terça-feira, maio 16, 2023

MISSÃO: MARTE (Mission to Mars)



Havia ensaiado a escrita de MISSÃO: MARTE (2000) no domingo pela manhã, mas estava tão mentalmente exausto que não consegui dar seguimento. Aliás, todo esse desgaste que de vez em quando eu trago para este espaço, como desabafo (na minha cabeça, como os leitores do blog diminuíram, eu até me sinto mais à vontade para escrever o que me der na telha), todo esse desgaste acabou fazendo com que eu jogasse a toalha. Cansei de trabalhar doente por semanas seguidas. Então, uma janela de atestado de três dias pode, quem sabe, me ajudar a recuperar minhas energias, até porque eu acabei piorando da gripe mais uma vez. Vamos de Brian De Palma, então.

MISSÃO: MARTE é um dos filmes mais estranhos de De Palma. Não estranho, estranho. Ou seja, não seria estranho se o diretor fosse outro. É estranho justamente por ser um filme "família", uma obra feita para a Disney, inclusive. O fato de o trabalho anterior do realizador ser uma obra bastante cínica (OLHOS DE SERPENTE, 1998) fez com que essa mudança para o extremo oposto deixasse muita gente perdida. Mas o incrível de De Palma é o quanto ele consegue imprimir sua assinatura autoral até em produções “de encomenda” milionárias, como foi o caso de MISSÃO: IMPOSSÍVEL (1996), seu filme mais bem-sucedido financeiramente.

MISSÃO: MARTE, por sua vez, custou uma fortuna (U$ 100 milhões) e não se pagou no mercado doméstico; só juntando com o arrecadado mundialmente que se pagou, algo considerado um fracasso para os executivos. E, como poderemos ver nos trabalhos seguintes, custou caro para o realizador em termos de facilidade/dificuldade de materialização de projetos. MISSÃO: MARTE, inclusive, já é uma produção conjunta com três países (França/Estados Unidos/Canadá). Além do mais, o próprio De Palma não queria trabalhar em produções tão cheias de efeitos como essa. 

O filme pegou muito crítico de surpresa e até hoje faz muita gente ficar sem entender o que aconteceu com o diretor para fazer um trabalho como este. Talvez o roteiro seja um pouco problemático, mas é tão bonito, mesmo assim. Foi uma delícia rever, pois, como não lembrava de nada, foi como se fosse inédito. Os minutos iniciais, com o incidente que atinge o primeiro grupo de astronautas em Marte, até fazem lembrar o De Palma que a gente conhece, com certo gosto pelo gore. Mas, depois, o tom de amor e de união dos personagens, sem um vilão ou uma figura paterna maligna ou um irmão maligno, faz com que se fique com a impressão que De Palma havia feito as pazes com o mundo e com sua família. A competição aparece agora de maneira amigável: o personagem de Gary Sinise gostaria muito de integrar a primeira expedição a Marte, mas por causa de fatores tristes (a morte da esposa) ele é substituído pelo personagem de Don Cheadle. Enquanto isso, há a imagem da felicidade do casal Tim Robbins/Connie Nielsen, que faz com que o protagonista (Sinise) tenha ainda mais saudades da falecida mulher.

As homenagens a 2001 – UMA ODISSEIA NO ESPAÇO são bem explícitas, visualmente e tematicamente, mas no meio do realismo da semelhança com o clássico de Stanley Kubrick, há, em vários momentos, um sabor das sci-fies ingênuas dos anos 1950, principalmente nas cenas em que os quatro principais astronautas estão procurando conhecer o terreno em que se encontram, já no quarto final. De Palma é também mestre em relembrar e homenagear clássicos do passado, não apenas de Alfred Hitchcock, como sabemos.

Talvez, mais importante do que falar mais uma vez sobre a relação de competitividade existente entre o jovem Brian De Palma e seus dois irmãos, talvez valha a pena falar um pouco sobre uma leve competitividade entre De Palma e seus dois amigos da Nova Hollywood, Steven Spielberg e George Lucas, que já haviam adentrado o terreno da ficção científica já nos anos 1970, com filmes como THX-1138 e GUERRA NAS ESTRELAS (Lucas) e CONTATOS IMEDIATOS DO TERCEIRO GRAU (Spielberg). Ou seja, os três eram fãs de ficção científica, mas só em 2000 De Palma pôde fazer sua ópera espacial, não sem homenagear o amigo Spielberg – tanto em MISSÃO quanto em CONTATOS, o protagonista fica com os extraterrestres no final.

