Impressionante como certos diretores têm uma carreira já relativamente longa, mas que são praticamente desconhecidos, até que certo filme chama a atenção de tal forma que passa-se a questionar a inabilidade das distribuidoras não darem o devido destaque aos trabalhos desse cineasta. É o caso de Emmanuel Finkiel, que teve seu longa-metragem de estreia, VIAGENS (1999), recebido com louvor, com premiação em Cannes e prêmio de melhor primeiro filme no César. Também alcançou prestígio internacional em diversos países, inclusive no circuito arthouse americano.
Além dos filmes como diretor e roteirista, Finkiel tem em seu currículo vários trabalhos como assistente de direção de cineastas de primeiro escalão, como Jean-Luc Godard, Krzysztof Kieslowski e Bernard Tavernier. Mas o que aconteceu é que os demais filmes de Finkiel como diretor meio que passaram batidos ao longo dos anos, por mais que cinéfilos atentos tenham visto seus trabalhos em mostras. NÃO SOU UM CANALHA (2015), seu filme anterior, ganhou algum destaque e já trazia Mélanie Thierry, que brilharia neste novo e magistral MEMÓRIAS DA DOR (2017).
Eis um filme que merece não só a atenção, mas uma especial reverência. O trabalho de construção da personagem, baseada na escritora Marguerite Duras, que faz uma espécie de bioficção ao contar da dor que foi o período em que ela passou esperando o marido voltar de um campo de concentração. E MEMÓRIAS DA DOR é basicamente sobre isso, embora seja rico o suficiente para ser também sobre culpa, desejo, e ser carregado de uma aura de desencantamento com a vida que só encontra paralelos em situações de terrível depressão.
Em determinado momento do filme, o amigo e amante vivido por Benjamin Biolay fala para que Marguerite tome banho; que ela está fedendo. Àquela altura, ela não estava mais conseguindo cuidar de si mesma. Na angústia de esperar, toma a decisão de falar com um perverso colaborador do nazismo na França ocupada. Como a história se passa entre os anos de 1944 e 1945, vemos a variação no comportamento e no grau de sentimento de segurança dessas pessoas que trabalhavam para os nazistas e que estavam acostumadas com tortura física e psicológica - isso, claro, na posição de torturadores.
Um dos aspectos que chama a atenção em MEMÓRIAS DA DOR é o modo como o diretor trabalha as sombras e também, com frequência, coloca a protagonista como único elemento não borrado, acentuando ainda mais seu sentimento de solidão e abandono naquele mundo de pesadelo. Há também destaque para a narração em voice-over de Marguerite. Uma narração pausada, que lembra e muito a narração usada em HIROSHIMA MEU AMOR, de Alain Resnais, não por acaso uma obra roteirizada por Duras. Assim, os traços da obra literária da escritora estão explicitamente presentes, mas servindo não como muleta para a narração cinematográfica, mas para enriquecer ainda mais o trabalho visual.
Há algumas cenas que se destacam dentro de um conjunto que parece perfeito. E como a trilha sonora é usada apenas entre os espaços da cena, como para acentuar o clima de tristeza, os silêncios nas sequências dramáticas só enfatizam a grande performance de Mélanie Thierry. O que dizer das cenas finais de descoberta? Tanto da cena com a Mme. Katz quanto na cena mais arrepiante do filme? Ver MEMÓRIAS DA DOR é uma dessas experiências raras e recompensadoras, que só cresce na memória afetiva.
+ TRÊS FILMES
MAYA
Depois de dois filmes que lidaram basicamente com a rotina de vida de personagens (EDEN e O QUE ESTÁ POR VIR), Mia Hansen-Løve volta novamente a usar esse recurso para contar a história de um repórter de guerra que tenta deixar sua vida nos eixos após uma traumática experiência. Para isso, ele viaja para a Índia e é lá que ele conhece a personagem-título. O nome, creio eu, também pode fazer referência à ilusão, mas não li nada a respeito - crítica ou entrevista da realizadora - que possa corroborar a minha suspeita. Gosto muito do andamento, de como é muito mais importante a construção dos personagens e sua profundidade do que uma história propriamente dita. Um belo filme. Ano: 2018.
MEU BEBÊ (Mon Bébé)
Este é o tipo de filme que eu não vejo sendo realizado por um homem, por mais que isso possa até soar sexista. E essa é uma das vantagens de se ter essas vozes múltiplas no cinema. Aqui a história é muito simples, mas importa menos a história e mais o sentimento. O sentimento da mãe em relação à filha mais nova, que está prestes a deixar o ninho e fazer faculdade no Canadá. Os pequenos flashbacks da infância dos filhos da protagonista também contribuem para enfatizar esse sentimento, que é recíproco pela filha, tão apegada à mãe, mas também tão consciente de que precisa aproveitar o momento de tomar o próprio rumo. Adorei a homenagem a O DESPREZO, de Godard. Direção: Lisa Azuelos. Ano: 2019.
CYRANO MON AMOUR (Edmond)
O lado positivo de ver o CYRANO de 1990 foi poder fazer uma dobradinha com este novo trabalho e saber exatamente do que se está falando. O filme foca na concepção de Cyrano de Bergerac até a noite de estreia. Passei a conhecer muita coisa sobre a obra que nem imaginava. E a impressão inicial de que a peça já nasceu velha se confirmou, por mais bem-sucedida que tenha sido ao longo dos anos. Direção: Alexis Michlik. Ano: 2018
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