sábado, dezembro 10, 2022
VIAGEM A JOÃO PESSOA / 17º FEST ARUANDA
Acho que o texto inicial sobre meu primeiro dia em João Pessoa, para o Fest Aruanda, já antecipou a beleza que seria essa viagem. Mais de uma semana se passou e eu não tive tempo de escrever nem textos pequenos sobre todos os filmes, apenas pequenos textos sobre alguns deles. E, claro, embora o cinema seja o grande motivo para a viagem, ela não se resume apenas às sessões. Trata-se também de um espaço e um momento (ou momentos) de encontros. E esses encontros se traduzem em algo próximo do mágico, muitas vezes.
Afinal, quem diria que eu estaria no mesmo palco que Fausto Fawcett, dias após ter visto um baita documentário sobre sua pessoa/persona? Ou que trocaria breves palavras com lendas como Toni Tornado e Marco Ricca? E que aumentaria os laços de amizade com amigos críticos e faria amizade com outros que já admirava? Thiago Stivaletti, por exemplo, é um crítico e autor de um podcast que passei a conhecer (virtualmente) no período da pandemia pelo seu excelente trabalho no Plano Geral Podcast com Flávia Guerra, mas que agora pude conversar um pouco mais. Foi muito bom ter conhecido o gerente do Cinesesc Gilson Packar e a assessora de imprensa Flávia Miranda, além de estar do lado de críticos lendários, como Luiz Zanin Oricchio, Maria do Rosário Caetano e Orlando Margarido.
Rever Marcus Mello (Revista Teorema) foi um grande prazer. Ele até me mostrou as primeiras imagens do que provavelmente será a última edição impressa da revista (tomara que não!). Eis um cara muito querido. Gostei muito de conversar com ele nos almoços e entre as sessões. Aliás, os almoços na cobertura vão deixar saudade, tanto pelas companhias, quanto pela vista linda da cobertura. Mas com quem eu mais conversei e acredito ter estreitado bastante os laços foi com Edu Fernandes, atual curador do Cine PE. Como temos muita coisa em comum, conversamos muito sobre as coisas que nos tocam, como a música e os relacionamentos humanos, sejam afetivos ou familiares. Um prazer, sem dúvida, ver o brilho no olho de emoção ao falar das canções que cortam fundo a alma.
E este já é o quarto parágrafo e praticamente não falei de cinema, vejam só. Mas ainda sobre as pessoas, não posso deixar de agradecer a alguém fundamental e muito atencioso, que tive a honra de conhecer ao longo dos dias, que foi Amilton Pinheiro, curador do Fest Aruanda e responsável por boa parte do sucesso do festival, já que a seleção dos filmes foi primorosa. Digo “boa parte”, pois o festival se faz de muitas pessoas, e há a figura de seu idealizador, o professor Lúcio Vilar, que aparece como uma espécie de pai para muitos.
Queria ter feito um diário da viagem, destacando maiores detalhes, como fiz sobre algumas que já postei aqui em outras ocasiões, mas, como não fiz, vou tentar puxar da memória. Falemos da rotina diária do festival. Foi puxado, mas foi uma delícia. Na maior parte dos dias começávamos com os curtas e o longa da Mostra "Sob o Céu Nordestino" e depois fazíamos uma pausa para o jantar (e no meu caso para mais um café) e depois voltávamos para a Mostra Nacional, com mais curtas (dois ou três) e um longa. Ou seja, as sessões acabavam por volta de meia-noite e às vezes chegavam perto de uma da manhã. Assim, como não tenho mais 20 anos de idade, não tinha energia para escrever sobre os filmes assim que chegava ao hotel. Até porque alguns deles precisariam de mais tempo para maturação. Alguns curtas, inclusive, precisariam ser vistos mais de uma, ou mais de duas vezes, para melhor compreensão e apreciação.
Os meus dois curtas favoritos surgiram logo no primeiro dia: TIRO DE MISERICÓRDIA, de Augusto Barros, e CARTA PARA GLAUBER, de Gregory Baltz. Esse segundo, inclusive, foi o escolhido pelo júri de que participei, o júri da Abraccine, representando a crítica brasileira. Felizmente foi um filme querido também por Kalyne Almeida e Renato Félix, meus dois colegas de júri. Aliás, que bom que foi trabalhar com eles, embora só tenhamos nos reunido de verdade para conversar mais a fundo sobre as obras no último dia. Feliz que tenha dado tudo certo. E feliz por conhecê-los também. Na discussão sobre os melhores filmes em longa-metragem, ficamos basicamente entre dois títulos, PROPRIEDADE, de Daniel Bandeira, e FAUSTO FAWCETT NA CABEÇA, de Victor Lopes. São filmes que eu gostaria de escrever textos um pouco mais elaborados futuramente, se o tempo e as circunstâncias permitirem, pois eles rendem discussões bem interessantes. Como o filme sobre o cantor, compositor, romancista e filósofo foi muito querido por todos, optamos por ele, após as discussões.
