domingo, fevereiro 11, 2024

PAIXÃO (Passion)



Infelizmente começou a me dar preguiça de ver os filmes dos anos 2000 e 2010 de Brian De Palma. E essa preguiça pode estar atrapalhando um pouco a minha percepção desses trabalhos. Por outro lado, um filme de que eu não gostei quase nada quando vi no cinema, como DÁLIA NEGRA (2006), passei a gostar mais, a ver muito mais beleza nessa obra torta do realizador. Com PAIXÃO (2012), porém, aconteceu o contrário. Já é um filme da fase decadente do realizador (sonho com seu retorno triunfal à boa forma) e nem sequer foi lançado nos cinemas brasileiros. A recepção morna deste e de outros filmes do diretor do novo século acabou por fazer com que um dos maiores e mais inventivos cineastas da Nova Hollywood se tornasse um rejeitado, um marginal dentro da indústria.

PAIXÃO nem sequer teve dinheiro norte-americano. É uma produção franco-alemã que conta com elenco e equipe internacionais. A canadense Rachel McAdams só foi convidada por causa da sueca Noomi Rapace, que a indicou a De Palma, depois que as duas trabalharam juntas em SHERLOCK HOLMES – O JOGO DAS SOMBRAS, de Guy Ritchie. Na época que vi o filme pela primeira vez, em 2014 (texto AQUI), estava um tanto revoltado pelo descaso que o mercado havia dado a De Palma e tendi a elogiar mais o trabalho, destacando sua semelhança com thrillers europeus e seu aspecto “enganador”. Embora eu não tenha citado o giallo como uma influência, a cena do assassinato de Christine (McAdams) me faz lembrar bastante esse tão querido subgênero.

E é a tal coisa. Um grande autor acaba fazendo a diferença, mesmo em obras menores ou irregulares com esta. Desta vez, achei que o filme demora muito a mostrar sua faceta criminal e isso me deixou um pouco impaciente, mais do que na primeira vez que o vi. Com isso, demora a ter aquela cara mais depalmiana dos anos 1980, mas quando mostra lembra muito VESTIDA PARA MATAR (1980). Inclusive nas cenas de elevador. 

Talvez PAIXÃO seja um dos filmes que mais ofereça munição para a velha acusação a misoginia por parte do cineasta pelo modo como pinta suas protagonistas. Rachel McAdams fica insuportável como vilã, hein, mas não falo isso como um problema e mesmo Noomi Rapace não é sempre uma vítima. O que vemos é um mundo em que a inveja, a crueldade e o puxar o tapete da outra é comum. A trama se passa em boa parte do tempo num escritório em Berlim de uma agência multinacional de publicidade. 

McAdams é Christine, uma executiva, e Rapace é Isabelle, sua assistente. Isabelle cria uma propaganda criativa e Christine rouba sua ideia e toma para si, garantindo uma promoção e uma mudança para o escritório em Nova York. Só que Isabelle arranja uma forma de chamar para si a atenção dos chefões, fazendo com que Christine perca sua chance de ascensão. Christine procura se vingar e usa um vídeo dela com Dirk (Paul Anderson) fazendo sexo como chantagem. Isabelle precisa recuar e deixar Christine brilhar novamente. Até que acontece aquela cena do assassinato, mostrada em split-screen com imagens de um balé que Isabelle estaria assistindo num teatro.

Com isso, os últimos vinte minutos ajudam a nos lembrar do bom e velho De Palma. Também gosto muito da última e tenebrosa imagem imediatamente anterior ao "The End". Infelizmente, isso acaba aconteceu muito tarde dentro de um filme de andamento problemático e irregular e personagens pouco atraentes – não gosto nem de Isabelle nem de Christine.

No entanto, quem conhece a poética do realizador vai encontrar inúmeras referências, desde o fato de Christine ter contado de uma irmã gêmea morta, como em IRMÃS DIABÓLICAS (1972), FEMME FATALE (2002) e DÁLIA NEGRA; passando pelos split-screens presentes em praticamente todos os seus trabalhos; a rivalidade entre irmãos (ou associados, como simbolismo de irmãos); o uso de um vídeo como evidência de um crime, como em TERAPIA DE DOIDOS (1979), UM TIRO NA NOITE (1981) e MISSÃO: IMPOSSÍVEL (1996); o aparecimento de um personagem ameaçador por trás, como em SÍNDROME DE CAIM (1992) e FEMME FATALE etc.

