domingo, julho 18, 2021

ROMA, CIDADE ABERTA (Roma Città Aperta)



Coincidentemente, se é que há coincidências, justamente no dia do anúncio dos vencedores de Cannes 2021, vi finalmente ROMA, CIDADE ABERTA (1945), vencedor do Grand Prix em Cannes 1946. Nem foi preciso passar muito tempo para perceber o quanto o filme de Roberto Rossellini foi fundamental para tudo o que viria a seguir, sua forte influência na chegada dos novos cinemas que desabrochariam no mundo a partir de meados dos anos 1950. Aqui no Brasil, por exemplo, a influência de Rossellini em RIO 40 GRAUS, de Nelson Pereira dos Santos, se vê a olhos nus.

Infelizmente tenho um débito gigante com a filmografia de Rossellini. Se não fosse a chance de ver no Cinema do Dragão uma cópia remasterizada de STROMBOLI (1950), esse teria sido meu primeiro filme visto do cineasta. Para diversão e também para compreensão do trabalho do diretor, peguei alguns livros que tratam do filme, mesmo que de maneira breve para me ajudarem neste texto.

Para Dana Duma, em texto curto para o livro 1001 Filmes para Ver Antes de Morrer, “ao mostrar pessoas reais em locações reais, o filme trouxe uma lufada de ar fresco para o cinema do Ocidente”. E de fato é impressionante o modo como as locações (a Itália destruída do pós-guerra) são tão bem-utilizadas. Gosto demais de uma cena em que um grupo de homens da resistência atira nos carros dos nazistas que levam prisioneiros para execução e/ou tortura. A cena é impressionante e de fato realista. E há a cena que virou ícone do filme, de Pina, personagem de Anna Magnani, grávida, correndo para tentar evitar, desesperadamente, que o marido seja levado pelos alemães. Essa cena é parte de uma sequência cheia de suspense e tensão, toda passada na rua e dentro de um prédio velho.

O estilo visual mais cru se justifica em palavras do próprio diretor, presente em livro de Tag Galagher (The Adventures of Roberto Rossellini): “Se eu, por engano, fizer um plano bonito, eu o corto”. A busca do realismo, porém, ainda estava associada ao melodrama que o cinema mais tradicional italiano continuaria abraçando, com uma forte presença da música. Mas isso faz parte também da beleza dessas obras. Como sou apreciador de melodramas, adoro esses trabalhos de temática social que oferecem momentos de extrema força dramática.

E o maior símbolo da força dramática de ROMA, CIDADE ABERTA está em Anna Magnani, que na época da realização do filme já era uma atriz profissional. Depois ela se tornaria uma espécie de mito, surgindo em obras fundamentais de diretores do primeiro escalão, como Luchino Visconti (BELÍSSIMA), Pier Paolo Pasolini (MAMMA ROMA) e, bem depois, nos anos 1970, em ROMA DE FELLINI, de Federico Fellini. O traço da evolução do neorrealismo italiano ao longo das décadas a partir da presença de Magnani foi descrita por Luiz Carlos Merten, em seu livro Cinema – Entre a Realidade e o Artifício.

No filme de Rosselini, ela até tem um papel mais curto do que eu imaginava. E fiquei surpreso com seu desaparecimento da trama de forma tão precoce para uma intérprete cujo nome inaugura os créditos. Acontece que ROMA, CIDADE ABERTA é um filme-coral, e por isso há toda uma costura para agregar os personagens comunistas, nazistas e os italianos dispostos a traírem seus compatriotas, às vezes de maneira cruel, às vezes de maneira confusa – considero a história da personagem de Maria Michi, que trai o próprio namorado, mais trágica do que a de Pina, personagem de Magnani, especialmente quando ela vê o resultado de sua traição.

É importante também destacar que estamos diante de um filme que já marca o catolicismo do cinema de Rossellini, que mais tarde faria títulos sobre São Francisco, Joana D’Arc, Santo Agostinho e o próprio Jesus. Aqui o maior representante da crença católica é o personagem de Aldo Fabrizi, o padre Don Pietro, que é mostrado como um homem totalmente devotado a suas convicções e que é capaz de dar a própria vida por elas. Em alguns momentos, Don Pietro é um elemento de alívio cômico para o filme e talvez por isso se torne tão querido pela plateia.

Enquanto via o filme, ficava imaginando as circunstâncias em que ele foi rodado, naquele momento em que o país estava em ruínas e a economia destruída. E de fato houve muita dificuldade por parte do diretor para conseguir materializar sua obra. Houve cheques sem fundo emitidos por produtores falidos, falta de película virgem (conseguida no mercado negro), que fez com que o diretor tivesse que improvisar e filmar cenas curtas por força da situação, além do trabalho com atores desconhecidos, excetuando Anna Magnani. Por causa disso, o roteiro era constantemente modificado. Em virtude do sucesso nos festivais e entre boa parte da crítica, especialmente na França, o filme serviu de exemplo para que países mais pobres e sem uma indústria cinematográfica estabelecida, como Brasil, Argentina e Índia se espelhassem nele e no movimento que surgia para também fazer cinema, apesar das condições precárias. Não há como negar o quanto isso foi positivo.

Agradecimentos à Paula pela companhia durante a sessão.

+ DOIS FILMES

MY FIRST SUMMER

Longa-metragem de estreia de Katie Found, MY FIRST SUMMER (2020) é muito bonito no modo como desenvolve a amizade das duas meninas carentes, sendo que uma delas têm um problema muito mais sério, já que perdeu a mãe muito recentemente. Grace, a morena (Maiah Stewardson), representa o colorido que falta na vida de Claudia (Markella Kavenagh) e isso se reflete de maneira bem explícita. Na fotografia, nas roupas, nos doces que ela traz etc. Há claras referências a Virginia Wolf, seja recitando um trecho de As Ondas, seja por causa de seu suicídio. O filme também cresce bastante quando a relação das duas meninas começa a caminhar para uma maior intimidade, mas sempre com um cuidado para não ser exploratório. Na verdade, esse processo de descoberta é até mostrado com certo grau de inocência. Filme pequeno que cresce na memória e desce redondinho.

PREPARATIVOS PARA FICARMOS JUNTOS POR TEMPO INDEFINIDO (Felkészülés Meghatározatlan Ideig Tartó Együttlétre)

Um filme sobre o amor e a ilusão. Aqui temos uma história que começa de maneira bastante instigante e que segue instigante até o final. Em PREPARATIVOS PARA FICARMOS JUNTOS POR TEMPO INDEFINIDO (2020), de Lili Horvát, mulher de quase 40 anos, cirurgiã bem-sucedida morando e trabalhando nos Estados Unidos, volta a sua cidade natal, Budapeste, a fim de encontrar um homem que ela havia conhecido em Nova Jersey. Acontece que, diferente do combinado (será?), o sujeito diz que não a conhece. Começa uma jornada de compreensão (ou não) de sua própria sanidade ou de sua visão do amor. O filme tem uma ótima edição, uma atriz principal muito carismática (Natasa Stork), um clima que às vezes remete ao nosso querido Kieslowski, uma Budapeste fria mas convidativa, e momentos de melancolia regados a Schubert. Uma bela surpresa.

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