massafera, dentro de um bar, depois de ela ter sido reprovada num teste para atriz. O personagem de Selton Mello, Wanderley, até poderia ser bem aproveitado. O sujeito tem um mulherão em casa, mas sempre bota obstáculo na hora de transar. Completando o trio principal está Milton Gonçalves, como o padre picareta, que ganha dinheiro dos pobres que acreditam que ele é milagreiro.
Não devemos esquecer o personagem-título, um porquinho cor-de-rosa de plástico que está sempre ao lado de Marivalda, a personagem de Grazi, dando-lhe conselhos, em especial para que ela deixe de vez o marido sem futuro e pobre, que não tem condições de lhe oferecer o luxo que ela tanto almeja. Wanderley é dono de uma seguradora muito pobre. Suas assessoras são duas mulheres que não têm muita função na história a não ser parecerem engraçadas. Mas acontece que elas passam longe disso. Talvez até para o padrão "Zorra Total" de comédia.
E assim vai se desmanchando em nada um filme que até poderia ter rendido alguma coisa. O que dá para sentir é muita vergonha de personagens coadjuvantes ridículos como os de Milhem Cortaz, Preta Gil e Tadeu Mello. Quanto à Grazi, ela não está má, não. Ela talvez seja a única que não parece deslocada no filme, já que sua personagem é burra e ingênua e ainda completa o tipo falando com um sotaque caipira que era uma graça de ouvir na época que ela foi revelada no Big Brother Brasil, mas que no filme é exagerado. Espero que ela tenha mais chances de brilhar em outras obras para o cinema bem melhores do que esse engodo perpetrado por um Belmonte que parece que não sabia o que fazer. Melhor ele voltar urgentemente para o cinema alternativo e pessoal.
segunda-feira, março 05, 2012
MAYA (Maya Memsaab)
Engraçado como as coisas são. Não veria este filme se não fosse o interesse em ver as seis obras baseadas em "Madame Bovary", de Gustave Flaubert, que me predispus a assistir. Se não fosse por isso, ainda não teria visto um exemplar do cinema de Bollywood. E devo dizer que depois deste filme pretendo manter distância do cinema made in Bombaim durante muito tempo. Quando a gente imagina que o filme não pode ficar pior, ele fica, a cada vez que somos "obrigados" a ver e ouvir os números musicais bregas que integram a narrativa. Está certo que eu não deveria estar fazendo juízo de valor, já que se trata de uma cultura totalmente diferente da nossa e de uma primeira experiência minha com esse tipo de produção, mas não posso também ficar calado e não dizer o quão doloroso foi chegar ao final deste filme de pouco mais de duas horas, mas que pareciam dez.
MAYA (1993), de Ketan Mehta, começa como um filme policial, com um grupo de detetives investigando o suicídio ou possível homicídio de Maya (a Emma Bovary do filme). E assim com essa estrutura meio CIDADÃO KANE, eles vão entrevistando as pessoas que conheceram Maya para que elas ajudem a compor a já conhecida história de Madame Bovary. O básico da trama está lá: o casamento com o médico, o tédio que se instala, os gastos com roupas e móveis, os amantes, até chegar à queda. Mas junte-se isso a momentos de humor (que não vi nada de engraçado) e de delírios musicais, que seriam representativos dos sentimentos de romantismo da protagonista.
Ao que parece, o filme causou bastante polêmica na sociedade indiana. Tem até uma leve cena de nudez e orgasmo lá perto do final. Mas principalmente por causa do próprio caráter da personagem, indiferente aos costumes indianos, inclusive à religião. Como o filme é falho em tratar de sentimentos, mal dá para sentir alguma emoção nas aventuras amorosas de Maya ou nos sentimentos de perda de seu marido. Mas o nome da protagonista não foi dado em vão, já que "maya" significa "ilusão". Logo, ela estaria vivendo um mundo de ilusões ou seria a própria personificação da ilusão, o que não deixa de ser interessante. Mas para quem já viu obras tão melhores baseadas no clássico de Flaubert, foi dose ver MAYA.
domingo, março 04, 2012
BORBOLETAS NEGRAS (Black Butterflies)
Assisti BORBOLETAS NEGRAS (2011) no mesmo período em que estava (ainda estou, na verdade) lendo a "(quase) autobiografia de Fernando Pessoa". E a impressão que eu tive é de que quase todo poeta tem um quê de loucura. Como se eles tivessem nascido com um misto de maldição e bênção ou fossem possuídos por algo sobrenatural. Essas pessoas passam por uma vida intensa de dedicação à poesia e acabam por não se encaixar à normalidade da vida social. Em compensação, ganham um duradouro "pós-vida", graças à sua obra.
