Um filme que conta a história de Eleanor Marx, a filha de Karl Marx, já é suficientemente atraente, tanto para quem a conhece quanto para quem não sabe de sua história de vida, de sua luta. A escolha por um som punk rock para os créditos iniciais de MISS MARX (2020) me causou bastante simpatia. É algo parecido com o que Sofia Coppola fez em seu MARIA ANTONIETA. Ou seja, dá ao filme um quê de estranheza temporal, aproximando-o do nosso momento presente. Até porque a personagem é alguém muito à frente de seu tempo.
Como a própria diretora Susanna Nicchiarelli destacou em entrevista à Variety, Eleanor Marx não casou formalmente, decidiu não ter filhos e era muito dedicada à carreira política. Para aquela época, fim do século XIX, tudo isso era muito avançado, a sociedade inglesa não aceitava com tanta naturalidade. E falando em naturalidade, o que Nicchiarelli faz com sua direção, seu roteiro e seu elenco é admirável. Não há um engessamento nas falas, mesmo quando elas são transcritas diretamente de documentos históricos.
Quanto à narrativa adotada, me pareceu bem mais clássica do que à de seu longa anterior, NICO, 1988 (2017), outro filme da diretora que também traz um recorte da vida de uma pessoa real. Nicchiarelli, inclusive, achou tão fascinante fazer esse tipo de trabalho que disse que nem chega a pensar em trabalhar em outro projeto que também não seja uma biopic. O estimulante da experiência, segundo ela, é ter a liberdade de criar dentro de uma imposição histórica, já que não se pode mentir sobre a vida dessas pessoas reais.
Podemos destacar como um dos pontos altos do filme a interpretação de Ramola Garai. A atriz é a protagonista de ANGEL, de François Ozon, e foi indicada duas vezes ao Globo de Ouro por duas diferentes minisséries britânicas, EMMA e THE HOUR. Expressiva, Garai confere à protagonista o equilíbrio entre a força e a fraqueza, a dualidade em pregar os direitos das mulheres diante de multidões e ser mal tratada pelo marido, o dramaturgo e ativista Edward Aveling (Patrick Kennedy), um personagem curioso pelo modo como leva a vida, quase que sem ânimo de viver. Isso combina com os problemas de saúde que surgem mais adiante na narrativa.
Outro grande destaque de MISS MARX é o desenho de produção, que é de dar gosto, a cargo de Igor Gabriel (colaborador frequente dos irmãos Dardenne) e Alessandro Vanucci (que já havia trabalhado com a diretora em seus outros dois longas). Bem junto ao desenho de produção, a fotografia que destaca os tons bem vivos e coloridos é de Crystel Fournier, colaboradora tanto de Nicchiarelli quanto de outra cineasta importante, a francesa Céline Sciamma.
Talvez tenha faltado mais emoção ao abordar as paixões de Eleanor, tanto pelo companheiro quanto por seus ideais herdados do pai e trazidos para o feminismo, mas ainda assim é um filme bem digno e bonito e que tem tudo para ser sensação no circuito de filmes independentes quando acabar a Mostra de Cinema de São Paulo.
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