sábado, março 19, 2016
ABC DA GREVE
Muito bom poder ver ou rever ABC DA GREVE, documentário dirigido em 1979 e só finalizado em 1990, depois da morte de seu diretor, Leon Hirszman, neste momento em que o país está em convulsão social. Estamos vivemos um momento extremamente agitado. E por mais que o país já tenha presenciado situações muito graves, a situação é bem singular, com polarizações extremas que apontam até mesmo para uma espécie de guerra civil.
Por isso é importante poder voltar um pouco no tempo para um momento em que Luiz Inácio Lula da Silva ainda não era nem mesmo candidato a Presidente da República (isso pode ser visto no excelente ENTREATOS, de João Moreira Salles), mas um líder sindical extremamente carismático e com uma inteligência e uma sagacidade impressionantes. Claro que ver o filme "vindo do futuro" põe tudo em uma perspectiva diferente, uma vez que já sabemos boa parte do destino desse líder que comandou uma das maiores greves desse país, nas cidades do ABC paulista, local com a maior concentração de fábricas automobilísticas do Brasil.
E o curioso é que é possível fazer um paralelo entre aquele momento e este em que estamos vivendo. Em determinada cena de ABC DA GREVE, Lula é proibido de exercer sua função de líder sindical, embora isso não impeça que ele continue agindo pelos interesses daquele povo, que já o via com muita admiração, como um verdadeiro líder na condução das manifestações, sabendo inclusive a hora de recuar. Atualmente, ele também vem sendo impossibilitado de exercer a função de Ministro da Casa Civil, e a perseguição política e midiática é ainda maior.
ABC DA GREVE foi feito com a finalidade de auxiliar a criação de outro filme: a ficção ELES NÃO USAM BLACK-TIE (1981), baseado na peça de Gianfrancesco Guarnieri. Hirszman, que também já tinha uma carreira muito bem-sucedida no terreno do documentário, queria muito estudar aquela movimentação política e social que mexeu com o país, ao mesmo tempo em que também fazia mais uma obra de cunho social. Em determinada cena, ele passeia pelas casas dos operários, a maioria vivendo em condições precárias, em favelas muito mais desprovidas de qualquer luxo do que as mais pobres comunidades de hoje.
Em sua maioria, esses operários eram pessoas que saíam do interior em busca de trabalho nessas indústrias. Muitos deles, nordestinos. E aprenderam política na prática, lutando por seus direitos em encontros sindicais. Não é que a esquerda brasileira já não existisse, mas naquele momento pelo menos essa esquerda tomava um posicionamento muito mais prático, sem precisar se armar de teorias comunistas para tal. Se é que eles se autodenominassem "esquerda".
Há uma sequência arrepiante. Hirszman mostra Lula se preparando psicologicamente para falar a uma multidão. Ele fuma um cigarro enquanto alguns homens montam a aparelhagem de som. É nesse momento que o diretor, usando o poeta Ferreira Gullar como narrador, apresenta brevemente Lula, nascido em Garanhuns, estado de Pernambuco, pai de três filhos, fala de quando ele começou a trabalhar como diretor de um sindicado, entre outras informações. Mas é a força das imagens em preto e branco que impera. A expectativa tensa, o momento delicado e sério depois de dez dias consecutivos de greve, e em seguida o encontro com a multidão, em um discurso claro, curto e objetivo, é um dos pontos altos desse filme histórico. Em todos os sentidos do termo.
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