domingo, abril 26, 2015

14 ESTAÇÕES DE MARIA (Kreuzweg)



A ideia por si só já é bastante interessante: narrar um filme em 14 planos fixos em que somos apresentados a uma garota de nome Maria (Lea van Acken) que tem como principal objetivo de vida alcançar a santidade. Cada plano é um capítulo e é apresentado em paralelo com os 14 momentos da via crúcis de Jesus. Por exemplo, o primeiro capítulo se chama "Jesus é condenado à morte"; o segundo, "Jesus carrega a cruz às costas"; o terceiro, "Jesus cai pela primeira vez" etc.

No primeiro plano-sequência, vemos um jovem padre ensinando a um grupo de jovens que se preparam para a crisma sobre o quanto devemos sacrificar nossas vidas em prol de Jesus. A ideia é pensar em alguma coisa de que gostamos muito e renunciar ao prazer dessa coisa, podendo ser algo simples, como comer chocolate, por exemplo. É difícil não ficar até um tanto irritado com esse discurso, mas ao mesmo tempo o filme tenta mostrar isso de forma aparentemente isenta de julgamentos, muitas vezes remetendo ao cinema de Robert Bresson e de seu maior seguidor contemporâneo, Bruno Dumont.

O terceiro capítulo, intitulado "Jesus cai pela primeira vez", mostra a primeira vez em que Maria sente atração por um rapaz da escola, que insiste em convidá-la para sair, ou pelo menos ir até a igreja dele, para assisti-lo em um coral que canta canções gospel, corais de Bach e também um pouco de soul. Esse tipo de música (gospel e soul), para a família de Maria, especialmente para sua mãe, é considerada satânica, e só contribui para desviar os incautos do caminho de Deus. Maria também concorda com isso, mas a vontade que ela tem de encontrar aquele rapaz é forte.

O fato de a câmera não sair do lugar – a não ser em algum ou outro momento muito especial – torna o filme ainda mais intrigante. Seus enquadramentos, apesar de despojados, são belíssimos, tanto nas cenas exteriores, quanto nas interiores, que são maioria.

Infelizmente acabei vendo numa sala com uma projeção não muito boa, mas o filme é tão bom que mereceu mesmo um tratamento de tela grande, embora necessite de algumas revisões em casa, até para sabermos se o diretor alemão Dietrich Brüggemann tem um posicionamento em cima do muro, dando ao espectador a sua própria interpretação, ou se há de fato de uma crítica à Igreja Católica, embora o filme não pareça negar algo como o olhar de Deus ou algo parecido.

Há um clima de tensão no ar em cada uma das 14 cenas. Na já citada primeira cena, por exemplo, em que o padre discursa com jovens sobre a necessidade de estar do lado de Deus e contra as forças de Satanás na batalha. Nisso, ele faz até mesmo uma crítica às ações do Vaticano. Já a partir desse instante e vendo em seguida os posicionamentos de Maria, certamente os espectadores em grande maioria a veem como uma fanática religiosa.

Nos planos-sequência finais, alguém poderia citar alguma semelhança do filme com A PALAVRA, de Carl T. Dreyer, ao vê-lo como um exemplo de estudo sobre a fé, mas há muitas camadas e detalhes que tornam o trabalho mais próximo de um DIÁRIO DE UM PÁROCO DE ALDEIA, de Bresson, ou de O PECADO DE HADEWIJCH, de Dumont. Mas o importante mesmo é o quanto a obra de Brüggemann inquieta o nosso espírito e nos faz sair da sessão no mínimo transtornados.

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