domingo, agosto 02, 2020

MISSISSIPI EM CHAMAS (Mississipi Burning)

O primeiro Oscar a gente nunca esquece. Já tinha visto anteriormente trechos da premiação ao vivo ou em reprises, mas foi em 1989, o ano do início de minha cinefilia, que eu comecei a ver prestando atenção em todos os indicados, embora ainda cometesse o descaso de ter perdido no cinema alguns filmes das categorias principais. E MISSISSIPI EM CHAMAS (1988) foi um deles, que só vi quando saiu em VHS. Mas lembro que ele passou no Cine Diogo, enquanto RAIN MAN, de Barry Levinson, o vencedor daquele ano, passou no Cine São Luiz. UMA SECRETÁRIA DE FUTURO, de Mike Nichols, também foi exibido no São Luiz. LIGAÇÕES PERIGOSAS, de Stephen Frears, vi no Cine Fortaleza. E o mais "alternativo" e melhor dos cinco indicados, O TURISTA ACIDENTAL, de Lawrence Kasdan, se não me engano passou no Cine Center Um. Não foi exatamente um ano tão bom para o Oscar, mas é o único ano que eu me lembro de cor todos os indicados.

Acabei revendo MISSISSIPI EM CHAMAS por ocasião da morte de seu diretor, Alan Parker, que deixou nosso plano na última sexta-feira, 31. E foi interessante constatar que muitos dos problemas sociais relatados no filme continuam muito presentes na sociedade americana, que durante a Era Obama talvez tenha ficado na surdina, não demonstrando de forma tão explícita o seu ódio e o seu preconceito contra os negros e também contra latinos, asiáticos etc. Pelo menos agora estamos vendo essas pessoas sem as suas máscaras, sem aquela fantasia de Halloween usada pelos membros da Ku Klux Klan.

Se fosse feito nos dias de hoje talvez MISSISSIPI EM CHAMAS desse mais protagonismo aos negros, mas eu diria que o resultado foi muito mais feliz do que eu lembrava, inclusive com cenas de destaque do elenco negro que vão bem além dos cultos e das passeatas de protesto. Há a cena de um agente do FBI negro que tem aquela conversa séria com o prefeito e que muda os rumos de tudo; e a há o posicionamento corajoso do menino que ousa falar com o agente vivido por Willem Dafoe, quando havia uma pressão imensa dos grupos racistas para que a comunidade negra não falasse nada para os forasteiros.

MISSISSIPI EM CHAMAS tem aquela coisa bem característica dos filmes de parcerias de policiais, que tratam de acentuar os contrastes entre os estilos de cada um. Aqui, temos um agente mais velho e mais cínico, vivido por Gene Hackman, um homem nascido no Mississipi, e que sabe como é a relação entre brancos e negros naquele lugar. Ele é também o agente que não tem tanto problema em fugir da cartilha para conseguir aquilo que julga necessário. Já o personagem de Willem Dafoe é um agente mais jovem, idealista e mais confiante em sua capacidade de mudar o mundo. Ele acredita que pode sim conseguir, através de meios legais, não apenas solucionar o caso dos três jovens desaparecidos, como fazer com que todos os responsáveis pagassem pelo que fizeram. Um meio termo acaba sendo necessário para a solução do caso.

Engraçado que eu percebi algo no filme que me fez lembrar da Velha Hollywood, dos filmes noir dos anos 1940 e 50, em especial no ato final, quando os agentes já estavam cercando os membros da Klan, inclusive os policiais. Destaque para a cena da barbearia, uma das mais memoráveis, e que mais traz à tona a força dramática de Gene Hackman, definitivamente um dos melhores atores a passar por Hollywood. As cenas em que seu personagem conversa com a mulher do policial, vivida por Frances McDormand, são também ótimas.

Quanto ao Oscar, das sete indicações que o filme recebeu, ganhou apenas a de melhor fotografia, realizada por Peter Bizou, que havia trabalhado com Parker em QUANDO AS METRALHADORAS COSPEM (1976) e PINK FLOYD - THE WALL (1982).

+ TRÊS FILMES

SEBERG CONTRA TODOS (Seberg)

Este filme já me ganhou por pelo menos dois motivos: 1) adoro a Kristen Stewart; e 2) tenho muito interesse na história de Jean Seberg. Até pouco tempo atrás não sabia nada sobre ela que não fosse sua atuação em filmes do Godard e do Preminger. Agora sei sobre o mistério em torno de sua morte, as queimaduras durante as filmagens de SANTA JOANA, o envolvimento com os Panteras Negras, o quanto o governo americano quis destruir essa mulher. Não sei o quanto do filme foi fiel aos fatos, mas creio que o que foi mostrado deve ter sido pelo menos muito próximo do que aconteceu. E Kristen não tenta imitar Jean, o que é ótimo. Ela tem seu próprio brilho. Depois de cinebiografias sobre Grace Kelly, Marilyn Monroe e mais recentemente sobre Judy Garland, esta é a que melhor conseguiu não apenas captar o espírito da personagem e da época, como também funcionar como thriller, drama e estudo da personagem. Uma bela surpresa. E que linda que é a canção que a Nina Simone canta nos créditos, hein? Direção: Benedict Andrews. Ano: 2019.

O RETORNO DE BEN (Ben Is Back)

Filme-irmão de QUERIDO MENINO, de Felix van Groeningen, este O RETORNO DE BEN junta o drama com um pouco de suspense em seu terceiro ato. Achei bem comovente, final acertado e tudo, e há uma cena linda demais, a cena da igreja. Mais uma ótima composição de Julia Roberts e também do jovem Lucas Hedges, que tem se arriscado em alguns papéis de garoto fora dos trilhos. Direção: Peter Hedges. Ano: 2018.

O CÍRCULO (The Circle)

Sempre bom ver a Emma Watson e o filme não chega a ser chato em nenhum momento, mas a gente percebe que é uma adaptação corrida de um livro, que muita coisa fica faltando explicar ou explorar de maneira mais interessante. Acaba sendo uma espécie de versão light de um episódio de BLACK MIRROR. Não deixa de ter o seu interesse. Direção: James Ponsoldt. Ano: 2017.

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