segunda-feira, junho 15, 2020

O TESTAMENTO DO DR. MABUSE (Das Testament des Dr. Mabuse)

"É preciso destruir a crença que o cidadão normal tem nos poderes que elegeu. E quando tudo estiver destruído - é sobre isso que construiremos o reino do crime."
(Frase de um dos criminosos em O TESTAMENTO DO DR. MABUSE)

A fala acima nos parece muito familiar nos dias de hoje, com a ascensão de um novo nazi-fascismo tomando conta de muitos países do mundo. Infelizmente o Brasil é um desses. Na época da Alemanha de Hitler, massas de desempregados encontraram no führer a esperança para a realização dos sonhos de recuperar aquilo que perderam (além de verem agora um inimigo, um responsável por aquilo por que eles estavam passando). Inclusive, há um dos personagens importantes do filme que sai do desemprego para a criminalidade.

O TESTAMENTO DO DR. MABUSE (1933) foi realizado como uma preocupação política de Fritz Lang ao ver isso acontecendo e já prevendo que as consequências seriam terríveis. Seu trabalho nesta sua segunda experiência em um longa-metragem falado foge às expectativas, principalmente quando se pensa no primeiro filme estrelado pelo poderosíssimo vilão, DR. MABUSE, O JOGADOR (1922). Se o primeiro era um filme de aventura para grandes audiências, a sequência tem essa consciência de ser uma obra com um objetivo político claro.

Aqui estamos em um outro momento do cinema e Lang já havia mostrado um pleno e admirável domínio do som em M - O VAMPIRO DE DUSSELDORF (1931). Além do mais, engana-se quem pensa que encontraremos câmeras estáticas, algo bastante comum naqueles primeiros anos de cinema falado. A movimentação da câmera já começa com a primeira cena, com um uso notável do som, no galpão onde se falsifica dinheiro.

Na referida cena, ouvimos o som atordoante das máquinas e depois o tenso e preocupado ex-detetive Hofmeister investigando o negócio de falsificação de dinheiro. Quando dois gângsteres chegam para pegar novas folhas para preparar notas falsas, um deles vê o pé do investigador. Em seguida, se seguem cenas de ação e suspense que ajudam a dar o tom do filme, mas não totalmente. Logo somos apresentados ao protagonista, o rotundo Inspetor Lohmann.

A principal surpresa para mim foi a diminuição de cenas com o Dr. Mabuse, que não está mais em sua gloriosa fase de manipulação, agora internado em um manicômio e visto como um intrigante objeto de estudos por um professor psiquiatra, o Professor Baum. Na verdade, a presença de Mabuse é mais de natureza espiritual, como sendo o principal responsável pela presença crescente de forças do mal. O Dr. Mabuse seria uma espécie de alegoria do sistema criminoso que estava se instalando na Alemanha.

Embora não tão cheio de sequências fascinantes como o primeiro filme (até por ter menos da metade de sua duração), há várias cenas impressionantes em O TESTAMENTO DO DR. MABUSE, como a perseguição de carros perto do final. Enquanto via aquela admirável sequência, fiquei pensando no quanto Lang, muitos anos antes de David Lynch, já misturava o sobrenatural com o filme policial, o cinema de horror com a história de detetive.

Para a tal cena de perseguição, em que o Professor Baum corre em seu carro, hipnotizado pelo Dr. Mabuse, Lang cortou árvores e as substituiu por outras, criando uma floresta artificial junto com árvores de verdade, modelando o tamanho que ele achava ideal para elas. Não é impressionante? Outro momento de destaque acontece poucos minutos antes, em uma perseguição pela floresta, com um trabalho de movimento de câmera impressionante, nos colocando dentro da ação, no meio dos arbustos.

Enfim, há muito o que louvar no filme, inclusive a montagem que é brilhante, com Lang fazendo associações que se tornariam comuns posteriormente, como no momento em que Kent bate no tijolo tentando fugir com sua namorada, seguida de um corte para a cena de um gângster batendo na casca do ovo cozido em seu apartamento luxuoso. Há várias outras situações, inclusive com uso de voz sobreposta entre duas cenas.

E é uma maravilha que esse filme não tenha sido perdido. Por sorte, o produtor do filme, um judeu, Seymour Nebenzal, conseguiu levar para a França cópias, tanto em francês quanto em alemão, de modo a salvá-lo de eventual destruição pelo regime nazista. Nebenzal, como judeu, foi forçado a deixar a Alemanha semanas antes. Lang fugiria para a França também, na noite em que esteve com Goebbels e foi convidado para ser ministro de propaganda do regime de Hitler. O líder nazista havia ficado apaixonado por METRÓPOLIS (1927) e via em Lang a figura ideal para a empreitada. Foi o fim de uma fase na carreira de Lang, que faria um filme na França e em seguida vários outros nos Estados Unidos, onde passou a morar por mais de duas décadas.

+ TRÊS FILMES

CIDADÃO KANE (Citizen Kane)

Minha relação com CIDADÃO KANE não é de tanto amor assim. Quarta vez que assisto e acredito que foi a vez que mais apreciei, especialmente na primeira meia hora. Mais ainda no início, que é formalmente admirável. Uma ousadia feita por um jovem artista. Os aspectos técnicos e ambiciosos do filme saltam aos olhos logo de cara, mas há algo que me dá um pouco de dor de cabeça, sempre que assisto. Não sei se é a fotografia com muito contraste - se bem que, dessa vez, o barroquismo me lembrou muito a obra de Josef von Sternberg. Pode ter sido uma influência. De todo modo, vou estudar mais o filme e aprender e continuar respeitando o seu legado e sua importância. Direção: Orson Welles. Ano: 1941.

O PREÇO DA SOLIDÃO (The Effect of Gamma Rays on Man-in-the-Moon Marigolds)

Embora Paul Newman tenha feito adaptações de romances também, acredito que seus filmes mais aclamados foram adaptações de peças de teatro. Ele parecia seguir numa direção diferente do que normalmente fazia em Hollywood como ator. Como um filme de ator, há uma valorização enorme da atuação, tanto de sua esposa Joanne Woodward, sua musa e presença forte na maioria desses filmes. Curiosamente, a personagem de que mais gostei foi da filha mais nova da protagonista, a mãe que cuida sozinha e sem dinheiro das duas filhas e tenta conseguir arranjar uns trocados fazendo o que dá. A filha mais nova é a interessada nos estudos, muito reservada e tímida, ao contrário da outra, que era capaz de magoar a própria mãe e sair de casa sorrindo. É um belo filme que trata de relações humanas, especialmente dentro de casa. A maior parte das cenas ocorre na humilde casa delas. A peça de Paul Zindel, adaptada por Newman, ganhou o Pullitzer. Ano: 1972.

O PÃO NOSSO (Our Daily Bread)

Que filme lindo! Mais do que bem-vindo neste momento em que estamos precisando nos unir para atravessar um período difícil. E talvez estejamos vivendo um momento de transição, já que precisamos mais de união do que de concorrência, de um ajudar o outro, de cada pessoa usar o que sabe fazer melhor para formar uma comunidade. Interessante que é um filme que até pode ter feito bastante sucesso nos países comunistas, talvez até King Vidor tenha sido acusado de comunista na época. Mas nada disso importaria se não fosse também um exemplar de grande cinema. Um cinema feito ainda em um período difícil da economia dos EUA pós-depressão. Há um momento em que o filme lembra bastante AURORA, do Murnau, e que contribui ainda mais para uma explosão de emoções. Ano: 1934.

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