sábado, maio 25, 2024
DOMINO
Se formos em busca de críticas sobre DOMINO (2019), o por enquanto último filme de Brian De Palma, vamos encontrar um apanhado de textos prontos para bater sem dó neste thriller da fase decadente de um dos maiores cineastas vivos. No The Guardian dizem que o diretor chega ao fundo do poço num suspense criminal com aparência amadora; o Indiewire diz que o filme é trashy e que ele prova que já passou de sua melhor fase (ao menos o texto diz que o filme foi montado sem a aprovação do diretor); The Globe and Mail diz que se trata do pior trabalho do cineasta e o Variety fala mal até da trilha sonora de Pino Donaggio. Mas até que há mais reviews positivas do que eu esperava.
Acredito que se o filme não tivesse o peso da assinatura do realizador seria um daqueles filmes lançados diretamente na telinha que estaria presente na lista de obras a serem descobertas com carinho, apesar do roteiro e da montagem problemáticos. O nome Brian De Palma é poderoso o suficiente para criar expectativa, por mais que o século XXI não tenha sido tão gentil com o cineasta. Se bem que ele não teve muita paz em sua carreira profissional, quase sempre atribulada pelos produtores ou mesmo por críticas negativas que incompreendiam suas obras, posteriormente alçadas a obras-primas.
Para quem demorou anos para ver este filme por causa da expectativa baixa e para não ver um diretor tão querido como o De Palma chegar a um estado de decadência tão lastimável, até que achei DOMINO bem decente. Todas as marcas da autoralidade do mestre estão lá, prejudicadas um bocado pelo orçamento precário (e talvez por um grau menor de inspiração), mas com o charme de produções de gênero europeias. Aliás, o próprio cinema do De Palma sempre foi muito influenciado pelo cinema europeu; italiano, principalmente, e aqui não é diferente – seu filme anterior, PAIXÃO (2012), é uma homenagem aos gialli.
E não poderia faltar homenagens a Hitchcock. Uma das primeiras grande cena de ação do filme, de uma perseguição no telhado, lembra UM CORPO QUE CAI. O fato de o herói estar desprovido de sua arma é uma espécie de indicação de castração, assim como é castrado também o personagem de James Stewart em JANELA INDISCRETA, outra obra também homenageada em DOMINO.
E há autorreferências, como a de OLHOS DE SERPENTE (1998), na cena da tourada, ainda que bem longe de ser tão bem orquestrada, por razões óbvias. A cena em que o mercenário está matando o colega de trabalho do protagonista lembra a cena de tortura de SCARFACE (1983) e a cena em que a colega do herói está perto do homem-bomba faz lembrar a trágica cena da morte do interesse amoroso de John Travolta em UM TIRO NA NOITE (1981). Todas essas lembranças podem parecer sombras ao vermos um filme tão menor como DOMINO, mas é o que temos para hoje.
Senti falta de uma maior força na vontade de vingança por parte do protagonista. Ele age como se não soubesse direito o que fazer, enquanto a mulher, ela sim, tem desejo de vingança e motivação para matar o sujeito que assassinou seu amado. O que acaba motivando mais o filme são as boas cenas de ação e suspense que contrastam um pouco com os momentos um pouco mais mortos.
O filme traz dois astros de GAME OF THRONES, o dinamarquês Nikolaj Coster-Waldau e a holandesa Carice van Houten, meio que tentando surfar um pouco no sucesso da série. Porém, infelizmente, DOMINO talvez seja o maior fracasso da carreira do realizador. Tanto que até agora, nenhum outro filme seu foi lançado e DOMINO ganhou essa pecha de maldito.
Dois excelentes colaboradores dão aquela força ao cineasta: o músico italiano Pino Donaggio, que faz sim um belíssimo trabalho, e o diretor de fotografia espanhol José Luis Alcaine, com suas cores quentes habituais.
+ DOIS FILMES
ESCRAVAS DO MEDO (Experiment in Terror)
É interessante perceber a mudança por que a sociedade americana atravessou na virada para a década de 1960, especialmente do ponto de vista comportamental. E é impressão minha ou a sociedade dessa primeira metade dos anos 1960 era menos durona e mais frágil do que a vista nas produções das décadas anteriores? De todo modo, ESCRAVAS DO MEDO (1962), de Blake Edwards, conta com um dos melhores inícios de filme que já vi, seja pelo suspense, seja pela belíssima construção visual em preto e branco, valorizando as brumas do bairro de Twin Peaks (a-há!), em São Francisco, mas principalmente por já estabelecer o tom, no momento em que o criminoso pega a personagem de Lee Remick por trás no escuro de sua garagem e traz-lhe a "proposta" de que ela, caixa de um banco, roube para ele 100 mil dólares, sob pena de ser morta e de ter sua irmã mais nova também assassinada. Sendo uma obra daquele período, o ritmo é um pouco mais lento do que eu gostaria (filmes do gênero de décadas passadas, especialmente noir, costumam ser mais dinâmicos), mas é importante também valorizarmos os momentos de respiro que o filme tem, inclusive para apresentar com carinho o personagem do agente do FBI vivido por Glenn Flord. Outros méritos de ESCRAVAS DO MEDO estão na excelente fotografia em preto e branco de Philip Lathrop e na ótima trilha de Henry Mancini, ambos parceiros de Blake Edwards vindos do sucesso de BONEQUINHA DE LUXO (1961). Filme visto no box Filme Noir – Neo-Noir Anos 60.
A MARCA DA BRUTALIDADE (Prime Cut)
Eis um filme incrível. E incrível no sentido de que quase não se pode acreditar no que se está vendo na tela. Dessas obras estranhas e únicas saídas de uma década igualmente única e cheia de liberdade. Em A MARCA DA BRUTALIDADE (1972), de Michael Ritchie, Lee Marvin é o matador profissional contratado para cobrar o dinheiro de um empresário do ramo de carnes vivido por Gene Hackman, ou matá-lo, se for preciso. Esse plot é muito simples; o que importa é o que vemos no meio de tudo, incluindo jovens mulheres escravizadas à venda em pequenos currais, os maiores vilões sendo matadores de animais que transformam seus inimigos em salsicha, e uma visão aterrorizante do Kansas, numa feira aparentemente ingênua, quase como uma antecipação do lado doentio da América profunda de O MASSACRE DA SERRA ELÉTRICA. Lee Marvin está fantástico como o homem de poucas palavras, muita ação e muita coragem e Hackman está mais uma vez perfeito como vilão. Sissy Spacek é a personagem feminina mais importante do filme, que representa a inocência, mas que também tem um estranho espírito de aceitação de seu destino como pessoa objetificada. As cenas de ação são de tirar o fôlego, principalmente uma que acontece num espaço aberto. Deixaria o Hitchcock de INTRIGA INTERNACIONAL orgulhoso. Filme visto no box Cinema Policial VII.
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