sábado, dezembro 25, 2021

DE BARULHO E DE FÚRIA (De Bruit et de Fureur)



Quem me acompanha por aqui sabe que minha cinefilia foi construída com base, inicialmente, nas críticas da revista SET e também em críticas de jornais de São Paulo, nas vezes em que pude ter acesso a eles. E é impressionante como a revista não dava conta da imensidão de cineastas fantásticos que eu só fui saber da existência no novo milênio, talvez pela falta do lançamento de suas obras no Brasil, ou talvez por falta de espaço em dar conta de tanta coisa mesmo.  

A internet mudou muito tudo isso e um cineasta como Jean-Claude Brisseau eu viria a conhecer nos anos 2000, graças aos holofotes que gente como Carlos Reichenbach e o pessoal da revista eletrônica Contracampo começaram a dar. E, claro, pelo fato de filmes como COISAS SECRETAS (2002) e OS ANJOS EXTERMINADORES (2006) serem um convite mais do que atraente para mim, por razões óbvias.

Mas, assim como acontece com diretores como Walter Hugo Khouri, a nossa compreensão do cinema desses artistas vai muito além do conteúdo erótico de suas obras, uma vez que vamos nos aprofundando em suas poéticas. Até porque seus primeiros filmes não tinham todo esse apelo sensual. É o caso deste DE BARULHO E DE FÚRIA (1988), uma obra muito mais interessada em lidar de maneira afetiva e compreensiva com a figura de delinquentes juvenis.

Gosto de como Brisseau nos deixa sempre intrigados em seus filmes, especialmente quando trata de questões de natureza mais metafísica e misteriosa, como é o caso aqui, por mais que seja uma obra que se aproxime mais do seu amor e de sua solidariedade pelos marginalizados e pelos espíritos solitários. Mesmo quando o marginalizado em questão é tão difícil de ser amado, como o personagem Jean-Roger (François Négret).

Ele é um rapaz que já é apresentado queimando os tapetes dos apartamentos de seu condomínio. Presepadas piores ele faria e que me deixariam muito inquieto e irritado, especialmente o que ele faz com um cachorrinho e o que ele faz com sua professora. Sim, este é também mais um "filme de professor" de Brisseau, ou da figura do professor acolhedor. Aqui, no caso, a professora é a bela Fabienne Babe, que tem a missão de ensinar, com muita paciência, ao grupo de alunos mais problemáticos da escola. DE BARULHO E DE FÚRIA é também um filme de gangues e da aproximação perigosa do menino Bruno (cuja mãe nunca aparece, a não ser pela voz, em bilhetes deixados) com esse grupo de delinquentes juvenis.

Há uma cena logo no início que me pareceu de certa forma ousada (e muito provavelmente impraticável nos dias de hoje), envolvendo nudez e toque, e talvez a excelente cópia em 1080p às vezes me faça esquecer que este é um filme dos anos 1980 e não um novo. A tal cena também une os dois polos de atração de Brisseau: a carne e o espírito; a ânsia pela sexualidade e a curiosidade pelo que existe além do plano material.

A solidão do menino Bruno é aplacada em seu apartamento pela voz da mãe e também pela aparição de uma espécie de mulher fantasma, que tem ao mesmo tempo algo de erótico e de maternal. Deixo para os estudantes de psicologia a análise dessa situação, embora seja fácil pensar em Freud quando se junta erotismo e maternidade numa mesma frase. E até podíamos falar em Khouri aqui mais uma vez e tentar uma aproximação com o cinema dos dois realizadores. Mas deixemos para uma outra oportunidade, embora eu não me ache apto para fazer esse tipo de estudo ou reflexão mais aprofundada.

Também podemos fazer uma aproximação do cinema de Brisseau com as obras de Nicholas Ray, do ponto de vista do acolhimento às pessoas marginalizadas ou espiritualmente necessitadas. O acolhimento em Brisseau aparece em filmes tão diferentes quanto CÉLINE (1992), A GAROTA DE LUGAR NENHUM (2012) e QUE LE DIABLE NOUS EMPORTE (2018), seu filme-testamento. Ou seja, o cineasta deixou o mundo tornando clara seu sentimento pela dor do outro.

Agradecimentos à Paula pela companhia durante a sessão.

+ DOIS FILMES

JUNIOR

A Mubi está disponibilizando este filme de estreia da dona da Palma de Ouro deste ano, Julia Docournau. O curta-metragem JUNIOR (2011) não chega a ser um filme de horror, mas já antecipa o body horror que a diretora exploraria mais tarde nos longas RAW (2016) e principalmente em TITANE (2021). Aqui temos a história de uma garota que se sente estranha, se diferencia das outras meninas da escola por não ser tão feminina, tem amizade com os garotos, e que, mais adiante, será submetida a uma metamorfose bem estranha em seu corpo. Lembrei-me do curta UM RAMO, de Juliana Rojas e Marco Dutra, mas o tom aqui é outro, mais leve, embora promova aquela sensação de estranheza com o próprio corpo humano - destaque para a cena do dentista.

THE PRIVATE AFTERNOONS OF PAMELA MANN

Ver filmes adultos da era de ouro do gênero requer um pouco de compreensão do que esperar ou não esperar, já que não é a mesma coisa de ver um filme "adulto" (evitando usando o outro adjetivo) feito nos dias de hoje e sem intenções formais mais ambiciosas ou minimamente ambiciosas. Vi este aqui por causa do diretor (o mesmo do excelente A IMAGEM, 1975), mas que aqui assina com o pseudônimo Henry Paris. Não entendo quais são os critérios para ele assinar diferentemente - talvez seja a qualidade dos filmes. O que impressiona marcadamente neste THE PRIVATE AFTERNOONS OF PAMELA MANN (1974) é a luz, a beleza da fotografia, que combina bem com o tom da pele da linda Barbara Bourbon. Mas falta tesão ao filme em boa parte da metragem (e isso fica explícito - sem trocadilhos) no desempenho das cenas. Então, seria melhor se fosse um filme de sexo simulado mesmo. Acabei vendo "em fascículos" ao longo de vários meses e gostei do modo como termina e também da leveza e do senso de humor. Na trama, marido contrata detetive particular para saber o que sua esposa anda fazendo durante as tardes. Há uma brincadeira com o uso das câmeras, com o voyeurismo e de como o cinema e o sexo se entrelaçam positivamente como um estimulante na cena final. Valeu ver, mas da próxima vez tento pegar um com a assinatura Radley Metzger mesmo.

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