O nosso cinema já foi muito sexualizado. Tanto que chegou a incomodar muita gente. Muita gente hipócrita, eu diria. Mas também era um cinema que oferecia muita munição para aqueles que só diziam que o cinema brasileiro só tinha palavrão e mulher pelada. Embora não fosse só isso mesmo, o cinema produzido na Boca do Lixo tinha essa necessidade de ser apelativo, pois tinha que se auto-sustentar. Foi, aliás, um momento em que o nosso cinema conseguiu de fato ser uma indústria gloriosamente bem-sucedida. Claro que alguns diretores que queriam se expressar de maneira diferente acabavam tendo que jogar o jogo, mas isso fazia parte daquele momento.
Estava dando uma olhada no site da Ancine, na lista dos filmes mais vistos no cinema dos ano de 1980 e 1981, e é impressionante como praticamente só tinham filmes eróticos. O sexo explícito, inclusive, estava chegando ao nosso cinema. E David Cardoso, Ody Fraga e cia. tentaram aproveitar um pouco o momento, naqueles primeiros anos da década, ainda que ainda usando o sexo simulado. AS 6 MULHERES DE ADÃO (1981) tem pelo menos uma cena de sexo explícito logo no início: com o próprio diretor/produtor/protagonista recebendo um blow job de uma moça enquanto atende uma ligação. Ou seja, muito antes de Vincent Gallo fazer polêmica com BROWN BUNNY e aquela famosa cena de felação, David Cardoso saiu na frente.
Os filmes com David Cardoso tinham essa característica de usar muito sua imagem de galã bonito e homem musculoso para talvez ajudar a atrair também públicos interessados no corpo masculino. Também parecia haver algo de bastante narcisista ali. Ao mesmo tempo, Cardoso adorava brincar com sua fama nos filmes. Ele estaria em uma brincadeira semelhante em um segmento de A NOITE DAS TARAS Nº 2 (1982), interpretando a si mesmo e sendo assaltado por uma trupe de mulheres fãs.
Ter Ody Fraga como roteirista ajuda bastante a tornar os filmes de David Cardoso melhores, com uma voltagem erótica muito boa e ideias boas, mesmo com um enredo simples. AS 6 MULHERES DE ADÃO tem um fiapo de trama que se sustenta principalmente com as boas cenas de sexo. Cenas curtinhas, mas eficientes, em sua maioria. Na trama, um grupo de mulheres que já passaram pelas mãos do personagem de Cardoso se junta para uma festa-surpresa para o homem objeto do desejo delas, mas também objeto da ira. E é lá nessa casa (é a casa de Ronnie Von, soube hoje), elas ficam nuas, tomando banho de sol na piscina - isso era regra da dona da casa, mas certamente o único motivo de isso fazer sentido é mostrá-las todas nuas na piscina para nós, espectadores.
É lá que elas relembram suas experiências eróticas com o protagonista. E é através desses flashbacks que vamos conhecendo algumas dessas histórias. Gosto muito da cena do carro com Ely Cardoso (é uma das mais sexualmente intensas). E gosto também da cena em que Luiz Carlos Braga leva o nosso garanhão para transar com a própria esposa enquanto ele assiste - uma variação de algo que o próprio ator faria em MULHER TENTAÇÃO, de Ody Fraga, que também traz a bela Sandra Graffi. Creio que Sandra é a mulher mais famosa do elenco.
Quanto à tal surpresa, não é das melhores que elas preparam para o personagem. Na verdade, é um pesadelo para qualquer homem. É saindo dos flashbacks e trazendo Adão/Cardoso para a casa com todas as mulheres que a narrativa toma um novo rumo. Não necessariamente para melhor, mas faz parte da diversão despretensiosa de um filme que quer apenas divertir e animar. Imagino que muitas pessoas que saíram do cinema reclamando de problemas no filme no fundo se divertiram bastante.
+ DOIS FILMES (CURTOS)
NELSON CAVAQUINHO
Os filmes do Leon Hirszman, inclusive seus curtas, estão entre os raros que tiveram a sorte de ser remasterizados e reaparecer como novos. É o caso deste aqui, que valoriza a fotografia linda em preto e branco de Mário Carneiro. Tenho bem pouca aproximação com a música de Nelson Cavaquinho, mas do pouco que ouvi gostei. Gosto do tom triste e sombrio de canções como "Luz negra" e "A flor e o espinho". Neste curta, nem o diretor nem o cantor/compositor tentam disfarçar a pobreza do ambiente. Sua casa é um entra-e-sai de gente, com menino bebendo cerveja na boca da garrafa, galinhas no chão, um colchão sujo no chão no quarto, posteriormente visitado pela câmera ao final. E há as músicas de Nelson, as palavras um tanto tristes dele, o semblante envelhecido para quem tinha apenas 58 anos. Ele conta rapidamente de quando tinha 8 anos e viu caminhões carregando cadáveres. Provavelmente por causa da gripe espanhola, algo que ganha outro sentido nesses tempos de pandemia. Ano: 1969.
MARANHÃO 66
O que eu achei mais incrível neste curta foi a coragem de Glauber Rocha de fazer um trabalho totalmente distinto do que seria uma peça de propaganda. Ao contrário, colocar imagens de José Sarney discursando em sua posse no governo do Maranhão para uma multidão e incluir imagens de extrema pobreza do povo nas favelas, doentes e com esgoto a céu aberto não seria nada interessante para o político que inauguraria ali um novo reinado de populismo no estado. Tanto que resolveram engavetar o curta. Ainda bem que ele sobreviveu e serviu como uma espécie de ensaio para TERRA EM TRANSE (1967), que Glauber faria no ano seguinte. E dói um bocado ver este filme nos dias de hoje. Não por termos vivido os difíceis anos de Sarney como presidente, mas com o presente mesmo. Ano: 1966.
P.S: Hoje o crítico Raphael Camacho postou em seu blog (Guia do Cinéfilo), que atualmente está trazendo entrevistas com cinéfilos, uma entrevista minha. Quem quiser ler, só clicar AQUI.
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