Mas em termos comportamentais a poeta Ingrid Jonker (1933-1965) é totalmente o oposto de Fernando Pessoa. Ela não se importava com a noção de fidelidade, tendo uma vida sexual bem ativa, enquanto Pessoa morreu virgem e teve uma vida quase que exclusivamente dedicada à poesia. Em comum, ambos apreciavam a embriaguez oferecida pelo álcool, que combina mais com a poesia do que com a prosa, geralmente mais sóbria. Há também entre eles uma pouca preocupação com uma vida estável e com o dinheiro.
No filme, Ingrid Jonker é vivida por Carice van Houten, a bela holandesa que ficou famosa depois de protagonizar a obra-prima A ESPIÃ, de Paul Verhoeven. (E já temos a boa novidade de que ela participará da segunda temporada de GAME OF THRONES.) BORBOLETAS NEGRAS é vendido mais por causa de um poema que ela fez em nome da causa dos negros durante o regime do Apartheid, na África do Sul, mas apesar de sua duração focar na relação injusta e conflituosa entre brancos e negros, trata-se mais de um filme biográfico da poeta.
Que começa com Ingrid quase morrendo afogada no mar e sendo salva por um homem que por acaso também é escritor, Jack Cope, vivido por Liam Cunningham (outro que coincidentemente também estará na segunda temporada de GAME OF THRONES!). Ela passa a ter um relacionamento com Cope, mas ele não aguenta muito, pois ela suga demais suas energias e não o deixa trabalhar. Rutger Hauer faz o pai carrasco de Ingrid. Apesar de pouco citado quando de sua estreia nas telas brasileiras, BORBOLETAS NEGRAS tem a sua beleza. E terminar com a voz de Nelson Mandela citando a poeta ajuda a torná-lo interessante também a um leque maior de pessoas, que não sejam necessariamente cinéfilos ou admiradores da obra da poeta.
sábado, março 03, 2012
DRIVE
A oportunidade de ver um filme de Nicolas Winding Refn no cinema não deve ser desperdiçada. Trata-se de um dos grandes talentos da nova geração de diretores. Surgido no final dos anos 1990, só agora, nos últimos anos, tem ganhado mais visibilidade. Assim, DRIVE (2011) é, por enquanto, o seu trabalho mais famoso. Seu apelo popular existe graças à figura do herói quase inatingível e quase incorruptível do protagonista. O mistério em torno do personagem, que é ao mesmo tempo dublê, mecânico e motorista contratado para assaltos, também faz parte dessa aura que é criada e admirada.
O homem misterioso e sem passado não é nenhuma novidade no cinema mundial, mas Refn faz diferente, com sua estilização que funciona também como uma forma de diminuir o impacto da violência e do amor, que poderiam ter sido mais explorados se o roteiro, baseado no livro de James Sallis, não fosse entregue nas mãos do cineasta dinamarquês. Assim, DRIVE é mais um exercício de estilo do que propriamente uma história de amor e violência. Esses elementos ficam em segundo plano, ainda que vistos sob uma ótica belíssima.
Ryan Gosling se firma como o maior talento de sua geração. Nem dá para acreditar que é o mesmo ator de HALF NELSON, A GAROTA IDEAL, NAMORADOS PARA SEMPRE e AMOR A TODA PROVA. Poucos atores conseguem entrar em um personagem tão bem, como um camaleão, despindo-se de sua persona natural. Em DRIVE, ele é o herói que não se importa com dinheiro e quer proteger uma mulher (Carey Mulligan) e uma criança a todo custo. Mas que também não se importa em esmagar a cabeça de um inimigo na frente dela, na já famosa sequência do elevador.
Essa sequência, aliás, é a que mais utiliza a suspensão do tempo, através do recurso da câmera lenta. A câmera lenta que muitas vezes é criticada, mas que já foi também objeto de culto em obras de Sam Peckinpah e Wong Kar-wai, por exemplo. E a violência estilizada já é conhecida de quem viu O GUERREIRO SILENCIOSO (2009), o trabalho anterior de Refn, uma obra de andamento mais contemplativo. Em DRIVE, essa contemplação aparece bem menos. O filme é mais editado e mais enxuto, talvez por ser uma produção americana.
