segunda-feira, fevereiro 22, 2016
ANOMALISA
Charlie Kaufman é um artista famoso por seus roteiros que contam histórias estranhas. Pode-se dizer que ele é talvez a maior celebridade contemporânea em se tratando de roteiros, graças às suas primeiras parcerias com Spike Jonze, que rendeu sucessos cultuados como QUERO SER JOHN MALKOVICH (1999) e ADAPTAÇÃO (2002). E em parceria com o diretor francês Michel Gondry, Kaufman conquistou muitos corações com BRILHO ETERNO DE UMA MENTE SEM LEMBRANÇAS (2004). Seu primeiro longa-metragem, porém, foi o hermético e um tanto chato (embora haja um bom número de fãs) SINÉDOQUE, NOVA YORK (2008).
ANOMALISA (2015) é o seu terceiro longa como diretor, depois de um trabalho para a televisão pouco conhecido (HOW AND WHY, 2014). Aqui ele divide os créditos de direção com o animador Duke Johnson, com bastante experiência em animação em stop-motion. A estranheza de ANOMALISA está justamente em parecer, pelo menos de início, uma história de uma pessoa comum contada com bonecos um tanto desproporcionais. O que não é comum é o mundo que circunda o protagonista, como aos poucos vamos percebendo.
David Thewlis faz a voz de Michael Stone, um autor de livros especializado em atendimento ao cliente que é adorado por multidões. Ele é uma celebridade, por assim dizer. O filme acompanha sua jornada do avião até o hotel de luxo em que se hospeda. Mas em vez de estar feliz com a vida que leva, ele acha tudo um saco. E ainda está passando por problemas conjugais – brigou com a esposa quando saiu de casa para dar essa palestra em outra cidade.
A solidão faz com que ele procure meios de aplacar esse vazio, chegando até mesmo a procurar o número de uma ex-namorada, cujo fim do relacionamento a deixou um tanto confusa e magoada. E o curioso é que tanto ela quanto todos os demais personagens são dublados pela voz de um único homem, Tom Noonan. Essa sensação de estranheza ao ver mulheres com voz de homem acaba sendo um charme desse filme. E também há uma razão de ser, como veremos a seguir, quando ele conhece uma moça, Lisa, que tem uma voz diferente (de Jennifer Jason Leigh).
E eis que nesse cenário tão raro de encontrar cenas de sexo boas e autênticas – refiro-me ao cinema americano contemporâneo –, justo em uma animação vemos um excelente trabalho de construção de cena de intimidade entre Michael e Lisa. A cena não é exatamente excitante, mas é envolvente e encantadora o suficiente para deixar a plateia quase prendendo a respiração.
Charlie Kaufman (e seu companheiro Duke Johnson) constroem um retrato muito bonito e kafkiano sobre a solidão, a dificuldade de se relacionar com o mundo, de externar as emoções, de ser singular neste mundo globalizado, sem que com isso não tenha também seus momentos de alívio cômico, uma estratégia, aliás, para nos aproximarmos mais desses personagens cabeçudos – no sentido literal da palavra.
ANOMALISA concorre ao Oscar na categoria de melhor animação.
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