sábado, julho 01, 2017

DUAS GAROTAS ROMÂNTICAS (Les Demoiselles de Rochefort)

Que sorte a minha poder ver no cinema duas obras fundamentais de Jacques Demy, ainda que com um espaçamento considerável. Minha experiência com OS GUARDA-CHUVAS DO AMOR (1964) foi tão intensa que alçou o filme a uma categoria muito difícil para alguém que já tem quase 30 anos de cinefilia: em recente lista solicitada pelo amigo Chico Fireman para uma enquete em seu belo blog, ele pediu a várias pessoas que listassem seus 20 filmes favoritos de todos os tempos. Nem pensei duas vezes em incluir o premiado musical de Demy entre eles.

Diferente da produção romântica vencedora da Palma de Ouro em Cannes, o filme seguinte de Demy é muito mais solar, quase que como um contraponto ao anterior. Se OS GUARDA-CHUVAS fez milhões de pessoas chorarem com o drama da separação de um casal, DUAS GAROTAS ROMÂNTICAS (1967) foi feito como uma celebração da vida e dos amores. E ainda mais devedor dos musicais de Hollywood, com direito até mesmo a uma participação muito especial de Gene Kelly. E que bom que é ver Kelly em cena neste filme!

Ver DUAS GAROTAS ROMÂNTICAS pela primeira vez neste momento é também constatar o quanto LA LA LAND – CANTANDO ESTAÇÕES, de Damien Chazelle, bebeu da fonte do filme de Demy. A primeira cena, com vários carros parados antes de entrar na cidade de Rochefort, é bem similar à vista em LA LA LAND. Mas se o filme de Chazelle é feito para abarcar as quatro estações e diversos estados de espírito, DUAS GAROTAS ROMÂNTICAS é puro verão, com muita luz e muitas cores, e muita gente dançando como se as coisas ruins do mundo não existissem. Aliás, a guerra até é citada, mas aquela pequena cidade funciona como um oásis de felicidade, por mais que as pessoas prefiram sair de lá e ir para Paris. Ali é só um porto, onde os mais jovens não devem se demorar muito.

Na segunda de três colaborações com Jacques Demy – a terceira seria em PELE DE ASNO (1970) –, Catherine Deneuve está muito à vontade no papel de uma das talentosas irmãs que moram em Rochefort à procura do amor perfeito. A outra é a irmã de Deneuve, Françoise Dorléac, que teve carreira curta. Ela morreu em um acidente de carro em Nice com apenas 25 anos justamente no ano de lançamento de DUAS GAROTAS ROMÂNTICAS, o que não deixa de ser uma nota muito triste para se falar de um filme que exalta tanto a alegria.

Este trabalho de Demy também conta com a excepcional música de Michel Legrand, que tanto emocionou em OS GUARDA-CHUVAS DO AMOR. Aqui, seu desafio é sair das lágrimas do filme anterior e partir para uma felicidade contagiante, e dessa vez tentando emular um pouco mais o espírito dos musicais americanos. O trabalho de coreografia, pelo menos, é bem parecido e sabemos o quanto os franceses foram (e são) admiradores dos cineastas americanos por mais diferenças que tenham entre si.

Em um momento em que os musicais estavam chegando ao fim em Hollywood (com o advento da contracultura era natural que isso acontecesse), Demy presta um tributo lindo ao gênero, fazendo algo que os americanos achariam imperfeito, já que seus bailarinos não têm a mesma precisão dos vistos em musicais americanos. Essa imperfeição, no entanto, faz parte do charme do filme, e acaba lembrando outro musical por assim dizer imperfeito, o belo TODOS DIZEM EU TE AMO, de Woody Allen, feito cerca de 30 anos depois.

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