O filme ainda conta com uma bela trilha do mestre Ennio Morricone (ainda que não tão antológica como a de OS INTOCÁVEIS, 1987) e uma fotografia lindona de Stephen H. Burum, que havia trabalhado nos filmes anteriores de De Palma. Entre outras curiosidades sobre o filme, vale lembrar que o diretor cotado para dirigir a produção era Gore Verbinski (O CHAMADO) e é curioso como, mesmo assim, De Palma chega e imprime sua marca, como se o projeto fosse sempre seu. Outra curiosidade é mais uma lembrança da época em que filmes com temas parecidos se esforçavam para chegar antes: o filme de De Palma conseguiu chegar aos cinemas antes de seu rival, PLANETA VERMELHO, de Anthony Hoffman.

MISSÃO: MARTE é um filme sobre laços familiares e visão espiritual que tem tudo a ver com o momento por que De Palma estava passando. Seu irmão Brian, que havia sido “tema” de quase todos os seus filmes, no papel de antagonista, havia morrido em 1997, depois de viver anos em paranoia numa ilha na Nova Zelândia. E em 1998, seria a vez de De Palma perder sua mãe. O novo filme trata da questão desses laços, do quanto o DNA é representativo de nossa herança na Terra. A mãe segue existindo no filho, enquanto esse filho segue existindo na filha dele, representada em algumas cenas do filme. Uma pena que o tom mais idealista não tenha sido tão bem aceito, pois me parece bastante sincero e emotivo.

+ TRÊS FILMES

TREMOR IÊ

É estranho só ver TREMOR IÊ (2019), de Lívia de Paiva e Elena Meirelles, agora, depois de ter visto MATO SECO EM CHAMAS, de Adirley Queirós e Joana Pimenta, já que são filmes que guardam algumas semelhanças muito curiosas, especialmente no modo como fazem uma opção por mostrar uma realidade alternativa (uma distopia) protagonizada apenas por mulheres. Além do mais, ambos os filmes possuem cenas longas com diálogos (na verdade, monólogos) com mulheres de origem simples saídas da prisão e prestes a enfrentar o mundo agora povoado por opressores "do bem", com polícia "do bem" que chama as pessoas de "irmãos" e "irmãs" e um ditador de sobrenome Cunha, talvez inspirado no presidente da Câmara da época em que o filme foi rodado (perto de 2015). Se o filme cearense não tem a mesma força da produção brasiliense, talvez isso se deva em parte à produção muito mais modesta. O despojamento é o lema em praticamente todos os sentidos. Exceto talvez pelas opções dos textos dramáticos, que ora optam por um naturalismo, ora trazem uma espécie de declamação. Gosto muito da cena final e fiquei torcendo para que ela demorasse mais um pouco.

UM JÓQUEI CEARENSE NA COREIA

Guto Parente é certamente um dos melhores cineastas cearenses da atualidade. Meu filme favorito dele segue sendo O CLUBE DOS CANIBAIS (2018), mas é interessante conhecer essa experiência do realizador com o documentário, que, diferente da ficção, é mais dependente do acaso para alcançar a excelência. UM JÓQUEI CEARENSE NA COREIA (2022) possui bons personagens e um estilo de profissão pouco abordada em nossos filmes. Mas o que Parente faz, junto com Mi-kyung Oh, é falar sobre o estado de espírito de quem sente falta do local de origem. A cena de Antônio conversando com os amigos e falando sobre o que realmente importa para ele não deixa de carregar um ar de melancolia, por mais que o filme seja acompanhado de inúmeras sequências divertidas e leves.

LAVRA

É o tipo de filme necessário. Quando vi as reportagens de televisão sobre os crimes terríveis ocorridos em Mariana em 2015 e Brumadinho em 2019 achei que logo viriam vários filmes sobre o assunto. Acabei não vendo esses filmes (talvez só alguns curtas), o que vejo como um grande problema. E isso é tudo o que os caras das mineradoras querem: que as pessoas esqueçam o que aconteceu. E como vivemos num país que vive de contabilizar absurdos e tragédias a cada dia (principalmente nos quatro últimos anos do governo Bolsonaro), filmes como este, para nos fazer lembrar e acordar para o que ocorre em Minas Gerais, são essenciais. LAVRA (2021), de Lucas Bambozzi, acompanha uma mulher (Camila Mota) que viaja para o lugar onde aconteceu o primeiro desastre (o de 2015) e acaba testemunhando o desastre/crime de 2019 também, conversando com as vítimas e pessoas afetadas com a mineração, assim como com pessoas de luta.

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