segunda-feira, junho 28, 2021

O HOMEM DE DUAS VIDAS (Get to Know Your Rabbit)



Aqui temos Brian De Palma insistindo mais uma vez na comédia. Pelo menos as anteriores me pareceram mais charmosas, talvez por terem um tempero godardiano. Em O HOMEM DE DUAS VIDAS (1972) não. Mas se o filme não me parece assim tão atraente, o que há para se entender da obra pelo viés do autorismo? Na verdade sempre há muita coisa e a gente acaba descobrindo, na maioria das vezes, através de livros e críticas. O livro Brian De Palma's Split Screen - A Life in Film, de Douglas Keesey, tem me ajudado muito nesse sentido. Uma obra preciosa para ajudar a decifrar o homem e o cineasta. E a descobrir também o que acontece nos bastidores e a entender o contexto em que tudo aconteceu.

O HOMEM DE DUAS VIDAS foi o primeiro filme de estúdio de De Palma, quando ele saiu de Nova York para Los Angeles. Na época, os executivos dos estúdios estavam querendo aproveitar o sucesso dos novos diretores, que seriam mais tarde chamados de "a Nova Hollywood". Até porque o velho modelo parecia estar fadado ao fracasso. Eles não haviam esquecido o desastre que foi a bilheteria da superprodução CLEÓPATRA, de Joseph L. Mankiewicz, por exemplo. Sangue novo, portanto, significava menos gastos nos orçamentos. Pelo menos por enquanto. Mais à frente, a história iria se repetir com novos protagonistas.

O livro que estou lendo não conta em que momento aconteceu, mas é fato que De Palma foi demitido. Ele não se conformava com as interferências dos produtores e acabou sendo desligado. Seu filme ganhou um novo final e foi remontado ao gosto dos "donos". E isso aconteceu por volta de 1970, seu filme ficaria na geladeira e um tanto esquecido por cerca de dois anos. O conflito entre a independência e Hollywood seria uma constante na carreira do cineasta.

A escolha de De Palma por parte da Warner se deu por causa do sucesso de QUEM ANDA CANTANDO NOSSAS MULHERES (1968) e havia uma intenção do estúdio em promover comédias feitas por esses diretores jovens e meio malucos. No mesmo ano da estreia de O HOMEM DE DUAS VIDAS, por exemplo, entrou em cartaz ESSA PEQUENA É UMA PARADA, de Peter Bogdanovich, remake do clássico LEVADA DA BRECA, de Howard Hawks.

O enredo de O HOMEM DE DUAS VIDAS é um tanto maluco. Na verdade, se percebe que não temos aqui um filme de trama. As coisas vão acontecendo meio que ao sabor do vento e há situações que vão sendo incluídas à medida que as ideias vão surgindo. Mas essa impressão já era comum no cinema nascido na segunda metade da década de 1960. Acontece que para uma comédia isso acaba deixando tudo mais nonsense.

Na "trama", um homem de negócios, Donald Beeman (Tom Smothers), decide deixar de lado sua vida profissional por acreditar que ali só encontrava vazio espiritual. Não se importou nem mesmo com a bomba que estava prestes a explodir no edifício. Aliás, é curioso esse simbolismo de explodir coisas do De Palma, já que isso acontece também em OLÁ, MAMÃE! (1970). O diretor usa o recurso do split-screen para dar um efeito de finalização de momento para o protagonista, enquanto ele sai do prédio.

Donald passa então a se dedicar a aprender a técnica de mágico sapateador, coisa que a princípio me pareceu bem estúpida de ver, mas que talvez seja algum tipo de tradição americana. Seu mestre nessa arte é o senhor Delasandro, vivido por Orson Welles. O fato de De Palma trazer Orson Welles para o papel de um mestre de mágicos não foi em vão, embora, para um filme como este, fica parecendo até falta de respeito com o mestre - se bem àquela altura Welles estava topando qualquer coisa para pagar as contas.

Aliás, é bem curioso um momento do filme, quando Welles/Delasandro pergunta a Donald se ele gostaria de ser o filho que ele nunca teve e Donald diz que não. Ou seja, há um forte simbolismo de que Welles não representava aquilo que De Palma gostaria de ser; ao contrário, era uma lição do que ele deveria evitar. Tanto que, mesmo com dificuldade, De Palma voltaria a trabalhar com Hollywood, se equilibrando entre o autorismo e as concessões.

Do ponto de vista sexual, algo comum em suas obras, a cena da castração sugerida por algo que corta um legume havia aparecido já em FESTA DE CASAMENTO (1969) e se repete em outra cena deste filme. E há também uma espécie de elogio à masturbação, que ocorre pelo menos em dois momentos: quando Delasandro avisa que o aprendiz de mágico não estava segurando seu coelho direito, e acontece quando o rapaz também encontra a bela jovem sem nome vivida por Katharine Ross. A moça fica tão entusiasmada com ele, tão feliz em estar com ele, que não acredita que aquelas mãos que tocam os coelhos estariam tocando nela. Seria quase uma fantasia por parte do cineasta se materializando.

Assim como parece ser uma fantasia o tal do incrível saco de fuga, um saco mágico que faria desaparecer quem entrasse nele. A questão da fuga aparece em todos os filmes anteriores do diretor. Principalmente a fuga do casamento, mas também do exército. Aqui há a fuga da burocracia, mas há também uma fuga no final que é mais romântica, para os braços da mulher amada. Porém, essa cena final foi imposta pelos produtores, não veio do diretor. De todo modo, não chega a ser um final ruim. Como o filme em si é problemático, não dá pra dizer que foi algo que veio para estragá-lo. Afinal, o estrago já estava feito.

+ DOIS CURTAS


THE CRITIC

Divertido curta de três minutos em que Mel Brooks narra uma animação de arte moderna e simbolista em uma suposta sala de cinema com pessoas reclamando dele e pedindo silêncio. Não sei onde THE CRITIC (1963), dirigido por Ernest Pintoff, chegou a passar. Provavelmente abrindo sessões de outros filmes da época. O legal é que as observações ou tentativas de compreensão de Mel parecem inteligentes, mesmo querendo destratar ou tirar um sarro de um tipo de arte que ainda se faz bastante hoje.

CATERINA

O filme mais recente de Dan Sallitt é este curta-metragem, CATERINA (2019). Como só vi dois longas dele, que possuem um tempo maior de respiro, até pela duração, senti falta de um maior aprofundamento na protagonista, Caterina (Agustina Muñoz), uma sul-americana que mora nos Estados Unidos e tem passado por situações em que se sente incompreendida ou mal tratada. O filme é formado por blocos de cena bem destacáveis, todos apresentando esse tipo de situação da personagem, algo que aparece, de certa maneira, nos longas O ATO INDIZÍVEL (2012) e FOURTEEN (2019). Mas aqui esse elemento, deliberadamente, se intensifica. São pequenos gestos, como uma atenção após uma transa, ser atendida com respeito em um estabelecimento comercial, uma conversa sobre exclusividade com um pretendente a namorado etc.

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