terça-feira, agosto 05, 2014

EXTREMOS DO PRAZER



Ir à cata desses filmes raros de Carlos Reichenbach muitas vezes é questão de sorte. Sorte de encontrar a pessoa certa numa conversa mais ou menos casual sobre cinema em geral, por exemplo. Quem é interessado em cinema brasileiro, especialmente esse produzido em São Paulo, mais marginalizado, acaba tendo algum trabalho às vezes, mas o resultado é quase sempre muito gratificante.

Eu tive a sorte de conhecer, ainda que pouco, o Carlão como pessoa. Mas vendo esses filmes que parecem tão antigos (quando na verdade nem são tanto assim, a culpa é da imagem sofrida que serviu de base para a cópia), a impressão de que não o conheci quase nada só aumenta. Mesmo eu lendo os seus escritos desde o início dos anos 2000. Digo isso mais pelas diversas citações de filósofos que ele inclui em EXTREMOS DO PRAZER (1983), o que não é muito diferente do que ele fez em outros trabalhos.

Se Martin Scorsese o conhecesse talvez o chamasse de cineasta contrabandista. Isso porque ele discutia política de forma até muito aberta para aqueles tempos em que ainda havia censura e um resto de ditadura ainda perdurava. Para os filmes produzidos na Boca do Lixo, que visavam retorno financeiro, esse tipo de discurso político cabia, contanto que houvesse mulher pelada e cena de sexo. E isso nunca foi um problema para Carlão, que também gostava disso, apreciava a sensualidade no cinema e sabia fazer o público ficar bem animado. Basta lembrar de seu episódio para o sensacional AS SAFADAS (1982), feito um ano antes.

EXTREMOS DO PRAZER, por exemplo, utiliza esse título talvez mais para chamar a atenção da bilheteria. No fim das contas, o que era vendido como pornochanchada era também recheado de ideias contrárias à política dominante, ainda que mostrado através de personagens que possuem posturas contrárias. Isso diminui os riscos de a censura cair em cima e achar que o filme é obviamente libertário e simpatizante de outros ismos.

Assim, a trama que se passa inteiramente dentro de uma casa de campo com piscina mostra a chegada de dois casais: a intelectual recém-divorciada Marcela e o rude Ricardo; e Natércia e Felipe, dois burgueses progressistas. Na casa, para recebê-los está o pensador Luís, que cuida da casa e convive com o fantasma da falecida esposa. O filme contará com outros dois casais, mais jovens, sendo que a menina é vivida pela adorável Vanessa Alves. Pena que a cópia não faz jus à sua beleza, mal dando para apreciar o seu corpo.

Mas o mais importante é como a química dessas pessoas tão diferentes funcionará dentro deste ambiente fechado, apesar de agradável. O próprio Carlão dizia que a semelhança com o cinema de Eric Rohmer não é coincidência. O que pra mim é ótimo, já que aprecio o trabalho dos dois cineastas. E também vejo um erotismo bem forte no cineasta francês, ainda que bem menos gráfico do que nos filmes de Carlão. Basta lembrar de PAULINE NA PRAIA e de MINHA NOITE COM ELA.

EXTREMOS DO PRAZER pode não ser tão sofisticado e ao mesmo tempo tão excitante sexualmente quanto A ILHA DOS PRAZERES PROIBIDOS (1979), AMOR, PALAVRA PROSTITUTA (1981) ou trabalhos mais recentes, como GAROTAS DO ABC (2003) e FALSA LOURA (2007), mas é certamente fundamental para ajudar a compor uma obra tão singular de um diretor que ainda tinha muito a nos oferecer.

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