terça-feira, dezembro 30, 2014

SEIS FILMES DO NOVO CINEMA BRASILEIRO




Pode ser que eu esteja forçando a barra colocando estes seis cineastas, com obras totalmente diferentes uma da outra, no mesmo saco. Eles não fazem parte de um movimento ou algo do tipo ou moram numa mesma região do país. Mesmo assim é possível estabelecer uma interseção pelo caráter de novidade e frescor que essas obras trazem, além do fato de serem todos dirigidos por cineastas jovens e com propostas que fogem do que se costuma ver no cinema mais tradicional. Falemos um pouco dos filmes, então. Todos foram vistos no Cinema do Dragão.

ELES VOLTAM

A estreia na direção de Marcelo Lordello apresenta um cineasta de talento tratando do tema do abandono e do modo como uma jovem (Maria Luiza Tavares) tenta sobreviver longe dos pais e da família quando é deixada na estrada. ELES VOLTAM (2012), ao mesmo tempo em que mostra uma protagonista à deriva e descobrindo um mundo novo, trata também da questão da solidariedade de um povo simples a uma jovem menina branca e rica que se encontra perdida. Embora tenha gostado da narrativa cuidadosamente lenta e do bom desempenho dos não-atores, falta ao trabalho de Lordello algo que eu ainda não sei explicar muito bem para que se tornasse um grande filme. Ainda assim, é certamente um diretor a se prestar atenção.

O MENINO E O MUNDO

O desenho animado de Alê Abreu é tão cheio de abstrações que chega a ser um pouco difícil falar a respeito, principalmente tendo passado tanto tempo que o vi pela primeira e única vez. O que não dá pra negar é o quanto O MENINO E O MUNDO (2013, foto) representa um salto em nosso cinema de animação, optando ao mesmo tempo por traços simples (o personagem principal é apenas um rabisco), mas ao mesmo tempo sofisticados. Há colagens surpreendentes, como imagens em estilo documentário e inserção de carros feitos em computador nos traços. A proposta é mais ambiciosa: mostra um país em desarranjo social, com uma trilha sonora de Emicida, que tanto bem tem feito pela música de reflexão da coletividade. O filme fala de muita coisa: fábricas, artistas de rua, a pobreza etc. Destaque também para o excelente desenho de som.

UMA DOSE VIOLENTA DE QUALQUER COISA

Este road movie existencial cerrano poderia ser mais interessante. E acho até que começa muito bem, ao mostrar os primeiros contatos do protagonista Pedro (Vinícius Ferreira) com o homem de espírito nômade Lucas (Marat Descartes). UMA DOSE VIOLENTA DE QUALQUER COISA (2013), de Gustavo Galvão, traz alguns experimentos formais em sua narrativa, mas não é isso que fica na memória. O que mais fica é mesmo o encontro desses dois homens: um em busca de liberdade, o outro em busca de alguém com quem viver a sua própria liberdade. Surge uma amizade meio torta, se é que dá pra chamar de amizade, já que Lucas se mostra um sujeito perigoso aos olhos de Pedro. Em meio a uma trilha sonora que mistura punk rock e jazz, o filme vai seguindo seu caminho tortuoso. Gustavo Galvão se mostrou um cineasta inquieto e este é seu segundo longa. O anterior se chama NOVE CRÔNICAS PARA UM CORAÇÃO AOS BERROS (2012).

VENTOS DE AGOSTO 

Provavelmente VENTOS DE AGOSTO (2014) é o filme que eu mais gosto desses seis aqui apresentados. Gabriel Mascaro, depois de uma experiência com documentários, sendo o anterior DOMÉSTICA (2012), de grande repercussão nos festivais, se aventura agora no terreno da ficção, ainda que não tenha de todo largado o registro de documentário, que se mistura à narrativa ficcional de um casal que vive em uma pequena cidade litorânea de Alagoas. A moça tatuadora e fã de punk rock vive insatisfeita com aquele lugar e só mora lá por que tem de cuidar da avó. O rapaz trabalha com ela entregando cocos – e no meio disso costumam transar na paisagem verde de cocos. Ele, ainda que resistente a mudanças, fica obcecado com o cadáver de um desconhecido que aparece na praia. O lugar, de difícil localização, complica a chegada da polícia ou de alguém para levar o corpo, que fica do lado de fora de sua casa durante dias. Unindo sensualidade com reflexão existencial, VENTOS DE AGOSTO teve uma boa campanha nos cinemas, tendo alcançado até as salas de shopping. Além do mais, seu belo cartaz deu o que falar.

GIRIMUNHO 

A chance de ver o tão celebrado GIRIMUNHO (2011), de Clarice Campolina e Helvécio Marins Jr., veio com uma mostra recente ocorrida no Dragão do Mar, com presença da diretora Clarice. A mostra era dedicada aos filmes da produtora cearense Alumbramento, mas GIRIMUNHO ganhou espaço por ter um dos técnicos presentes na produção. Trata-se de mais um filme que mistura o documental e o fictício, só que bem mais radical, já que todos os personagens são interpretados por pessoas de uma pequena cidade do norte de Minas Gerais. Aliás, eles interpretam a si mesmos. Há uma fusão entre o que ocorreu de verdade em suas vidas e uma tentativa de seguir um roteiro. A trama gira em torno de duas mulheres idosas, Bastu e Maria do Boi. O sobrenatural é um elemento bastante presente no filme, seja pela "presença" do fantasma de alguém recém-falecido, seja pelo folclore que remete a uma certa mitologia perdida no tempo.

MEDO DO ESCURO

Ver MEDO DO ESCURO (2014), de Ivo Lopes Araújo, no cinema, do jeito que foi projetado, é uma experiência única, gostando-se ou não do filme (e da experiência). Foi o filme-surpresa da Mostra Alumbramento e tomou-se todo um cuidado para se criar uma atmosfera de mistério na sala, toda escura e com uma música ao vivo ao fundo de caráter assustador. Essa música seria a trilha sonora do filme mudo que nos seria apresentado em primeira mão. O som das caixas de som implantadas era tão alto que reverberava em nossos corpos, com seus graves potentes. Quanto ao que se via na tela, vejo mais tentativas de se chegar a um cinema onírico do que sucesso. Ainda assim, há alguns momentos brilhantes, fruto de experimentações com a câmera. A mistura de horror com ficção científica apocalíptica nem sempre funciona, mas não deixa de ser curioso para quem mora na cidade e reconhece as locações. Ivo Lopes Araújo já é um dos maiores nomes da fotografia de cinema no Brasil (basta ver seu currículo) e tem buscado também o caminho da direção cinematográfica.

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