Nesta semana recebemos duas tristes notícias em menos de 24 horas. Dois dos maiores atores do cinema e da televisão brasileiros foram embora deste plano astral. No caso de Paulo José (1937-2021), fiquei mais triste, pois a própria figura que ele encarnava já me era muito simpática. Na minha infância, assistia com prazer na televisão preto e branco da minha casa a série SHAZAM, XERIFE & CIA. (1972-1974), em que Paulo José (Shazam) é parceiro de Flávio Migliaccio (Xerife). Minha memória dessa série é bem nebulosa, mas ficou uma sementinha de carinho imenso por esses dois atores (Migliaccio se foi no ano passado, tirando a própria vida, com desgosto do país). E depois, mais velho, pude me encantar com o personagem Paulo, de TODAS AS MULHERES DO MUNDO (1966), de Domingos de Oliveira, filme feito como uma forma de reconquistar um grande amor.
Já Tarcísio Meira (1935-2021), é mais conhecido como um ator de televisão, mas contribuiu com filmes importantes nas décadas de 1960 a 1990. Aliás, há a curiosidade de que tanto Paulo José quanto Tarcísio Meira interpretaram o personagem mais icônico da filmografia de Walter Hugo Khouri, o mulherengo inconformista e existencialista Marcelo. Paulo José o interpretou como um jovem inquieto em AS AMOROSAS (1968), enquanto Tarcísio o personificou como quase um vampiro em EU (1987). Ambos são filmes fabulosos.
Ainda sobre Tarcísio, guardo também com carinho certos personagens que ele incorporou na televisão. Quando era criança e era apaixonado por uma menina da terceira série, estava sendo exibida a novela cômica GUERRA DOS SEXOS (1983-84), em que ele contracena principalmente com Glória Menezes. (Mas na época eu ficava mesmo era fascinado com a beleza de Maitê Proença e Maria Zilda.) Outro papel de Tarcísio muito marcante para mim foi o do bruto Hermógenes, em GRANDE SERTÃO: VEREDAS (1985). Além disso, destaco o momento em que ele interpretou o escritor Euclides da Cunha em DESEJO (1990), uma história trágica de infidelidade.
Quando morre algum cineasta ou algum ator querido, eu me sinto na obrigação de homenageá-lo. Então, estes dois filmes foram frutos da vontade de vê-los em cena, mas também da vontade de ver bons ou ótimos trabalhos. Pois, ao contrário do que muita gente pensa ou imagina, o nosso cinema é imenso.
DIAS DE NIETSCHE EM TURIM
Escolhi o filme errado para homenagear Paulo José. Afinal, o ator só aparece muito rapidamente no começo e no final de DIAS DE NIETSCHE EM TURIM (2001), e sem pronunciar nenhuma palavra. Assim, fico devendo uma real homenagem ao tão querido ator. O lado bom foi poder finalmente ver esta maravilha de experimentação de Júlio Bressane, que brinca brilhantemente com os poucos recursos (financeiros) que tinha à disposição e mais uma vez presta tributo a figuras históricas. Ele já havia feito SERMÕES – A HISTÓRIA DE ANTÔNIO VIEIRA (1989), SÃO JERÔNIMO (1999) e ainda faria o maravilhoso CLEÓPATRA (2007), talvez o meu favorito dele. A opção por fazer um filme mudo, exceto pela música, pela voz do narrador (Nietzsche, interpretado por Fernando Eiras) e por sons de ruas, outros ruídos e música, estabelece as regras, mas a partir de então há toda uma liberdade para brincar com a câmera, que às vezes rodopia como que para mostrar o estado de espírito do personagem.
O filme é também uma celebração da beleza e da arte, pelas próprias palavras de Nietzsche, que escreve mui alegremente em suas cartas, feliz por estar gostando muito da cidade de Turim (ficou encantado com Carmen de Bizet, que viu pela primeira vez no teatro), após passar por um período muito ruim na Alemanha (ele diz ter se sentido crucificado lá). A celebração da alegria dionisíaca também comparece com entusiasmo em suas falas/escritos. E como a beleza, para Bressane, também está presente nos corpos nus femininos, ele dá um jeito de mostrar, ainda que muito rapidamente, imagens de corpos nus - ou partes de corpos -, como que mais um motivo para a alegria de viver terrena.
Aliás, achei muito interessante ter uma imagem do filósofo, que pra mim sempre me pareceu muito raivoso, aqui aparecendo feliz. Bressane demorou uns cinco anos filmando a cidade e depois partiu para a montagem. As personagens de Mariana Ximenes e Leandra Leal, tão lindas quanto jovens, parecem figuras divinas a olhar com sabedoria e sorrisos enigmáticos para o nada (ou para o tudo). No mais, o filme é um incentivo para que nós nos aprofundemos na obra (e um pouco na biografia) do filósofo, a fim de desfrutar mais essa experiência, e ter mais um motivo para revê-lo. No final, há a surpresa de ver imagens reais de Nietzsche, já bastante abatido e muito doente, completando o elenco nos créditos.
MÁSCARA DA TRAIÇÃO
O título escolhido por mim para homenagear Tarcísio Meira foi MÁSCARA DA TRAIÇÃO (1969), um filme de golpe bem rocambolesco e divertido, envolvendo um triângulo amoroso formado pela mulher (Glória Menezes ) de um chefe autoritário (Tarcísio) e um empregado da companhia (Claudio Marzo) com talento para as artes. A trama começa a empolgar depois de uns 25 minutos de filme, quando o golpe fica estabelecido, mas não o suficiente para que saibamos de tudo. Vamos sabendo à medida em que as coisas vão acontecendo. Tarcísio Meira está ótimo fazendo papéis diferentes e o filme ainda traz a simpatia do já citado Flávio Migliaccio.
Achei bom demais descobrir a existência deste filme, o que só prova que o nosso cinema é uma caixinha de surpresas. Existem pérolas escondidas em épocas variadas. Filmes que fogem do que normalmente se espera de uma produção brasileira do período. Assim, por mais que eu não tenha ficado totalmente satisfeito com a conclusão da trama, não dá pra negar a inventividade do filme e a coragem de não se importar com a inverossimilhança. Agora, é impressão minha ou perto do final os rolos estão trocados?
MÁSCARA DA TRAIÇÃO é considerado um filme bem atípico na carreira do diretor Roberto Pires, que é mais conhecido por trabalhos de temática social, como A GRANDE FEIRA (1961) e TOCAIA NO ASFALTO (1962). E o que vemos aqui é um filme que se assemelha muito ao cinema de ação americano ou a séries como MISSÃO: IMPOSSÍVEL, mas principalmente a A OUTRA FACE, de John Woo.
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