domingo, março 19, 2017

COM OS PUNHOS CERRADOS























O coletivo cearense Alumbramento já tem mais de 10 anos de estrada. Ainda é uma criança, mas tem um currículo admirável, além de passagem por festivais internacionais importantes, como Berlim e Locarno. COM OS PUNHOS CERRADOS (2014), por exemplo, é um que passou por Locarno e se mostra ainda mais arriscado nos dias de hoje do que na época de sua realização. Hoje testemunhamos com ainda mais força a ascensão da direita e do fascismo no nosso país e no exterior. À medida que os progressos conseguidos pelas minorias tiveram um salto, o ódio da classe dominante cresceu ainda mais.

Dirigido em seis mãos por Pedro Diógenes, Ricardo Pretti e Luiz Pretti, também os três protagonistas da história, COM OS PUNHOS CERRADOS é uma admirável ode à liberdade, que utiliza uma série de discursos já feitos, os mais diversos, para, à sua maneira, contar uma história sobre um grupo de amigos que tentam com muito esforço passar suas mensagens através de uma rádio pirata. Mas eles logo são descobertos e recebem uma espiã muito bela (Samya De Lavor) como amante traidora e ao mesmo tempo apaixonada.

Na verdade, a história, ainda que tenha sim a sua importância, é mera desculpa para a apresentação dos ideais anarquistas do grupo – inclusive com o comparecimento de belas canções anarquistas cantadas em espanhol e francês. Aliás, que beleza que é a construção do filme em sua curta duração, através dessa colagem de discursos, sons, música e um tipo de direção que procura fugir do lugar comum a todo o momento. Que belos são os poemas (o poema erótico dedicado a um corno é genial e por isso é interessante ver o filme mais de uma vez.). Encerrar com uma canção sobre liberdade escrita pelo Belchior (“Como o diabo gosta”) só aumenta ainda mais o nosso amor por esse trabalho.

Um dia desses estava conversando com um familiar meu que tem uma visão de mundo bastante conservadora e praticante da ordem e ele elogiava os atos do prefeito de São Paulo quanto aos pichadores. Todos são bandidos, afirma o Prefeito. Um filme como esse, por exemplo, que prega a desobediência civil e questiona a ordem instituída certamente não seria nada bem visto pelas pessoas que acreditam que o lema “ordem e progresso” de nossa bandeira deve mesmo ser levado a sério. Até porque o tal progresso é algo que nunca chega de verdade. E a ordem é só uma forma de dominação das massas.

Um dos mais bonitos trechos de COM OS PUNHOS CERRADOS é um que mostra Uirá dos Reis, a Blanche de DOCE AMIANTO (2013), falando na rádio sobre o fato de os artistas serem os verdadeiros aristocratas da nossa frágil democracia. Que bonito esse pensamento e mais bonito ainda é o seu desenvolvimento através das palavras do artista, que, ainda por cima, aparece com as unhas pintadas de vermelho e pregando a liberdade acima de tudo. É através da arte que alcançamos a liberdade, afinal.

É por isso que filmes como esse são necessários. É por isso que a arte deve, com frequência, ser um ato político. Nossa esperança está nos jovens, na sua força e persistência. E, por mais que um grupo como o Alumbramento tenha ainda um alcance muito restrito a intelectuais e cinéfilos frequentadores de salas alternativas, a semente deve ser lançada em solo fértil para que possa gerar frutos. Esperamos que seja para breve.

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