sábado, janeiro 04, 2020

VIAGEM A ICARAÍ DE AMONTADA

Em determinado momento da viagem a Icaraí de Amontada me bateu um sentimento tão grande de gratidão que eu não experimentava há muito tempo. Foi na volta do passeio pelo Rio Aracatiaçu, em Moitas. A turma já tinha rido bastante, brincado bastante e estava em silêncio, contemplando a paisagem. Era o nosso último dia lá e eu senti que poderia ficar mais tempo ali, com aquela turma, feliz por mais alguns dias.

A viagem surgiu com o convite da Valéria, minha amiga de muitos anos, e uma agregadora de pessoas fantásticas. Foi confiando nela que eu topei fugir da minha rotina recente de passar o reveillon em casa para passar com uma turma nova. A maioria das pessoas eu não conhecia. Mas eu sabia que era justamente algo de que eu precisava: conhecer novas pessoas, conversar com pessoas interessantes. As pessoas que eu conhecia na casa eram apenas a Valéria e a Bárbara, outra amiga querida de muito tempo.

Partimos de carro no domingo. No carro da Val ia a Bárbara e mais duas pessoas que eu não conhecia, o Jamieson, um pastor pra lá de heterodoxo (conhecendo a Val, ela jamais ia se envolver com gente religiosamente convencional), e a Zilmara, amiga dele. Durante a viagem de cerca de três horas fomos nos conhecendo aos poucos. Ao chegar na casa, já vi que tinha muito em comum com o Jamieson: ele conheceu quadrinhos na infância e cresceu numa família evangélica. Passamos a noite na casa só nós cinco, à espera dos demais, que viriam só na segunda-feira.

O casal que ia dividir o quarto comigo, Thiago e Roberta, chegaram, junto com Clarisse. Assim como Erlon e Saulo, e Rai e Alice. A Val dizia que eu ia me identificar com o Thiago, e de fato temos muito em comum, tanto por sermos das Letras, quanto por gostarmos de algo na linha da espiritualidade (ele é budista), mas acabei conversando mais com a Roberta, uma dessas pessoas que eu queria ter conhecido há mais tempo.

Roberta é da área de jornalismo e foi fundamental para que a viagem fosse especial, já que trouxe temperos e tipos de comida novos para a casa. Como ela é vegetariana, começou há algum tempo a pesquisar alternativas de alimentação e, junto com isso, vieram novos sabores. Então, experimentar aqueles sabores que ela trouxe foi algo extremamente prazeroso, abriu minha mente para aquele universo de comida vegana, me fez repensar muita coisa, além de, pelo fato de estar experimentando tanta coisa gostosa, voltar a pensar no quanto estar neste mundo pode sim ser uma dádiva. Afinal, o paladar, sentir os variados sabores, é exclusividade de quem habita este planeta, creio eu.

Rai e Saulo representaram a alegria da casa, sempre eufóricos e fazendo a gente rir. Fizemos uma espécie de ritual de apresentação (a Valéria chamava de mística de apresentação, mas como eu não sabia o que era isso ficava pensando em mulheres dançando nuas ao redor de uma fogueira). Na verdade, aquilo era mais uma brincadeira e ocorreu na pracinha da cidade, antes da pizza. Foi uma forma interessante de nos conhecermos, através de perguntas muito ou pouco pessoais que todos deveriam responder. Foi o momento de maior comunhão, digamos assim, da turma, estando ela toda reunida. Uma das perguntas que surgiu na praça foi "O que te dá mais prazer?". Respondi que era cinema, que sexo era superestimado e tal. Mas depois pensei que poderia ter respondido "beijar estando apaixonado".

A praia estava ótima, mas infelizmente chegou, junto com a gente, aquele óleo que vazou e que já havia contaminado boa parte das praias do Nordeste. No dia seguinte, o Thiago me mostrou a matéria que saiu no jornal O Povo. O óleo havia chegado às praias de Itapipoca e Amontada. Algumas pessoas estavam com saquinhos, recolhendo parte da gosma preta que chegara na areia da praia.

