terça-feira, setembro 21, 2021

AMADA AMANTE



Nos últimos dias minha energia tem andado em baixa na mesma medida que o trabalho tem aumentado. Em situação de desvantagem como essa, é natural que o blog tenha ficado sem atualização por tanto tempo. Por isso, ao contrário das postagens sobre Brian De Palma, que costumam render muitos parágrafos e estudos, hoje gostaria de ser um pouco mais objetivo. Não que o filme em questão não mereça uma atenção maior. É o caso de merecer sim

AMADA AMANTE (1978) é o quarto longa-metragem dirigido por Cláudio Cunha, e o primeiro que contou com a parceria com sua musa Simone Carvalho, que aqui só tinha 18 anos (ou talvez até menos), no papel de uma jovem carioca que toma a iniciativa quando se interessa pelo rapaz recém-chegado do interior e ainda um pouco ingênuo com aquele novo mundo que o cerca.

Mas o meu impulso para ver o filme neste momento foi como forma de homenagear Luis Gustavo, que aparece como um dos personagens principais deste filme-coral. Gustavo faleceu no último domingo, 19, e por mais que seja uma pena ele não ter feito muito cinema, não dá para não ficar grato com seu trabalho na televisão, especialmente no humor.

Em AMADA AMANTE ele é Tuca, que assim como Miriam, a jovem personagem de Carvalho, está muito habituado ao ambiente de mais malandragem do Rio de Janeiro. Malandragem, no bom sentido. Por mais que pareça a princípio um sujeito que possa ser mal intencionado, ele se mostra bem interessado em um relacionamento mais sério com a jovem Fátima (Sandra Bréa), a mais velha da família de interioranos. Na verdade, no começo achei difícil um pouco comprar a atriz para o papel, mas ela é tão boa que logo esqueci esse detalhe. 

O título (“Amada Amante”) tem mais a ver com ser o primeiro a aproveitar da popularidade da canção homônima de Roberto Carlos do que com o enredo ou o tom do filme em si, que está mais para a comédia. Na verdade, houve uma batalha pelo título da canção, tal a popularidade de Roberto naquele fim de década. Bruno Barreto estava pronto para dar o mesmo nome a seu filme (que depois ganharia o título de AMOR BANDIDO), e até usaria a canção do Rei em momentos de seu trabalho, e por isso ficou “p da vida” com Cunha quando soube que ele havia comprado primeiro os direitos de uso.  

Mas o que importa mesmo é a leveza e a dinâmica do filme, que traz como primeiros nomes do elenco os de Sandra Bréa e de Luiz Gustavo, mas que também traz, além da já citada Simone Carvalho, um elenco respeitável. O filme funciona tanto como uma crítica ao falso moralismo, quanto como um entretenimento mais adulto e picante sobre as relações que uma família recém-chegada do interior começa a ter ao chegar na Cidade Maravilhosa.

Em AMADA AMANTE, quase todos os personagens ganham parceiros amorosos, por assim dizer. Augusto, o pai de família, vivido por Rogério Fróes, que vem com a esposa e os três jovens filhos para a cidade grande para começar um trabalho, sofre as tentações da carne ao ser seduzido pela secretária Aparecida, vivida por Ana Maria Kreisler, que no mesmo ano estaria na obra-prima A FORÇA DOS SENTIDOS, de Jean Garrett, desempenhando uma das melhores cenas de sexo da história do cinema brasileiro. No filme de Cunha ela é um pouco menos valorizada nesse sentido, mas não dá pra reclamar, já que temos uma história bastante equilibrada na condução de seus personagens. O roteirista, aliás, é Benedito Ruy Barbosa, mais conhecido por seus trabalhos em telenovelas.

AMADA AMANTE seria o primeiro de uma trilogia de filmes que Cunha faria no Rio de Janeiro (seu cinema é o da Boca do Lixo paulistana), por isso é uma visão de quem vem de fora, e por isso mesmo de certo encantamento. Os outros dois filmes foram SÁBADO ALUCINANTE (1979) e PROFISSÃO MULHER (1983).

+ DOIS FILMES

A NUVEM ROSA

Mais do que o impressionante fato de ser um filme escrito e filmado antes da pandemia e parecer uma premonição, A NUVEM ROSA (2021), de Iuli Gerbase, é um baita drama perturbador e de certa forma familiar a um momento de nossas vidas. Na história, gás tóxico de cor rosa surge e passa a matar as pessoas que não estão protegidas em suas casas, com as janelas fechadas. A trama se concentra em um casal e eventualmente temos também notícias de amigos e familiares com quem eles se comunicam via internet. O filme teve uma ótima repercussão no Festival de Sundance deste ano. Com certeza merece ser mais conhecido e divulgado.

RODANTES

Considero RODANTES (2019), de Leandro Lara, um dos filmes brasileiros mais intensos lançados no circuito neste ano. O problema talvez esteja no fato de faltar equilíbrio entre as três histórias (que não exatamente se cruzam, mas se tangenciam). A história da personagem de Caroline Abras eclipsa as outras duas (a do migrante do Haiti e a do rapaz que arranja emprego em um restaurante). Ela é uma jovem mulher que tem uma inquietação tão forte que precisa estar o tempo todo se deslocando, não importando se vai parar nos lugares mais inóspitos do Brasil profundo, trabalhando como prostituta ou doméstica eventual. Sua história é tão boa que poderiam ter podado as demais e criado um único filme só com ela. Mas gosto da proposta de RODANTES e de como ele nos leva para um tempo-espaço que parece o fim do mundo, como quando a personagem passeia por um lugar rodeado pelo caos de uma chacina. Há também muitos simbolismos (o fogo, o sangue, a água) que ajudam a tornar a experiência bem interessante, assim como o uso de flashbacks e flashforwards que contribuem para essa sensação de desnorteamento.

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