É tentador fazer de imediato uma comparação deste A NOITE DO DESEJO (1973), de Fauzi Mansur, com o clássico de Walter Hugo Khouri NOITE VAZIA, ou até mesmo com outros exemplares khourianos, que costumam apresentar homens à procura de sexo para não apenas satisfazer seus instintos mais primitivos, como também preencher algum vazio na alma. Então, o filme de Mansur seria uma versão bem menos existencialista e chique, já que o que vemos aqui são dois trabalhadores pés-rapados em busca de prostitutas que possam oferecer um serviço que eles possam pagar.
Os personagens são vividos por Ney Latorraca (Toninho) e Roberto Bolant (Giba) e somos apresentados à pobreza deles logo nas cenas iniciais. Toninho, por exemplo, mora com a mãe em uma casa que mal tem água encanada, e namora uma moça bonita do subúrbio. Sexo antes do casamento, nem pensar para a moça. Aliás, que bonito quando os dois estão dando uns amassos e ao fundo ouvimos "Você não me esqueceu", do cancioneiro de Roberto Carlos, tão presente em tantos filmes da Boca do Lixo e em produções cariocas também.
Soube, lendo o excelente texto de Andrea Ormond, presente no livro Ensaios do Cinema Brasileiro - Vol. 1, que a trama paralela que acontece no filme e que, a princípio, parece destoar um pouco da principal, foi incluída porque a obra de Mansur foi retalhado pela censura. Então, a solução, muito inventiva, aliás, foi criar uma trama à parte para correr em paralelo que também envolvesse o universo da prostituição. Na tal trama, vemos a prostituta grávida Selma (Selma Egrei, linda!) e o namorado do interior que sai à sua procura nos bordéis, vivido por Ewerton de Castro.
No fim das contas, o resultado acabou deixando o filme até mais rico e mais charmoso. Mérito da equipe de primeira linha do filme. Vejam só: a fotografia ficou a cargo de dois gigantes: Ozualdo Candeias e Antonio Meliande; a montagem foi feita por Inácio Araújo e pelo próprio Mansur, com assistência do monstro Jean Garrett; e o roteiro foi co-assinado com Luiz Castellini, que fez pequenos clássicos da nossa pornochanchada.
Naquela época - início dos anos 1970 - o grafismo nas cenas de sexo ainda era muito sutil nas produções eróticas brasileiras. Por isso, vemos, por exemplo, a personagem de Marlene França, uma das prostitutas e talvez a personagem mais rica do filme, escondendo sua nudez na cama em determinado momento. Aquilo só se justificaria por um tipo de autocensura e não por certo pudor partindo de uma profissional do sexo segura de si.
A montagem feita para salvar o filme (e ainda bem que o salvou), por mais que o tenha deixado charmoso e bonito, sem falar que é brilhante a edição do clímax, alternando as duas tramas paralelas freneticamente; apesar disso, deixou algumas coisas um tanto confusas, como um possível acordo existente entre os personagens de Bolant e Betina Viany. Além do mais, a chegada da polícia no hotel de (décima-)quinta categoria parece também um pouco estranha, por mais que, de propósito ou não, possa trazer uma espécie de alegoria tanto do Brasil do auge dos anos de chumbo quanto da situação do próprio filme retalhado.
Porém, como grandes filmes são feitos de grandes cenas, não há como negar que há muitas delas em A NOITE DO DESEJO. A conversa no bordel enquanto esperam a vinda da segunda garota de programa; a chegada no hotel vagabundo; o encontro de Pedrinho (Ewerton de Castro) com sua ex-noiva nas ruas dos bordéis e clubes de striptease; o amanhecer chegando no hotel do Centro; a cena de Toninho pedindo dinheiro à noiva no ônibus. É cinema de dar gosto. Torto, sujo e feito com brilhantismo por uma turma que sabia o que fazia.
+ TRÊS FILMES
SEXO - SUA ÚNICA ARMA
Se não fosse a conclusão, eu poderia dizer que se trata de uma pequena joia quase esquecida ou subestimada do cinema brasileiro. Ainda assim, não fica a dever a muitos filmes exploitation de vingança produzidos nos Estados Unidos, na Europa ou na Ásia. Na trama, Selma Egrei interpreta uma jovem mulher que é adotada por uma família de descendentes de italianos. Ela se faz de cega para plantar o caos naquele lugar. Fica logo claro isso e fica também muito divertido quando ela começa a transar com os homens da família. Talvez tenha faltado mais força na parte do horror e em uma conclusão mais satisfatória. O que fica é mais a tragédia da família do que o gosto da vingança da mulher. Selma Egrei já havia trabalhado com o então já veterano diretor Geraldo Vietri em ADULTÉRIO POR AMOR (1979). Ano: 1981.
QUARTO CAMARIM
Acredito que seja um filme que ficará presente na memória por um bom tempo, mesmo com suas imperfeições. Ou sei lá se dá pra chamar assim. Acho que trata-se mais da relação da gente como o filme, do quanto criamos certas expectativas que são frustradas. Na trama, uma sobrinha busca reencontrar a seu tio Roniel depois de 27 sem qualquer contato. Porém, seu tio agora se chama Luma, é travesti, performer, trabalha como cabeleireira e vive em São Paulo. Direção: Camele Queiroz e Fabricio Ramos. Ano: 2017.
A GAROTA DO CALENDÁRIO
Não sou tão fã do cinema de Helena Ignez como diretora, mas uma vez que a gente já sabe que verá um filme fora dos padrões comuns, é bem agradável de ver. Só que eu queria ver mais Djin e menos Guerreiro. Mas o personagem dele é muito legal, sim. E a questão do sonho versus realidade é uma das coisas que eu mais gosto no filme. Mais do que as frases de efeito colocadas para os personagens. O legal é que lembra algumas coisas do cinema dos anos 60-80. Ano: 2017.
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