E foi uma surpresa quando, ao final da noite de premiação, o júri oficial, formado por Marcélia Cartaxo, Kristal Bivona e Joel Zito Araújo, também escolheu o documentário sobre Fausto Fawcett, além de terem dado o prêmio de melhor ator para o artista (isso foi ainda mais legal!). E o legal de ter dado Fausto Fawecett na cabeça no final foi bom pois a noite terminou em clima de festa, ao som do clássico pop “Kátia Flávia, a Godiva do Irajá”. De todo modo, podemos dizer que tivemos dois vencedores, pois PROPRIEDADE ganhou a maior parte dos prêmios, inclusive de direção para Daniel Bandeira.
Mas sabe o que foi mais emocionante mesmo na noite de encerramento? O discurso do homenageado, o grande Toni Tornado, que aos 92 anos de idade, compareceu muito emocionado, mas também bastante bem-humorado. A emoção veio principalmente pelo sentimento de surpresa e gratidão do artista, que, ao dizer, "muito obrigado, eu nunca recebi uma homenagem do tipo" (ou algo parecido), fez muita gente chorar, inclusive este que vos fala.
Posso dizer, aliás, que foi uma alegria Amilton Pinheiro ter feito um festival tão dedicado à nossa música e nos deixar com a certeza de que os brasileiros fazem uma das melhores músicas do mundo. Além de os homenageados serem atores e cantores (Zezé Motta e Tornado), houve vários documentários-musicais para fazer a nossa alegria: ANDANÇA – OS ENCONTROS E AS MEMÓRIAS DE BETH CARVALHO, FAUSTO FAWCETT NA CABEÇA, MANGUEBIT, LUPICÍNIO RODRIGUES – CONFISSÕES DE UM SOFREDOR, OS DOCES BÁRBAROS (em exibição especial) e BELCHIOR – APENAS UM CORAÇÃO SELVAGEM, exibido na noite de encerramento.
Voltando para casa, na van em direção ao aeroporto do Recife, foi um barato poder conversar com o realizador Daniel Bandeira, e também com sua esposa e com o crítico Vitor Búrigo (Cinevitor), sobre as grandes possibilidades de sucesso comercial de PROPRIEDADE, em seu lançamento nos cinemas no próximo ano. Eu comentei que se tratava de um filme que poderia ser tanto um sucesso nos cinemas arthouse, quanto nas salas de shopping. E de fato tem tudo mesmo para ganhar a audiência, com seu suspense tão bem criado e com uma direção tão acertada. A viagem de volta a Recife com Bandeira, Búrigo e Edu Fernandes foi muito divertida também, pois rimos bastante, conversando sobre bonecas demoníacas, queda de aviões, queijo do reino, lançamentos em cinema e streaming, motéis com nomes divertidos etc. Vitor, aliás, é um cara muito legal. E foi graças ao Aruanda que tive a chance de conhecê-lo um pouco melhor.
No mais, teve espaço para irmos a uma praia do litoral paraibano, Coqueirinho. Foi minha chance de tirar um pouco da palidez e ficar com um aspecto melhor. Poderia ter aproveitado mais para caminhar na orla ou para conhecer o centro histórico de João Pessoa, mas o tempo era muito corrido e as sonecas antes das sessões eram fundamentais para que eu me mantivesse alerta e disposto à noite para os filmes. Enfim, depois de ir embora e de me despedir do pessoal da produção, a vontade que ficou foi de voltar para edições futuras do festival. Tanto pelo evento em si, quanto pela simpatia e pelo calor do povo paraibano.
Os Vencedores das Mostras Principais
Mostra Nacional – Longa-Metragem
Melhor filme: FAUSTO FAWCETT NA CABEÇA, de Victor Lopes
Direção: Daniel Bandeira, por PROPRIEDADE
Roteiro: Adriana Falcão, Marcelo Saback e Jô Abdu, por PÉROLA
Ator: Fausto Fawcett, por FAUSTO FAWCETT NA CABEÇA
Atriz: Drica Moraes, por PÉROLA
Ator coadjuvante: Fernando Teixeira, por BIA
Atriz coadjuvante: Zezita Matos, por BIA
Fotografia: Pedro Sotero, por PROPRIEDADE
Direção de arte: Maíra Mesquita, por PROPRIEDADE
Figurino: Andrea Monteiro, por PROPRIEDADE
Montagem: Isabel Castro, por LUPICÍNIO RODRIGUES – CONFISSÕES DE UM SOFREDOR
Trilha sonora: LUPICÍNIO RODRIGUES – CONFISSÕES DE UM SOFREDOR
Som: Nicolau Domingues, por PROPRIEDADE
Menção honrosa: Por sua força narrativa ao resgatar e ressaltar a importância de um dos maiores compositores da música popular brasileira, e pela riqueza de sua pesquisa, o júri decidiu conceder menção honrosa a LUPICÍNIO RODRIGUES – CONFISSÕES DE UM SOFREDOR, de Alfredo Manevy.