A história é simples, mas dentro dessa simplicidade aparente é possível buscar nas entrelinhas elementos da grandeza do filme, como o fato de o personagem não ter um passado. Trata-se de um herói como que uma personificação da justiça, e que também é mais cheio de autoconfiança do que qualquer outro herói de ação do cinema americano. Em DRIVE, até a jaqueta ensanguentada com símbolo de um grande escorpião nas costas é objeto de fetiche. E a paixão que o filme provoca é essencialmente visual.
sexta-feira, março 02, 2012
FREUD – ALÉM DA ALMA (Freud)
Enquanto a estreia no circuito brasileiro de UM MÉTODO PERIGOSO, de David Cronenberg, continua sendo adiada, aproveitei para ver um filme que há muito eu devia a mim mesmo. Já tinha visto trechos num Corujão vários anos atrás, mas nunca havia visto o filme completo. FREUD – ALÉM DA ALMA (1962), de John Huston, é uma pseudo-biografia do pai da psicanálise Sigmund Freud. Como não tenho conhecimento da história de sua vida, não sei o que é invenção e o que é realidade.
No início, o filme dá especial atenção à utilização da hipnose como método para chegar ao inconsciente do paciente, de modo a entender que seu problema é psicossomático. Uma moça, por exemplo, não consegue andar e através da hipnose, como num passe de mágica, volta a andar, ainda que apenas no estado hipnótico. A trilha sonora de Jerry Goldsmith acentua o mistério nessas sequências e também nas cenas de sonhos.
FREUD – ALÉM DA ALMA demora um bom tempo nessa parte até chegar nos métodos mais reconhecidamente freudianos, como a utilização da conversa no divã como forma de ajudar o paciente a descobrir as causas de seus problemas. Os famosos complexos de Édipo e de Elektra também nos são apresentados, bem como a própria figura um tanto angustiada de Freud, que tem um problema no passado e tenta solucioná-lo, com a ajuda da interpretação de seus sonhos recorrentes.
Montgomery Clift está muito bem neste que foi o seu penúltimo papel no cinema. Ator problemático que não conseguia lidar com sua homossexualidade e tinha dependência com drogas, veio a falecer poucos anos depois. Teve uma carreira curta, mas marcante. Ele, assim como Marlon Brando e James Dean, veio de uma escola que mudou o método de atuação em Hollywood. Tanto que sua interpretação contida de Freud contrasta com o exagero da personagem de Susanna York, a garota com síndrome de Elektra. Agora quero ver como Cronenberg tratou o homem/personagem, à luz de sua poética tão particular.
quinta-feira, março 01, 2012
HOMENS DE BEM
Em geral, os trabalhos que Jorge Furtado faz para a televisão não ficam muito a dever a seus filmes para cinema. Um bom exemplo disso é LUNA CALIENTE (1999). Há também um média-metragem que quem viu elogiou muito, que é APENAS BONS AMIGOS (1995), feito para a série COMÉDIA DA VIDA PRIVADA e que hoje é difícil de encontrar. No caso da minissérie A INVENÇÃO DO BRASIL (2000), ele usou técnicas de narração parecidas com a de seu curta mais celebrado, ILHA DAS FLORES (1990). Pena que transposto para o cinema, toda a parte informativo-espirituosa de Furtado se foi, ficando apenas a história meio boba de Guel Arraes.
HOMENS DE BEM (2011) foi exibido no final do ano passado na Rede Globo e aparentemente foi pouco visto. Se bem que mesmo sendo pouco visto, o filme com certeza teve mais visibilidade do que se fosse lançado nos cinemas. Rodrigo Santoro, por mais que tenha sido elevado a posto de ator internacional, não é garantia de sucesso de bilheteria por aqui. Aliás, acho que o cinema brasileiro nem tem mais um ator ou atriz que funcione como chamariz para as bilheterias. Talvez um pouco o Selton Mello ou o Wagner Moura.
Em HOMENS DE BEM, Santoro e Débora Falabella voltam a se reunir depois de MEU PAÍS, de André Sturm. E eu diria que o telefilme de Furtado resulta mais feliz. Na trama, o astro interpreta um espião que tem a missão de armar um flagrante em um sujeito, usando uma mala recheada de dinheiro. Enquanto isso, a polícia fica na cola do protagonista. O bom do filme é o agradável andamento narrativo, o clima de filme de espionagem sem copiar fórmulas americanas, além do bom elenco, que ainda conta com Luis Miranda, Virginia Cavendish, Fulvio Stefanini e Tonico Pereira.
O fraco do filme está em sua conclusão. Fica a impressão de que HOMENS DE BEM é um pouco simplista demais ao fazer a sua bem humorada crítica à corrupção nacional e o uso de grampos, que tanto já foi notícia nos jornais. Curiosamente, há uma cena que lembra O HOMEM QUE MUDOU O JOGO, de Bennett Miller. Em ambos há a figura do pai vendo e ouvindo a filha cantando com um violão. Impressionante como no filme brasileiro a menina desafina e a interpretação é ruim e no americano a garota canta bem e emociona. Mas não sei se a comparação é justa, já que há também diferença de idade entre as garotas.