domingo, setembro 07, 2014

THE SECOND GAME (Al Doilea Joc)























Uma das experiências mais desconcertantes e ao mesmo tempo mais interessantes neste festival de cinema internacional que está acontecendo no Cinema do Dragão, o Farol, foi a de ver THE SECOND GAME (2014), o mais recente longa-metragem de Corneliu Porumboiu, que nada mais é do que um jogo de futebol gravado em 1988 no qual o pai do cineasta trabalhou como árbitro. Trata-se de um jogo entre o time da polícia secreta contra o time do exército. Ao fundo, ouvimos/lemos a conversa entre o cineasta e o seu pai sobre o tal jogo.

O curioso é que apesar desse formato inusitado de se fazer cinema, do fato de o jogo ser extremamente chato e de não acontecer quase nada de interessante durante todo esse tempo, apenas três pessoas desistiram do filme durante a sessão. O que é uma boa mostra do tipo de público do festival, pronto para experiências diferentes, não importando o quão dolorosa ou tediosa possa ser.

O que eu senti falta no filme veio mais de minha falta de conhecimento da obra do cineasta de POLÍCIA, ADJETIVO (2009). Acredito que um pouco mais de intimidade com a poética do diretor potencializaria a reflexão ao longo e após a projeção, ao trocar ideias com os amigos a respeito do que se acabou de ver.

A primeira coisa que me veio à cabeça é comentada pelo próprio pai do diretor, o árbitro, que diz que a tal filmagem do jogo não iria interessar a ninguém. Depois disso ele ainda cita o aspecto efêmero da importância que se dá a certos jogadores, citando, inclusive, Ronaldinho e Messi. Enquanto isso, o filho cineasta tenta extrair daquelas imagens possíveis elementos poéticos.

O fato de não acontecer quase nada no jogo também contribui para o caráter contemplativo tão próprio da vida e de algumas obras mais lentas como a do próprio Porumboiu, que brinca com isso ao longo do jogo. O curioso é que essa experimentação do diretor pode até mesmo ser questionada se se trata ou não de um filme.

Aliás, um jogo de futebol pode ser considerado uma obra de arte? Afinal, trata-se de algo de valor tão ligado ao imediatismo, ao acaso, às transmissões ao vivo. Raramente alguém vai se interessar em rever um jogo integralmente. Talvez alguns poucos aficionados. Mas nem esses diriam que estariam vendo uma obra de arte ou algo próximo de um filme, mas o registro de seu esporte favorito.

Em tempos de áudio de comentário de diretores, historiadores de cinema ou membros do elenco ou da equipe técnica em extras de filmes, a experiências às vezes de rever um filme com essas intervenções pode ser equivalente a um estudo sobre a obra. Outras vezes, os diretores nem têm muito o que falar sobre o seu próprio filme e acabam deixando muitos espaços de silêncio.

Em THE SECOND GAME, o pai do diretor fala das principais curiosidades na primeira metade do jogo, ficando a impressão de que na segunda metade ele já não tinha mais nada pra falar ou já estava de saco cheio daquele jogo sem graça, embora haja aspectos curiosos, como o fato de a câmera desviar a atenção para o público sempre que havia brigas dentro de campo, um reflexo da política do bloco comunista da época. A visão do público impassível em meio àquela nevasca não deixa de ser curiosa também. Quase tanto quanto o jogo.

Há também uma questão que já é comum em alguns documentários, que é a de apropriação de uma obra que não é originalmente sua e que passa a ser a partir de então. No caso de THE SECOND GAME, isso é levado às últimas consequências, mas o jogo deixa de ser menos importante do que o ato de olhar. E talvez daí venha o seu valor.

O filme lembra algumas experiências semelhantes em curtas-metragens brasileiros, como PÁTIO, de Aly Muritiba; FANTASMAS, de André Novais Oliveira; e NOSSOS TRAÇOS, de Rafael Spínola. Os três contam com narrações em voice-over e se aproximam, em maior ou menos medida, da linguagem documental.

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