segunda-feira, novembro 06, 2017

DONA FLOR E SEUS DOIS MARIDOS

É difícil, diante desta nova adaptação do clássico romance de Jorge Amado, não se lembrar da primeira versão, a de Bruno Barreto, lançada nos cinemas em 1976. Ambos são reflexos e produtos de seu tempo. O filme de Bruno Barreto foi produzido em um momento em que o erotismo no cinema brasileiro já estava se encaminhando para o seu auge da ousadia, que ocorreria na primeira metade dos anos 1980. É também um filme que tenta ser um pouco mais livre do texto do escritor baiano e talvez por isso flua melhor. Ter Sônia Braga como Flor e José Wilker como Vadinho também ajudou bastante.

O novo DONA FLOR E SEUS DOIS MARIDOS (2017), dirigido por Pedro Vasconcelos, que tem no currículo vários trabalhos para a televisão, inclusive a última telenovela das nove da Rede Globo, é também produto de nosso tempo, por parecer um bocado mais comportado no quesito sexo e nudez, graças talvez à maior consciência da chamada objetificação do corpo da mulher. Além disso, diminuiu bastante a cultura de ir ao cinema para ver a estrela da novela nua nas telas, embora Juliana Paes apareça sim sem roupa, embora de maneira tímida.

Outra questão quente e que pode ser colocada em pauta é a violência contra a mulher, vista em uma sequência rápida mas bastante incômoda de Vadinho (Marcelo Faria) agredindo a esposa para conseguir dinheiro para o jogo. É apenas um aspecto mais sombrio da personalidade do personagem, mas que depõe muito contra a figura aparentemente simpática do malandro brasileiro. O personagem recupera sua simpatia em outras passagens posteriores, mas não deixa de parecer uma espécie de encosto depois de morto: ao mesmo tempo em que traz prazer físico e sexual para Flor, também a escraviza, de certo modo. É uma abordagem um pouco mais pesada do que a dos anos 1970, nesse aspecto.

É nos aspectos formais, porém, que o filme procura disfarçar suas deficiências e não consegue convencer: o jogo de luz e sombras que Pedro Vasconcelos e seu diretor de fotografia utilizam para compor os interiores, assim como um ou outro ângulo que distancie a obra de uma telenovela, parecem um tanto forçados, embora façam alguma diferença. Mas de que adianta se o diretor não consegue evitar a repetição de temas musicais, algo próprio desse tipo de mídia? Nem mesmo escolhem canções menos manjadas.

Curioso o quanto o filme opta por dar a Flor um protagonismo tão forte que deixa seus dois maridos bem secundários. Não que isso seja um problema em si, mas talvez o personagem do segundo marido, Teodoro (Leandro Hassum), merecesse ser mais do que um paspalhão, longe da nobreza que perpassa o personagem quando vivido por Mauro Mendonça. Leandro Hassum, com seu humor físico típico, parece ter perdido muito da graça depois da cirurgia bariátrica, mas continua apostando no que costumava fazer.

O foco do filme passa a ser, então, o esforço de Flor de se distanciar do espírito de Vadinho, ao mesmo tempo que não consegue se livrar da tentação do desejo que a consome e que não é nem de longe satisfeito com Teodoro. Porém, o modo como o filme torna tão comprido o diálogo entre os dois faz com que esta nova adaptação pareça uma peça filmada. O próprio Marcelo Faria fez o Vadinho na montagem teatral por alguns anos e está acostumado com o personagem. Isso pode ser bom, mas no filme não parece ter um resultado tão positivo, mesmo com o esforço do ator e de Juliana Paes.

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