Além do mais, gosto da ideia da máscara. A máscara é o rosto de Christine e é usada em jogos sexuais por ela. Essa mesma máscara é usada pela assassina ao adentrar sua casa e cortar sua garganta com uma faca. Então, toda a questão do narcisismo de Christine faz com que ela tenha sido, simbolicamente, assassinada por si mesma. Antes disso, ela parece se acariciar no banheiro e depois admira seu corpo no espelho. É uma das personagens mais representativas do mundo de selfies que De Palma criou até o momento. No mais, ao contrário do que alguns cartazes dão a entender, não se trata de um filme que explora as cenas de beijos entre mulheres como busca de satisfação de algum tipo de voyeurismo hétero. Essas cenas, na verdade, são bem rápidas e muito pouco exploradoras ou excitantes, no bom sentido do termo. 

+ DOIS FILMES

MENINAS MALVADAS (Mean Girls)

É interessante quando você chega numa idade em que até o cinema grita que você não é mais da mesma geração que o público que está ali assistindo ao filme. Falo "até o cinema" pois o cinema, diferente da música, é um meio mais longevo no acolhimento de múltiplas gerações. Mesmo assim, da metade para o meio desta versão musical de MENINAS MALVADAS (2024), de Samantha Jayne e Arturo Perez Jr., me diverti, especialmente quando as situações tornam a própria heroína uma vilã e isso gera um ruído interessante. Nada que não tenha sido mostrado na comédia de 2004, mas é interessante perceber o quanto as novas gerações se veem espelhadas nesses novos personagens, agora muito mais fascinados pela fama, uma vez que vivemos na era do Instagram, da valorização do plástico, da imagem, e de como esse plástico também pode ser descartado facilmente. Angourie Rice está muito bem como a garota ingênua que é cooptada pelas patricinhas da escola e que acaba virando uma espécie de espiã para dois colegas mais marginalizados. Não tenho muita paciência para as canções, mas em alguns momentos as cenas são criativas o bastante para agradar. Detalhe: ao meu lado havia duas meninas que cantavam todas as canções. Nem sabia que a peça da Broadway era tão popular assim.

OLHOS ASSASSINOS (Eyes of a Stranger)

É muito gratificante quando a gente para pra assistir a um filme achando que vai apenas se divertir e então dá de cara com uma obra incrível, como é o caso deste OLHOS ASSASSINOS (1981), de Ken Wiederhorn, rodado antes da febre dos slashers, quando havia lançamento de pelo menos dois por mês nos cinemas, durante o ano de 1981 (a Warner acabou segurando o filme por muito tempo). A trama já entrega a identidade do assassino rapidamente, e essa característica não seria a única coisa hitchcockiana do filme, que traz algumas cenas que homenageiam JANELA INDISCRETA, inclusive com um vilão que lembra o robusto Raymond Burr (que eu vi recentemente no excelente O CAMINHO DA TENTAÇÃO). O fato de ter sido pensado inicialmente para ser uma espécie de fllme policial dá a OLHOS ASSASSINOS um ar mais realista e desde a primeira cena nos importamos com seus personagens, mesmo aqueles que não conhecemos muito. Aliás, eu diria que todas as cenas são boas. A primeira ameaça pelo telefone a uma mulher, o ataque, a cena da praia, a invasão ao apartamento do assassino. A apresentação das personagens femininas é ótima, e que coisa incrível que é a inversão de papéis com Lauren Tewes ligando para o vilão e aumentando exponencialmente a sensação de perigo, mas também de coragem. Jennifer Jason Leigh está bem jovenzinha e seu papel é ótimo, como uma jovem que ficou surda, muda e cega depois de ter passado por um sequestro na infância. Há um grande momento dela com o vilão. Trata-se, definitivamente, de um filme que merece ser mais conhecido e louvado. A Versátil acabou chamando minha atenção para ele ao destacá-lo no livro Slashers - Pérolas da Coleção. Filme visto no box Slashers X, que conta com cerca de 40 minutos de material extra a respeito, inclusive depoimento do diretor, também conhecido pelo filme de zumbis ONDAS DO PAVOR (1977).

Nenhum comentário:

Postar um comentário