domingo, maio 03, 2015

A PAIXÃO DE JL



O título do filme de Carlos Nader já diz muito do que veremos no documentário vencedor do É Tudo Verdade 2015. A PAIXÃO DE JL (2015) nos apresenta à história contada pelo próprio José Leonilson, artista plástico cearense radicado em São Paulo, que ficou famoso por seus trabalhos íntimos e bastante ligados à sua vida privada e às suas inquietações. E essa história já se sabe que terá um final amargo. Afinal, como artista conhecido que é, muitos já sabem que Leonilson morreu em decorrência do vírus da AIDS, na década de 1990.

Em nenhum momento o diretor Carlos Nader utiliza depoimentos ou algo do tipo. A não ser por algumas imagens que situam a situação política do Brasil e do Mundo (a queda do Muro de Berlim, a eleição e o impeachment de Collor, o primeiro bombardeio dos Estados Unidos ao Iraque), todo o filme é contado através das gravações deixadas em fitas cassete por Leonilson.

São gravações muito íntimas. Falam de seus amores por rapazes, de seu medo em desapontar seus pais dizendo a eles ser gay, do medo da AIDS, de seu sentimento de solidão, entre outras coisas que lhe inquietavam ou em algum momento lhe alegravam. No começo, o tom é até alegre, pois a sombra do vírus HIV ainda não o assombrava tão fortemente, e o que mais era objeto de observação eram mesmo os homens que amou.

Esses sentimentos são entrecortados por trechos de filmes e clipes que ele viu e que o marcaram, como três filmes de Wim Wenders (PARIS, TEXAS; ASAS DO DESEJO; e UM FILME PARA NICK) e um videoclipe da Madonna ("Cherish"), que muito nos faz lembrar outro artista muito querido e que também tinha Peixes forte em sua carta natal, Renato Russo. E que também teve destino semelhante.

O signo de Peixes é mencionado diversas vezes no início do filme, como símbolo até mesmo de autoafirmação, mesmo se tratando do signo mais sensível e depressivo do zodíaco (vide a vida e a morte de outro pisciano célebre, Kurt Cobain). No clipe de "Cherish", inclusive, Madonna aparece de sereia. Nos desenhos e nos quadros de Leonilson, o símbolo de Peixes também é desenhado com frequência, assim como há imagens da água, numa alegoria da vastidão do mar e das emoções que ele leva e traz.

Um dos exemplos mais bonitos dessa sensibilidade extrema de Leonilson é quando ele chora ao imaginar as pessoas indefesas de Bagdá sendo mortas ou feridas pelas bombas dos americanos. Algo que a imprensa apresentou como luzes descendo sobre uma cidade à noite, sem destacar explicitamente a violência e a crueldade do ato, as pessoas mais sensíveis sabiam que ali estava acontecendo algo muito trágico.

O artista plástico também questiona a própria missão de Jesus para salvar a humanidade, principalmente quando se vê orando a Deus e depois se perguntando o porquê de Ele ter colocado nele um mal tão grande quanto a AIDS, algo que o fazia pensar dia e noite, desde o dia em que ele resolveu fazer o teste. A gravação da véspera do resultado do teste chega a ser perturbadora.

As cenas dos filmes citados por Leonilson também ajudam a compor um quadro bonito e poético. Quem viu os filmes sabe o quanto eles são impregnados de poesia e uma vez que o ligamos ao sentimento do protagonista, essa poesia se reverbera, como a figura de Harry Dean Stanton perambulando anos a fio pelo deserto em PARIS, TEXAS, sem saber para onde ir, depois de uma situação que o perturbou. Talvez seja preciso ter visto o filme de Wenders para entender essa dor.

Mas o filme não seria tão especial se não nos presenteasse com as obras de Leonilson, mostradas em paralelo com os acontecimentos de sua vida, e fazendo com que compreendamos melhor suas intenções e sua genialidade, ao utilizar recursos tão baratos e simples para criar uma obra de arte única, tanto os desenhos que costumam repetir a figura de um homem nu (ele mesmo) e as diversas telas com tecidos.

Ver A PAIXÃO DE JL, portanto, é não apenas acompanhar a jornada dolorosa dos quatro últimos anos de vida de Leonilson, mas é também ter a oportunidade de ouro de apreciar a sua arte com o privilégio de ter o próprio artista apresentando-a, através de uma mídia poderosa como o cinema.

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