Assisti a LAURA (1944) dias atrás e percebi o quanto se trata de uma das obras mais perfeitas da história do cinema. Talvez seja a grande obra-prima de Otto Preminger, mas afirmar isso talvez seja precipitado, já que o diretor tem uma filmografia de cerca de 40 títulos e vi apenas uma meia dúzia deles. Mas não quero falar sobre LAURA ainda. Hoje preferi escrever sobre uma obra considerada menor do diretor, SANTA JOANA (1957).
Trata-se de um dos quatro títulos do cineasta presentes no catálogo da Amazon Prime - os outros três são INGÊNUA ATÉ CERTO PONTO (1953), O HOMEM DO BRAÇO DE OURO (1955) e O FATOR HUMANO (1979), seu último longa-metragem. É importante que divulguemos isso, já que o sistema de busca desse serviço de streaming não é tão facilitador.
Joana D’Arc é uma das personagens mais fascinantes da História, tanto pela trajetória que inclui coisas de natureza fantástica, como as vozes que ela dizia ouvir, quanto pelo sucesso diante dos enfrentamentos com o exército inglês na Guerra dos Cem Anos, e também pelo cruel processo, seguido do trágico fim na fogueira em 1431.
Os filmes anteriores sobre a santa guerreira traziam mulheres mais velhas interpretando a personagem. Preminger quis fazer diferente e por isso escalou a jovem Jean Seberg, de então 18 anos para viver a santa guerreira. Foi uma decisão acertada e catapultou para o estrelado Jean, que também se tornaria uma forte ativista política, mas que hoje é mais lembrada por seu papel marcante em ACOSSADO, de Jean-Luc Godard.
A história de vida de Seberg é trágica e conturbada, tendo como fim um suposto suicídio, algo diversas vezes tentando pela atriz. Diz-se "suposto" pelas circunstâncias estranhas em que foi encontrado seu corpo: totalmente nua no banco traseiro de um carro escondido em meio a folhas. Nesta entrevista há muita coisa a respeito de sua vida e morte.
Quanto à sua relação com Preminger, ela o chamava de "o führer", dado o modo extremamente autoritário e agressivo com que o cineasta se comportava com seus atores e equipe. É interessante ler o prólogo da entrevista que Peter Bogdanovich fez com o cineasta presente no livro Afinal, Quem Faz os Filmes, e ver o quanto ele se surpreende ao dar de cara com um idoso amável e generoso, algo que contrariava a fama do diretor. Talvez por ele estar já velhinho e no fim da vida, tendo experimentado alguns fracassos e rejeições dos estúdios, da crítica e da nova geração de Hollywood.
Há quem diga que ele tenha queimado de propósito Jean na cena da fogueira para que ela tivesse um resultado melhor na atuação. Dizem que ela ficou um tanto perturbada desde então. Ouvi sobre isso em um podcast americano.
Quanto a SANTA JOANA, trata-se da adaptação da peça de sucesso de Bernard Shaw. É interessante ter essa informação antes de ver o filme, até para se preparar para uma obra mais teatral e centrada nos diálogos. Ainda assim, há uma estrutura narrativa bem convencional da Hollywood da época, com a entrada em cena do fantasma de Joana para o Rei da França e depois um flashback com os acontecimentos em ordem cronológica, a partir do momento de um milagre e, em seguida, a entrada da jovem no exército francês.
O momento mais comovente, pra mim, é quando Joana, ao perceber que ficará presa em um espaço confinado para o resto da vida, abdica dessa vida para ser queimada na fogueira. Segundo ela, não haveria sentido viver sem ver o céu, sem sentir o cheiro das flores, sem experimentar o ar puro. Ela fala de coisas básicas, e por isso emociona tanto.
A cena da fogueira é até rápida e menos dolorosa que a de O PROCESSO DE JOANA D’ARC, obra-prima de Robert Bresson, mas ainda assim é suficientemente dolorosa, mesmo em se tratando de um filme que flerta mais com a racionalidade do que com o aspecto milagroso da vida da personagem.
Há pelo menos três motivos para ver SANTA JOANA: Jean Seberg, Otto Preminger e a própria trajetória misteriosa de Joana D’Arc. Há poucos filmes que oferecem tantos aspectos atraentes para o espectador.
+ TRÊS FILMES
MIAMI VICE
Uma das coisas que mais ficou em minha memória quando vi este filme no cinema foi o sentimento de excitação provocado pelo romance proibido entre os personagens de Colin Farrell e Gong Li. A cena da lancha indo para Cuba à noite. Aliás, a noite escura era outro elemento de grande excitação e frio na barriga. As cenas de sexo, ainda que discretas, ganham contornos fortes, por causa do uso da digital. Infelizmente a imagem para os dias de hoje ganha uma baixa definição, que para alguns pode parecer charme, mas ainda continua sendo algo que me incomoda. O mesmo aconteceu comigo com IMPÉRIO DOS SONHOS, de Lynch, na revisão. Mas adorei rever MIAMI VICE, curtir o estilo do diretor em lidar com as fronteiras entre o que é legal e o que não é. A cena do resgate de um membro do grupo de policias infiltrados também é um momento forte. Minhas impressões sobre o filme da época em que o vi podem ser lidas AQUI. Direção: Michael Mann. Ano: 2006.
RELÍQUIA MACABRA / O FALCÃO MALTÊS (The Maltese Falcon)
Lembro de ter visto este filme no começo dos anos 1990, em VHS, naquelas edições que tinham o símbolo da Warner em prata. Não gostava muito do visual daquelas fitas, mas aquela coleção só tinha coisa boa. RELÍQUIA MACABRA não é dos meus filmes noir favoritos, e só pude perceber agora, mas há muitas qualidades e muitos motivos de ele ser considerado o ponto de partida do gênero. Antes de mais nada, Bogart como Sam Spade é perfeito. E eu gosto dos coadjuvantes também, embora a femme fatale da vez pareça frágil demais. E nem é tão atraente assim. Direção: John Huston. Ano: 1941.
UM CAMINHO PARA DOIS (Two for the Road)
Engraçado essa coisa de listas, de como elas são importantes para nos deixar intrigados e interessados em determinado filme. A lista do Filipe Furtado dos melhores filmes de 1967 trazia este lindo filme de Stanley Doney na segunda colocação. E de fato é um belo trabalho, tanto na construção inteligente da montagem de quatro momentos na vida de uma casal, quanto nos sentimentos contraditórios que surgem, ora de alegria, com o início da relação, ora de mal estar, com as discussões, que é o que dá o toque de cinema europeu. Se bem que aqui é um filme inglês, ainda que com um cineasta hollywoodiano. Audrey Hepburn apaixonante, Albert Finney ótimo. Pena que vi o filme em pedaços, por causa da cópia que ficava o tempo todo travando.
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