sábado, outubro 10, 2015
A TRAVESSIA (The Walk)
No cartaz de A TRAVESSIA (2015), os dois filmes de Robert Zemeckis que são citados como referência são NÁUFRAGO (2000) e O VOO (2012), justamente seus dois últimos trabalhos em live action – suas três experiências com animação em captura de movimento, que demandaram muito de seu tempo, foram bastante importantes para a consolidação e afirmação dessa tecnologia, mas estão longe de estarem entre seus melhores trabalhos, já que a preocupação maior com os efeitos aliada à vontade de atingir um público infantil acabaram prejudicando os resultados finais.
Além do mais, há pelo menos um elemento de NÁUFRAGO e O VOO que está bastante ligado ao novo filme: a queda. Nesses três trabalhos, Zemeckis se mostra obcecado pela queda, que nos dois filmes anteriores é mostrada como um espetáculo à parte. Em A TRAVESSIA, a queda pode ser vista até certo ponto como uma possibilidade, mas é também, no caso da realização do sonho de Philippe Petit (Joseph Gordon-Levitt), sinônimo de morte, uma palavra tabu para o personagem e que deve ser riscada de sua mente sob risco de atrapalhar o sucesso de seu ambicioso projeto.
A incrível história do equilibrista Philippe Petit já foi contada em documentário antes, em O EQUILIBRISTA (2008), de James Marsh, mas é até interessante ver o filme de Zemeckis sem ter visto o documentário. Curte-se mais cada momento. Aliás, como é gostoso acompanhar a narrativa de A TRAVESSIA. O diretor utiliza um velho recurso, o da narração do próprio personagem contando a história não apenas em voice-over, mas também de cima de um prédio, ainda que não seja o mesmo onde se deu a sua incrível e proibida aventura.
E sendo proibida, A TRAVESSIA entra na questão da arte como objeto transgressor e como ato de desobediência civil. Em vários momentos, Petit faz questão de afirmar que ele não é um artista de circo, ele é um artista. E isso é muito importante como afirmação, principalmente para o filme e para refletir na própria criação de Zemeckis. Como se o cineasta quisesse dizer também que ele não é apenas um dos grandes pioneiros do uso de tecnologias de ponta no cinema, mas que é também um dos grandes cineastas de sua geração. Ao ver A TRAVESSIA, temos mais uma vez certeza disso.
A busca de um modelo de narrativa que consiga trazer tanto o suspense e a tensão do ato proibido e quase suicida de Petit, auxiliado por seu grupo de cúmplices, e ao mesmo tempo também captar a sensação do personagem quando ele finalmente atinge o seu objetivo, em um momento tão especial que é um misto de felicidade orgasmática com uma profunda paz de espírito, é atingido com precisão pelas imagens fabulosas que aliadas à tecnologia IMAX 3D trazem uma sensação de que estamos também no fio que liga as duas torres gêmeas do World Trade Center. Para quem tem medo de altura, o filme é um convite a desafiar esse medo.
Contar a história de Petit desde a infância em Paris, quando ficou fascinado com um equilibrista de circo e como conseguiu sozinho ser um mestre nessa habilidade para depois chegar ao projeto de vida que nasceu antes mesmo de as torres ficarem prontas, tudo isso contribui para que nos aproximemos mais do personagem, o que mais uma vez nos remete aos dois filmes citados no cartaz, que nos ligam a um homem sozinho em uma ilha e a um homem sozinho em assumir a culpa de ter bebido e ao mesmo tempo ter salvado os passageiros e a tripulação de um voo. Aqui a solidão também está presente, mesmo que Petit tenha parceiros que o ajudem a realizar o ato. Mas não se trata de uma solidão ruim. Pelo menos, não aqui.
Estar sozinho em meio a nuvens visualizando pessoas tão pequenas lá embaixo enquanto ele desempenha um ato tão insano é não só o momento mais importante de sua vida, mas também um momento em que ele atinge um estado de espírito até então desconhecido. A cena do pássaro se aproximando para olhar para ele, por exemplo, tem uma força espiritual poucas vezes vista no cinema.
Ver A TRAVESSIA é entender que o uso da tecnologia 3D pode sim ser usado para nos fazer atingir níveis especiais de apreciação fílmica que vão muito além de um mero parque de diversões incluído na rotina dos multiplexes e de uma forma de aumentar o custo dos ingressos. Claro que sabemos que se trata de um caso especial, mas é sempre bom dizer que casos especiais assim devem ser tratados com muito carinho, e por isso mesmo perder a chance de ver A TRAVESSIA no cinema é quase um crime.
Nenhum comentário:
Postar um comentário