Ainda que seja o primeiro longa-metragem de Alan Yang na direção, estamos diante da obra de um criador que teve a oportunidade de imprimir a sua marca na televisão, especialmente com a série MASTER OF NONE, da qual ele é cocriador, junto com Aziz Ansari. Ambos são pessoas nascidas nos Estados Unidos, mas com um aspecto físico que entregam que são descendentes de asiáticos. E TIGERTAIL (2020) é um filme muito pessoal de Yang, já que é inspirado nas memórias de seu pai.
Mas, embora possamos falar do aumento do número de cineastas americanos de origem asiática filmando nos Estados Unidos com uma língua que não o inglês, isso ainda é pouco, levando em consideração o número enorme de pessoas chinesas, taiwanesas, japonesas, coreanas, indianas etc. que vivem na chamada "terra das oportunidades". Mas falemos daquilo que talvez seja o principal mote de TIGERTAIL, que é a questão das escolhas na vida, de suas repercussões e da força das memórias.
Somos apresentados a Grover, um senhor sexagenário vivido por Tzi Ma, rosto muito conhecido inclusive de filmes hollywoodianos. Grover mora nos Estados Unidos há alguns anos e está de volta depois do funeral de sua mãe, que morava em Taiwan. Seu relacionamento com a jovem filha adulta Angela (Christine Ko) não é tão fácil. Ele é um homem muito fechado, não costuma ser a pessoa mais simpática do mundo e tem um histórico de ter sido bastante grosseiro com a filha durante a infância dela.
Yang faz um filme de idas e vindas no tempo, com as cenas de flashback gravadas em 16 mm, com aparência mais suja, e as cenas do presente em limpíssimo digital. Um dos méritos do filme é trazer o entusiasmo da juventude, representado principalmente pela relação que Grover teve com uma moça em Taiwan. Era uma jovem especial, o relacionamento dos dois era divertido, eles conversavam bastante. Mas eis que Grover conhece a filha do patrão e tem a chance de ir com ela para os Estados Unidos. Sem dinheiro e filho de família pobre, ele vê a possibilidade de casar com essa outra moça, com quem tem pouca aproximação e pouco interesse afetivo, como chance de vencer na vida. Mesmo que para isso tenha que abandonar o amor de sua vida.
Os hiatos apresentam os diferentes estágios da vida dos jovens casados, e inclusive oferece espaço para que conheçamos a vida da esposa de Grover, que, quando está distante do marido, se mostra outra pessoa, muito mais solta, mais feliz, o que só prova o quanto o marido era uma presença repressora.
Em entrevista ao site GQ.com, o cineasta conta que muito da ideia de filmar TIGERTAIL veio de suas conversas com o pai e especialmente de uma viagem que ambos fizeram para Taiwan, quando o pai o apresentou a lugares importantes de seu passado. E isso é mostrado no filme também, de forma a acentuar a forte memória que ele ainda carrega dos melhores anos de sua vida.
Por isso, o negócio é aproveitar que a Netflix dispõe de uma pequena joia como essa para ser vista e revista por um número imenso de pessoas no mundo inteiro. E, pelo amor de Deus, não façam a besteira de não ver o filme em suas belas línguas originais (mandarim, taiwanês e inglês) em detrimento de qualquer dublagem que seja.
+ TRÊS FILMES
PARASITA (Gisaengchung)
Tive dificuldade de colocar em palavras o quanto gostei e o tanto que me incomodou (ainda que esse incômodo seja algo positivo). É um filme que borra as fronteiras entre bem e mal, ao acentuar uma sociedade com um alto grau de diferença econômica, como EM CHAMAS (de outro diretor fantástico da Coreia do Sul), feito um ano antes. Mas a dobradinha que se faz de PARASITA é com NÓS, de Jordan Peele, sendo que ainda tem a vantagem de ser mais envolvente. Talvez por nos conquistar inicialmente como comédia para depois ir trazendo suas surpresas. Direção: Bong Joon-ho. Ano: 2019.
UM DIA DIFÍCIL (Kkeut-kka-ji-gan-da)
Filme muito louco de ação e suspense sobre sujeito que atropela um homem na estrada e dá um fim inusitado ao cadáver. É mais do que isso e o diretor faz questão mesmo de exagerar para provocar o riso e adotar um tom cartunesco. Muito boa a iniciativa da Fênix de trazer este filme para o nosso circuito. Direção: Seong-hun Kim. Ano: 2014.
TRUQUE DE MESTRE - O 2º ATO (Now You See Me 2)
O primeiro filme eu já tinha até esquecido. E este segundo, então, é um tédio só. Principalmente pra quem não liga muito pra esse lance de ilusionismo e o filme tenta a todo custo que você fique fascinado com as bobagens que mostram. Nem o bom elenco salva. Direção: de Jon M. Chu. Ano: 2016.
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