quinta-feira, maio 19, 2022

O HOMEM DO NORTE (The Northman)



Dos novos cineastas de horror surgidos nos anos 2010, a minha preferência se firma ainda em Mike Flanagan, que, é verdade, tem uma quantidade de filmes e bagagem maior do que a trinca Jordan Peele, Ari Aster e Robert Eggers. Os três diretores, por terem quase a mesma quantidade de filmes no currículo e tendo ganhado uma boa repercussão desde suas estreias, são geralmente lembrados como os mais importantes representante do chamado novo cinema de horror produzido nos Estados Unidos.

O caso de Eggers é especial, no sentido que ele preferiu trilhar caminhos tangenciais ao horror em seu segundo (O FAROL, 2019) e agora em seu terceiro filme, O HOMEM DO NORTE (2022), que são distintos em intenção e proposta, mas que têm em comum o fato de apreciarem o território das lendas e das fantasias, por mais sombrios que sejam seus registros.

O HOMEM DO NORTE despertou meu interesse mais por seu aspecto visual do que por seu enredo e riqueza de personagens - a trama é bem simples e os personagens planos. Mas ainda assim vejo a materialização deste filme nos cinemas - e a minha surpresa ao ver que está fazendo um sucesso popular na primeira semana - como algo bem positivo.

O novo projeto do diretor de A BRUXA (2015), mesmo sendo uma produção de orçamento bem maior, consegue tornar mais claras certas obsessões do diretor. O interesse por fábulas e crenças pré-cristãs segue firme e o novo filme destaca a glória de morrer em batalha e a importância de uma virilidade quase animalesca como valores de um povo e de uma época.

Como estamos vivendo um aumento do interesse por vikings em séries de televisão, talvez isso seja o motivo de o público estar indo aos cinemas ver um filme que não chega a ser quase hermético como O FAROL, mas que não facilita tanto assim para o público médio. Para o meu gosto, poderia ter pendido mais para o horror e menos para a fantasia. E também não me incomodaria se o gore fosse mais sujo e a violência do filme transpirasse mais para o lado de cá da tela.

Do jeito que ficou, senti algo próximo a uma pasteurização da violência, inclusive pela utilização acentuada do CGI em detrimento dos efeitos práticos. No mais, como sempre, gosto muito de Anya Taylor-Joy. Sua personagem é a que confere mais humanidade ao herói vivido por Alexander Skarskard.

A trama é baseada na história que serviu de inspiração para a tragédia Hamlet, de Shakespeare, mas com os elementos da cultura nórdica amplificados e explicitados. Além de haver uma vontade também de deixar muito clara a questão da masculinidade como elemento tão opressor quanto natural naquele ambiente e tempo. E como se trata de um filme de vingança, por isso mesmo é simples na estrutura de seu esqueleto narrativo.

Na trama, o pequeno Amleth vê seu pai, o rei vivido por Ethan Hawke, ser assassinado pelo tio que toma a mãe dele (Nicole Kidman) como esposa, além, de se autoproclamar rei daquele povo. Agora adulto, forte e viril, Amleth (Alexander Skarsgård) está de volta para fazer aquilo que prometera quando criança, a começar pelo tio. A trama, porém, traz algumas surpresas na trajetória desse herói tão carregado pelo instinto de matar.

Acho interessante como O HOMEM DO NORTE destaca de maneira quase fetichista a masculinidade, quase ao ponto de ser um filme queer, como também pode ser visto, aliás, O FAROL, mas aqui há também três figuras femininas de fundamental importância, justamente por terem como sabedoria ou trunfo, conhecimentos próximos da feitiçaria. Refiro-me às personagens de Kidman, Taylor-Joy e Björk, em maior ou menor grau. Inclusive, até poderíamos ver como um simbolismo a morte dos dois personagens masculinos principais como uma espécie de morte de uma era, de uma maneira de pensar e de uma multidão de deuses.

No mais, fico na torcida para o retorno de Eggers aos projetos menores, já que parece ter havido uma dificuldade do cineasta em lidar com um grande orçamento e com os executivos de um grande estúdio. Aguardo com atenção seus próximos passos. 
 
+ DOIS FILMES

UMA HISTÓRIA DE AMOR E DESEJO (Une Histoire d’Amour et de Désir)

Um filme pequeno, mas bastante sensível sobre uma relação de atração, amor e desejo que se estabelece entre um rapaz de origem argelina e uma moça tunisiana recém-chegada a Paris. Ambos iniciam o curso de Letras e o filme destaca o foco de uma professora em tratar da poesia árabe antiga com forte carga sensual. Sofrendo com timidez e inexperiência, o rapaz por vezes se sente muito acuado diante da moça, muito mais destemida e sem grilos provocados por algum tipo de moralidade causada pela religião. Confesso que me identifiquei em alguns momentos com o rapaz, por conta de meu histórico de timidez. Além do mais, o fato de a história se passar em uma faculdade de Letras em boa parte do tempo também ajuda a acentuar a identificação. Gosto da tensão sexual que se cria entre os dois, dado o desejo de ambos perturbado pela insegurança do rapaz, o que acaba gerando um tipo de erotismo bastante sutil e bonito nas cenas de intimidade. A última cena de UMA HISTÓRIA DE AMOR E DESEJO (2021), inclusive, é a que mais justifica a janela em scope, que parece nascida para se filmar cenas de sexo na horizontal.

THE SOUVENIR - PART II

Depois dos eventos do primeiro filme, de 2019, a jovem protagonista Julie, uma estudante de cinema finalizando seu filme de conclusão de curso, precisa enfrentar os sentimentos conflitantes vindos do luto e da ausência de Anthony. Joanna Hogg, em THE SOUVENIR - PART II (2021), muda um pouco o estilo, trazendo vez por outra um ar documental e um pouco mais de leveza - afinal, de opressão já bastava o primeiro filme. Outro ponto positivo é mais tempo de tela de Tilda Swinton, que faz a atenciosa e preocupada mãe da protagonista (sua filha na vida real). Há uma cena que procura adentrar os infernos pessoais da vida de Julie que eu achei que poderia ser mais envolvente, mas acho que, do jeito que ficou, ajuda a trazer o filme para ares mais etéreos. Então, tá ótimo.

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