sexta-feira, março 12, 2021

AUDÁCIA!



Aqui se percebe uma evolução de Carlos Reichenbach na maior espontaneidade com que ele fala de seus interesses, em especial o pensar cinema e o fazer cinema. Carlão achava uma ironia o fato de estar terminando a faculdade de cinema com a intenção de ser roteirista e estar dirigindo um filme sem roteiro, todo pensado à medida que ia sendo filmado. Esse é o clima de AUDÁCIA! (1970), uma continuação espiritual de AS LIBERTINAS (1968), no sentido de ser da mesma produtora independente, mas com uma evolução técnica maior.

Há também bem mais citações à Nouvelle Vague e a Samuel Fuller. O filme se inicia como um documentário apresentando a Boca do Lixo, o cenário em que trabalhavam os principais cineastas de São Paulo. Lá estão Rogério Sganzerla, José Mojica Marins, Ozualdo Candeias, Maurice Capovilla. Aliás, há cenas do set de O PROFETA DA FOME, de Capovilla. Carlão faz uma transição para a ficção de maneira bem inteligente ao colocar sua protagonista, a cineasta Paula Nelson (Maria Cristina Rocha), entrevistando José Mojica Marins, interpretando a si mesmo e dando conselhos para a novata.

A partir de então começa de verdade o segmento "A Badaladíssima dos Trópicos x Os Picaretas do Sexo", em que Paula decide conseguir dinheiro com seu namorado, um rico fazendeiro, para fazer seu primeiro filme. Durante as filmagens, o namorado se envolve com a atriz principal e ela, por sua vez, se envolve com um amigo ator, ainda que seja um envolvimento sem sexo. Curiosamente Paula se orgulha de permanecer virgem. O que é, aliás, algo que faz parte das contradições comuns de se encontrar nos filmes de Carlão, vide GAROTAS DO ABC (2003), que traz uma jovem negra namorando um neonazista.

A figura de Paula parece claramente um alter-ego de Carlão, tanto pela paixão pelo cinema, quanto pelo desejo de fazer filmes e seus ideias libertários e políticos sendo explicitados na fala e nos gestos. O filme vai perdendo um pouco do bom ritmo interessante de seu início à medida que a ficção (o filme sendo realizado por Paula) vai se misturando com a realidade. Ainda assim, é um prazer poder ver mais este filme do realizador. Até por ser um filme que se aproxima mais com as obras que Carlão tanto amava, que eram os filmes B americanos, os exploitations e as obras de jovens cineastas da época.

O longa se encerra com o segmento de cerca de meia hora chamado "Amor 69", de Antônio Lima, que também apresenta a história de um cineasta obcecado (dessa vez um homem) que procura locações para seu filme. Ao final, o diretor quer mesmo é ver a atriz tirando a roupa para seu filme. Bem mais descompromissado que o filme do Carlão, o segmento de Lima expande o amor pelo cinema brasileiro, ao incluir homenagens explícitas a nomes como Nelson Pereira dos Santos, Glauber Rocha, Roberto Santos, entre outros.

AUDÁCIA! traz um clima de contracultura muito mais intenso do que AS LIBERTINAS, embora seja tão irregular quanto. Eu até diria que AS LIBERTINAS sai ganhando um pouco por causa do curta de João Callegari.

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