sexta-feira, abril 07, 2017

JOAQUIM























O cinema de Marcelo Gomes é um cinema de generosidade. Dos seus cinco longas-metragens, dois deles foram feitos em parceria com outros cineastas: VIAJO PORQUE PRECISO, VOLTO PORQUE TE AMO (2009), com Karim Aïnouz; e O HOMEM DAS MULTIDÕES (2013), com Cao Guimarães. Sua assinatura como autor acaba se tornando um pouco apagada, levando em consideração que os referidos trabalhos apresentavam algo muito em comum com a filmografia de seus colegas realizadores. Ele não havia dirigido sozinho um filme melhor do que sua brilhante estreia, com CINEMAS, ASPIRINAS E URUBUS (2005), até agora, com JOAQUIM (2017).

Eis um filme que diz muito do Brasil atual, tanto na forma como mostra os índios como mendigos, os negros como amáveis e um exemplo de alegria de espírito (que cena linda, a do escravo cantando com o índio à beira do rio), mas que ainda devem se manter em posição subalterna, e os pobres, ainda que brancos, em possíveis instrumentos para o interesse dos ricos, como é o caso de Joaquim, que lê os textos da independência das 13 colônias americanas e acredita que o Brasil também pode se livrar do fardo de Portugal. Não importando o quão raro tinha se tornado o ouro nas Minas Gerais, eles continuavam cobrando um quinto dos impostos. O quanto as coisas mudaram nos dias de hoje?

O filme de Marcelo Gomes pode muito bem ser visto em uma sessão conjunta com OS INCONFIDENTES, de Joaquim Pedro de Andrade, que tem um ar mais histórico e mostra os eventos anteriores à morte de Tiradentes. Em JOAQUIM vemos o personagem ainda antes desse momento e sem o encontro com aqueles poetas famosos do Arcadismo brasileiro. Mas só pelo tema e pela completude cronológica, já que se trata aqui de outra proposta, outro realizar cinematográfico, com um prólogo que parece didático na apresentação do personagem, mas cujo registro vai se provar o contrário já a partir da primeira cena com os personagens dialogando e agindo de maneira inquieta.

Em JOAQUIM, o diálogo é ágil e natural, bem diferente do que se costuma ver em produções que retratam essa época, que em geral possuem uma linguagem mais empostada, o que acaba por distanciar o espectador. Aqui, até a câmera na mão nos aproxima de tudo. O filme quase nos faz sentir o cheiro daquele ambiente, em especial em uma das primeiras cenas: quando Preta (a atriz portuguesa Isabel Zuaa) leva comida para Joaquim (Júlio Machado) e Januário (Rômulo Braga). A câmera na mão segue inicialmente a escrava, para depois nos mostrar o relacionamento de proximidade entre aqueles personagens: Preta tirando piolho de Joaquim enquanto ele almoça.

Esse aspecto mais sujo no modo como mostra os personagens e o ambiente também se distancia do que geralmente se vê em produções dessa época, mesmo as que trazem personagens pobres. Nessa mesma cena aparece um indiozinho pedindo comida. Januário diz para não dar, pra não acostumar. Joaquim é um pouco mais generoso.

É um filme que faz questão de adotar um caminho contrário ou esperado o tempo todo. Em vez de vermos um herói, temos em Joaquim a figura de um perdedor. Marcelo Gomes o despe totalmente de sua glória, mesmo quando o reveste de uma obsessão pelo ouro para poder ficar rico e ter sua desejada mulher, que ainda por cima é uma escrava cujo corpo pertence a outro negro.

O fato de Joaquim ter se tornado um mártir, e isso só é mostrado no prólogo, com uma apresentação um tanto quanto dotada de uma ironia machadiana, é quase um acidente, fruto de sua revolta contra aquilo que ele acredita estar errado no Brasil-colônia. No fim das contas, alguém precisou (precisou?) morrer por nossa causa e daí vem a imagem de Tiradentes até hoje parecida com a de um Jesus brasileiro, alguém que morreu por nós e que ganhou um feriado que mais parece católico do que patriótico.

No momento político opressivo e desesperançado em que vivemos, é muito natural que nos identifiquemos não só com esse personagem, mas com todas as circunstâncias que o rodeiam, com personagens e eventos que podem muito bem ser vistos como alegorias do presente.

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