Difícil não se impressionar com as qualidades de AS INTIMIDADES DE ANALU E FERNANDA (1980), de José Miziara, principalmente sua meia-hora inicial, quando vemos uma edição em que se alternam cenas da protagonista vivida por Helena Ramos, a Analu do título, dirigindo um carro numa estrada escura com expressão aflita, enquanto vemos cenas do passado recente, de sua relação complicada com o marido vivido por Ênio Gonçalves. Para completar, a edição não mostra apenas o ponto de vista de Analu, mas também as escapulidas de seu marido, entre elas, a sequência em que Ênio transa com Matilde Mastrangi. Ela que, com seu corpo exuberante, tanto foi objeto de desejo dos marmanjos nos anos 1980. E dá até para sentir uma pontinha de inveja de Ênio, só de vê-lo realizar essa curta sequência.
AS INTIMIDADES DE ANALU E FERNANDA começa a se “acalmar” e a entrar numa aparente normalidade, com uma narrativa mais linear, quando Analu conhece Fernanda (Márcia Maria), que funciona como uma espécie de porto seguro para aquela mulher em busca de um pouco de tranquilidade depois de sofrer a pressão, as traições e a violência do marido. Ela aceita o convite de ficar na casa de praia de Fernanda em Ubatuba. E a partir desse instante começa a surgir um relacionamento mais íntimo entre elas. Mas as coisas não são tão simples assim e a felicidade das duas, que se revelam doentiamente apaixonadas uma pela outra, encontrará um terrível obstáculo.
Muitos veem a solução do segundo ato do filme como carregada de moralismo, semelhante ao americano ATRAÇÃO FATAL: mas em vez de uma amante psicopata que chega para acabar com um casamento tranquilo, estamos diante de uma lésbica psicopata, o que naturalmente pode atingir a um segmento de minorias que sofre mais preconceitos da sociedade. Porém, o filme vai além das questões moralistas e funciona incrivelmente bem como um suspense que bebe muito da fonte do film noir americano dos anos 1940, adicionado de toques apimentados de sexo e nudez. Vale destacar a atuação de Helena Ramos no papel de Analu: uma atriz de mão cheia que não tinha frescuras em desempenhar cenas mais ousadas nesse “cinema do corpo” que foi o cinema brasileiro dos anos 80.
Quanto a Ênio Gonçalves, ele aparece pouco no filme, mas sua participação é fundamental para estabelecer a figura do homem canalha. E isso é mostrado em algumas curtas tomadas: o traumático bate-boca no apartamento; a transa no barco com Matilde Mastrangi; a cena no escritório com sua secretária; outra, num motel. E no final, o ressurgimento de seu personagem, para acentuar a visão de um mundo onde não há escapatória e a felicidade é só uma ilusão.
Texto publicado originalmente na Revista Zingu! em 21 de agosto de 2011
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