quarta-feira, março 28, 2012
A MISSA DO GALO
Curioso como Nelson Pereira dos Santos dá bastante ênfase à mulher em seus filmes. Elas são sempre fortes e decisivas, mas isso é mais visível quando se compara as obras literárias com as suas adaptações. Dá para notar de maneira um pouco mais sutil em VIDAS SECAS (1963), por exemplo, mas isso se torna muito mais explícito em AZYLLO MUITO LOUCO (1971), baseado em "O Alienista", de Machado de Assis, cujo final foi bastante modificado por Nelson, dando à mulher um papel decisivo no final do filme, coisa que passa longe de acontecer no conto/novela.
No caso do curta-metragem A MISSA DO GALO (1982), também uma adaptação de um conto de Machado de Assis, a personagem da mulher que acaba "seduzindo" o garoto, vivida no filme por Isabel Ribeiro, é muito mais forte. Está bem longe da quase "santa" que é pintada de maneira um tanto ambígua em Machado. Isso é dito pois, no conto, ela parece estar resignada com o fato de o marido a trair com frequência. No filme de NPS, a personagem é bem mais ousada e isso é mostrado de maneira mais explícita. Quase achei que ela e o garoto iriam ter uma aproximação física maior, inclusive.
As opções do diretor para adaptar o conto também foram bem interessantes. Como no cinema não existe tempo pretérito, o cineasta preferiu não usar nada que recorresse a um sentimento de nostalgia por parte do garoto. Tudo acontece "aqui e agora", enquanto ele espera o relógio bater a meia-noite para assistir a missa do galo na corte, já que ele veio do interior e lá, imagina-se, a missa não deve ter a mesma pompa que assistir no Rio de Janeiro, então capital do Brasil. Assim, o final teve que ser modificado também, mas sem que se perdesse uma informação importante dada pelo narrador.
Como A MISSA DO GALO foi feito para a televisão, algumas sequências terminam em belos fade outs e recomeçam com a câmera posicionada em diferentes locais. Esse tipo de corte passa uma impressão de deixa para intervalos comerciais, embora costume ser utilizado também em vários filmes para cinema, com resultados bem interessantes. As conversas do garoto com a mulher também tiveram que ser mais recheadas. E com muito cuidado, para que as palavras e os gestos dos dois dessem a entender um pouco o que eles pensavam. Ou pelo menos o que o garoto pensava, pois a mulher, como geralmente acontece, é mais cheia de mistérios. Nota-se que, apesar de pequeno e modesto em relação a obras para cinema de Nelson, A MISSA DO GALO foi feito com capricho pelo cineasta.
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