Júri popular: ANDANÇA – OS ENCONTROS E AS MEMÓRIAS DE BETH CARVALHO, de Pedro Bronz
Júri Abraccine: FAUSTO FAWCETT NA CABEÇA (Justificativa: “É um registro em que diretor e personagem compõem um reflexo do espírito singular do artista. Sua trajetória é contada enquanto o presente é elaborado diante das câmeras, se tornando uma nova obra de Fausto Fawcett.”)
Mostra Nacional - Curta-Metragem
Melhor filme: TEKOHA, de Carlos Adriano
Direção: Susanna Lira, por SOCORRO
Roteiro: Eduardo Wahrhaftig, por SAINDO COM ESTRANHOS DA INTERNET
Ator: Servílio de Holanda, por SANGUE POR SANGUE, e Wiliam Costa, por MERGULHO
Atriz: SOCORRO
Fotografia: Lucas Barbi, por TIRO DE MISERICÓRDIA
Direção de arte: Johnny Lopes e Thiago Trapo, por SANGUE POR SANGUE
Figurino: elenco de DESEJO E NECESSIDADE
Montagem: Ítalo Rocha, por SOCORRO, e Ian Abé e Rodolpho de Barros, por SANGUE POR SANGUE
Trilha sonora: Quinteto da Paraíba, por DESEJO E NECESSIDADE
Som: Gian Orsini e Bruno Alves, por SANGUE POR SANGUE
Menção Honrosa: Por sua força dramática e excelente qualidade de produção e atuação, o júri decidiu conceder menção honrosa a SANGUE POR SANGUE, de Ian Abé e Rodolpho de Barros
Júri Popular: MERGULHO, de Marton Olympio e Anderson Jesus
Júri Abraccine: CARTA PARA GLAUBER, de Gregory Baltz. Justificativa: “Algo tão 'fora de moda' como uma carta é trazida do passado pelo cinema como uma cápsula do tempo que guarda uma manifestação de afeto, uma síntese histórica do golpe de 1964 e uma crítica cinematográfica. As imagens dos filmes de Gustavo Dahl e Glauber Rocha são a materialização da presença dos amigos cineastas: remetente e destinatário.”
Mostra “Sob o Céu Nordestino” – Longa-Metragem
Melhor filme: CORDELINA, de Jaime Guimarães
Direção: Jura Capela, por MANGUEBIT
Roteiro: Bárbara Cariry e Rosemberg Cariry, por PEQUENOS GUERREIROS
Ator: Marco Ricca, por PATERNO
Atriz: Odília Nunes e Ana Flávia Cavalcanti, por CORDELINA e FIM DE SEMANA NO PARAÍSO SELVAGEM
Ator coadjuvante: Bruno Goya, por PEQUENOS GUERREIROS
Atriz coadjuvante: Rejane Faria, por PATERNO
Fotografia: Beto Martins, por FIM DE SEMANA NO PARAÍSO SELVAGEM
Direção de arte: Sérgio Silveira, por PEQUENOS GUERREIROS
Figurino: Carol Azevedo, por PEQUENOS GUERREIROS
Montagem: Rodrigo Lima e Grilo, por MANGUEBIT
Trilha sonora: MANGUEBIT
Som: Nicolau Domingues, A3pS e Rafael Travassos, por FIM DE SEMANA NO PARAÍSO SELVAGEM
Júri Popular - Foi uma votação apertada, com uma diferença de menos de um décimo entre dois filmes. Sendo assim, a organização considerou que houve um empate técnico e dois filmes vão levar o troféu: FIM DE SEMANA NO PARAÍSO SELVAGEM, de Severino, e MANGUEBIT, de Jura Capela.
Crítica especializada: PATERNO, de Marcelo Lordello
Mostra “Sob o Céu Nordestino” – Curta-Metragem
Melhor filme: ERA UMA NOITE DE SÃO JOÃO, de Bruna Velden
Direção: Thiago Costa, por CALUNGA MAIOR
Roteiro: Bruna Velden, por ERA UMA NOITE DE SÃO JOÃO
Ator: Tavinho Teixeira, por NÃO EXISTE PÔR DO SOL
Atriz: Todo o elenco feminino, cis e trans, de CALUNGA MAIOR
Fotografia: Luís Barbosa, por CALUNGA MAIOR
Direção de arte: Clara Farias, por ARATU
Figurino: Romero Sousa, por RENDEIROS
Montagem: Edson Lemos Akatoy, por CALUNGA MAIOR
Trilha sonora: CH Malves, por ERA UMA NOITE DE SÃO JOÃO
Som: Juca Gonzaga, por CALUNGA MAIOR
Menção honrosa por ANJOS CINGIDOS, de Laércio Filho e Maria Tereza Azevedo, pela relevância do tema
Júri popular: ERA UMA NOITE DE SÃO JOÃO, de Bruna Velden
Crítica especializada: ERA UMA NOITE DE SÃO JOÃO, de Bruna Velden
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