Na noite do dia 30, enquanto alguns da turma resolveram ir a um forró, a maioria quis ficar em casa para acordar cedo e ir à Lagoa de Flexeiras (o que só ocorreria no dia seguinte, devido a uma chuva-surpresa). O Thiago havia trazido três jogos e um deles era o Dixit, que jogamos naquela noite, todo mundo junto, na sala de jogos (na verdade, uma mesa com pouca iluminação na parte de fora da casa). O jogo, eu já tinha jogado na casa da Bia, mas tinha bem pouca lembrança das regras. Lida com imagens que parecem saídas de quadros de Salvador Dalí. Eu e Clarisse ficamos entre os vencedores no final (houve empate de duas duplas).

Chega o dia 31 de dezembro. O dia foi tranquilo e eu fui aquietando meu espírito a ponto de conseguir ler tanto prosa quanto quadrinhos. Esse dia, na verdade, não é muito tranquilo pra mim, já que tenho bem poucas lembranças de finais de ano realmente felizes. Como a turma da Valéria é muito bacana, ela acabou atraindo mais pessoas, de outras turmas, de outras casas, para a ceia de reveillon, que mesmo faltando energia por horas, foi um sucesso. Ailton Lopes, que teve meus votos para vereador e para prefeito em eleições passadas, era um dos presentes na ceia. Simpático, me chamava sempre de xará. A ceia estava uma beleza, com sua pluralidade de sabores. Até resolvi dar um chega pra lá nas leis de Moisés e no amor não correspondido com o chocolate. Estava de férias dessas restrições.

E aí chega o momento mais melancólico, que é o da virada do ano. Depois da ceia, fomos à praia. Foi bom brindar ao ano novo, rir um pouco, ouvir "I've got a woman" em um sonzinho na praia, abraçar pessoas que eu amo e respeito (Israel, amigo de longa data também estava por lá), ver os fogos (eu dizia que eram presentes do nosso prefeito de Fortaleza), sentar na areia olhando para o mar, ir até o mar e sentir a água nos pés.

A ideia da Valéria de ir até uma barraca que tocava um tipo de forró e música menos contemporânea foi boa, fiquei lá por uns minutos, mas estava me sentindo deslocado e sozinho. Resolvi voltar logo pra casa. Mas não estava exatamente triste. Sentia-me feliz com a liberdade, com as possibilidades que o futuro me reservava, mas, especialmente, estava curtindo o cheiro do mar e da noite antes de quebrar à esquerda e entrar na rua que dava à "nossa casa". A ideia era chegar lá, tomar um banho e me meter entre os lençóis para ler. Finalmente 2019 tinha passado.

No penúltimo dia fomos à Lagoa de Flexeiras. Diria que foi um dos pontos altos da viagem, tanto pelos momentos ali na lagoa, extremamente agradáveis - havia duas redes lá para quem quiser tirar fotos e tal, parecidas com aquelas que há em Jericoacoara - quanto pelo alto astral da turma em si. Algumas pessoas estavam indo embora. Alice, Rai e Zilmara já haviam ido e Erlon e Saulo estavam indo também. A casa sentiu falta da alegria contagiante dos dois.

Mesmo assim, o melhor momento ainda viria, no dia seguinte, quando fomos a um passeio no Rio Aracatiaçu, em Moitas. Que beleza de lugar, que deslumbrante a paisagem que se descortinou aos nossos olhos. Aquele grupo de cinco pessoas (eu, Val, Bárbara, Roberta, Jamieson e Clarisse) estava muito feliz com aquele momento. Falar assim parece soar superficial, mas não é. Tanto é que foram esses momentos que me trouxeram àquela sensação tão especial que eu citei lá no primeiro parágrafo: a do silêncio de todos no retorno de barco para casa, quando meu coração se encheu de gratidão.

Creio que é importante deixar este registro para mim e para os amigos que estiveram juntos. Mas, principalmente, para o Ailton do futuro, que lerá este relato e reviverá as emoções, já que não dá para confiar na nossa memória. E costumo dizer que registros escritos são mais valiosos que registros fotográficos, no sentido de que captam aquilo que os olhos não podem ver.


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