quinta-feira, fevereiro 18, 2021
UM NOVO DUETO (Une Autre Vie)
Quando, no final do ano passado, soube que o mais recente filme de Emmanuel Mouret, LOVE AFFAIR(S) (2020), esteve presente no top 10 da Cahiers du Cinéma, fiquei bastante feliz. E minha alegria aumentou quando soube que esse mesmo filme foi o recordista de indicações ao César, o Oscar francês. Ou seja, o cineasta cuja obra passei a acompanhar com mais carinho e maior aproximação a partir do ano passado, embora já conhecesse um pouco em outras ocasiões, agora é um dos queridos da crítica.
Minhas visitas aos filmes de Mouret têm me mostrado também surpresas muito agradáveis, especialmente quando entrei em contato com algo próximo de um melodrama com toques satíricos, MADEMOISELLE VINGANÇA (2018), e uma comédia amarga, ROMANCE À FRANCESA (2015). Até então, a experiência que eu tinha com o cinema de Mouret era de diversão bem leve, acima de tudo, com influências óbvias (Allen, Rohmer) e outras não tão óbvias (Hawks, McCarey, Lubitsch).
Essa mudança na carreira ao abraçar agora o melodrama se deu a partir de UM NOVO DUETO (2013), filme com ares de Douglas Sirk, tanto no tom quanto no tema das diferenças de classe como um elemento de forte obstáculo para a prosperidade de um romance. No caso, a diferença aqui se dá entre uma pianista famosa dentro dos círculos de música erudita, Aurore (a italiana Jasmine Trinca), e um eletricista, Jean (o ex-rapper JoeyStarr). Ou seja, apesar de surgir uma atração mútua entre os dois, eles têm pouco em comum no que se refere a educação cultural.
Além do mais, Jean é casado com a vendedora de loja Dolorès (Virginie Ledoyen, de SÓ UM BEIJO POR FAVOR, 2007). Dolorès vai se mostrar não apenas um empecilho para a relação entre Jean e Aurore, mas também uma personagem não só dona da própria vida, mas dona da narrativa do filme. Aliás, é muito bonito e também bem curioso o modo como Mouret nos faz abraçar certas personagens que parecem, a princípio, figuras pouco dignas de nosso afeto. Acontece com a mulher cheia de rancor de MADEMOISELLE VINGANÇA e a jovem ligeiramente irritante de ROMANCE À FRANCESA. Esse aspecto de humanidade e de aprofundamento de seus personagens começou a se manifestar com mais força justamente a partir deste UM NOVO DUETO.
Os elementos do melodrama comparecem tanto no tom solene da linda trilha sonora de Grégoire Hetzel (o mesmo de INCÊNDIOS, de Denis Villeneuve), quanto na gravidade com que os sentimentos dos personagens se apresentam e inclusive em uma situação que ocorre com uma importante personagem. Mais uma vez Mouret lida com um triângulo amoroso como elemento de tensão e culpa em seus personagens, em geral pessoas que parecem carregar o mundo em seus ombros. É o caso dos dois amantes, embora aqui se perceba isso com mais força na personagem de Jasmine Trinca.
Curiosamente, o filme teve críticas bem divididas na época de seu lançamento. Na verdade, pelo pouco que pude ler, as críticas em geral não foram muito favoráveis. Agora talvez seja a chance de ver o filme à luz da obra autoral de Mouret, de uma poética que vai mudando, se aperfeiçoando e se tornando cada vez mais sofisticada.
Agradecimentos à Paula pela companhia durante a sessão.
+ TRÊS FILMES
PEQUENA GAROTA (Petite File)
Eis um filme que daria uma excelente sessão dupla com o brasileiro LIMIAR, de Coraci Ruiz. Ambos nos apresentam mães lidando com a difícil situação de seus filhos/filhas em um momento de transição de gênero. No caso da menina de PEQUENA GAROTA (2020), de Sébastian Lifshitz, há um tratamento com uma psiquiatra que dá nome ao caso. A situação, mesmo assim, não deixa de ser angustiante, pois a mãe já prevê com frequência o futuro de agressão que a filha irá sofrer da sociedade. Até porque já sofre o bastante na escola. Há uma cena em especial que é muito comovente: a primeira consulta com a especialista e a garotinha, com lágrimas nos olhos, ainda não se sentindo à vontade para expor todas as suas angústias. A câmera, na altura da criança, acessa nosso sentimento de empatia.
O DINHEIRO (L'Argent)
Uma beleza esta cópia nova de O DINHEIRO (1983), de Robert Bresson. E uma honra poder vê-lo no cinema. A primeira vez que vi este filme não tinha me envolvido. Agora, prestando atenção na trama, nos vários personagens afetados pela nota falsa e no estilo singular da dramaturgia do diretor, tudo foi muito prazeroso. O aspecto do sacrifício, da culpa e da provação que seus personagens costumam passar está presente especialmente no personagem Yvon Targe, que se revela o mais importante. Por mais que pareça um conto moral - talvez o seja -, Bresson faz parecer algo ainda mais complexo, devido ao seu estilo de ausência de emoção explícita no comportamento de seus heróis. O que não quer dizer que seus filmes são desprovidos de paixão: ao contrário, eles esbanjam. Lindo e cruel filme de despedida de um mestre.
PERFIL DE UMA MULHER (Yokogao)
Primeiro de sete longas do diretor Kôji Fukada a estrear em circuito brasileiro. Acompanhamos em PERFIL DE UMA MULHER (2019), em duas linhas temporais, a história de uma mulher que trabalha/trabalhou como enfermeira particular, servindo há anos a uma mesma família, a idosa matriarca. Sua vida é virada de cabeça para baixo quando acontece algo grave envolvendo seu sobrinho e uma garota. O que temos é um enredo fácil de envolver, até por centrar sempre na protagonista e na mudança radical que se aplica na segunda linha do tempo. Em momento de cancelamentos constantes, não é difícil se solidarizar com a personagem.
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