domingo, janeiro 03, 2016

OS OITO ODIADOS (The Hateful Eight)



A teoria de que Quentin Tarantino teria sido prejudicado bastante com a morte da montadora Sally Menke, que trabalhou com o cineasta de CÃES DE ALUGUEL (1992) a BASTARDOS INGLÓRIOS (2009), ganha ainda mais força neste novo filme, OS OITO ODIADOS (2015), que possui uma metragem de quase três horas de duração. Desde DJANGO LIVRE (2012), seu trabalho anterior, Tarantino vem trabalhando com o menos talentoso Fred Raskin (franquia VELOZES E FURIOSOS) na montagem.

Vale lembrar também que desde CÃES DE ALUGUEL Tarantino faz uma espécie de prova de fidelidade do espectador. Os mais impacientes, por exemplo, não devem gostar nada de tanto falatório que precede a ação e a violência que viria a seguir. A diferença é que em OS OITO ODIADOS (2015) tantos diálogos nem sempre resultam divertidos ou tensos.

Os primeiros capítulos, por exemplo, se passam dentro de uma carruagem que leva quatro pessoas: dois caçadores de recompensas, o Major Marquis Warren (Samuel L. Jackson) e John Ruth (Kurt Russell), uma mulher levada para a forca, Daisy Domergue (Jennifer Jason Leigh), e um homem que afirma ser o novo xerife de Red Rock (Walton Goggins).

O ódio de classe e cor já começa a partir da conversa dessas quatro pessoas no norte dos Estados Unidos, alguns anos após o fim da Guerra Civil Americana. Lembra um pouco NO TEMPO DAS DILIGÊNCIAS, de John Ford, ao juntar um grupo heterogêneo de pessoas em um pequeno espaço, mas aqui temos um elemento negro e forte, vivido por Jackson. A mulher, por sua vez, é todo o tempo lembrada que não é nenhuma dama, é uma assassina, uma vadia, e que deve ser tratada na porrada, ainda que sua vida deva ser conservada para que seja devidamente enforcada.

O curioso de OS OITO ODIADOS é que a insistência de Tarantino em usar o glorioso Ultra Panavision 70 não é para mostrar lindas imagens em planos gerais de exteriores, já que a maior parte do filme se passa dentro de um armazém, que é onde os quatro primeiros personagens encontram os outros quatro. Mas embora o roteiro servisse muito bem se aplicado em uma peça de teatro, Tarantino não nos deixa em nenhum momento esquecermos que estamos vendo um filme, seja pelo movimento da câmera, pelo ajuste de foco, ou pela inclusão de um narrador inesperado, que serve tanto para nos lembrar da graça de Tarantino em brincar com o tempo da narrativa, quanto para enfatizar o clima de mistério à Agatha Christie que movimenta o capítulo final.

Como o nome de Tarantino ainda é quente, nem mesmo um trailer pouco atraente como o de OS OITO ODIADOS afastou o público, que têm lotado as sessões neste período de pré-estreia. A coragem do cineasta em exagerar no tempo dos diálogos é diretamente proporcional à fidelidade de seus fãs, que aplaudem o novo trabalho, embora possa admitir que se trata de seu filme menos brilhante, embora seja, no papel e na produção, muito ambicioso, especialmente se compararmos com o naturalmente mais despretensioso À PROVA DE MORTE (2007).

Quanto ao tradicional uso da violência, os fãs podem ficar tranquilos: ela está bastante presente, ainda que demore para explodir em um banho de sangue digno de filmes de horror com muito gore. E talvez seja essa demora que atrapalhe um pouco a eficiência do filme em deixar o espectador tenso ou minimamente preocupado com qualquer um daqueles personagens, como acontece, por exemplo, na cena da cabana em BASTARDOS INGLÓRIOS ou na cena do jantar em DJANGO LIVRE. Pode parecer bobagem, mas apegar-se a determinados personagens ou construir personagens com um grau elevado de maldade ajuda e muito a estreitar a ligação entre filme e espectador.

Assim, o que acontece em OS OITO ODIADOS é que o espectador mantém um olhar distante, embora não saiba de tudo e também esteja tão sujeito às surpresas quanto alguns personagens. O distanciamento e a facilidade em perceber repetições de estilo e autocitações fazem do ato de ver o novo trabalho de Tarantino uma atividade mais fria e racional do que estávamos acostumados. E talvez do que intencionaria o próprio diretor, o que não é um bom sinal.

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