Todo o niilismo presente em AMOR (2012), a premiada obra de Michael Haneke, já estava presente e de maneira ainda mais agressiva em seu longa-metragem de estreia para o cinema, O SÉTIMO CONTINENTE (1989), filme não muito aconselhável para ser assistido por algum espectador que esteja sofrendo de algo próximo a uma depressão ou coisa parecida. Trata-se, de verdade, de um filme que, através de poucas palavras, consegue passar um sentimento de angústia muito difícil de descrever.
Ainda que esse sentimento esteja obviamente presente no final do filme, é numa determinada cena, que acontece com a família dentro do carro, que ela surge mais forte. O silêncio se instalando e algo de terrível assombrando a vida daquelas pessoas. No caso, uma família formada por um homem, uma mulher e uma filha pequena. Todos eles vivem uma vida aparentemente tranquila ainda que fria, mas planejam algo de muito sinistro para si.
Se em AMOR havia uma desculpa para que houvesse a necessidade do casal de se despedir da vida, ocasionada inicialmente por dois derrames sofridos pela mulher, em O SÉTIMO CONTINENTE nos vemos diante de uma família fisicamente saudável, com problemas comuns, mas que resolvem optar por uma saída radical. E o modo como Haneke muito cruelmente expõe essa despedida da vida dessa família é extremamente cruel.
Se em AMOR respeitamos a escolha do casal, bem como sua preferência em não acreditar em nada espiritual ou de simbolismo cristão, chega a ser difícil compreender a atitude autodestrutiva dessa família, que não apenas quer se desfazer dos próprios corpos (ou de suas almas, na verdade), mas também de todos os bens materiais que possui. Aliás, esse desapego aos bens é algo até interessante de se abordar, mas não da maneira cruel como vemos no filme.
Conhecido como o primeiro filme da trilogia gelada de Haneke – os demais seriam O VÍDEO DE BENNY (1992) e 71 FRAGMENTOS DE UMA CRONOLOGIA DO ACASO (1994) –, é possível perceber também não apenas um pensamento niilista por parte do seu autor, mas também o comportamento frio de um povo. No caso, o austríaco. Haneke pode ter querido mostrar um grupo de pessoas que deixou de sentir prazer na existência, nas coisas simples, como comer juntos, por exemplo; que deixaram de amar e de ter carinho pelo outro.
O SÉTIMO CONTINENTE pode ser visto tanto como uma visão de mundo do próprio cineasta, como também uma crítica da sociedade em que ele vive, um modo de refletir sobre a falta de sentido na vida. Esse, aliás, é um dos problemas dos países mais desenvolvidos, aqueles que já conquistaram a riqueza material, mas que agora precisam preencher outro vazio.
Destaque também para o modo distinto de filmar de Haneke, que demora bastante para nos apresentar aos rostos da família. Vemos partes do corpo e objetos: as mãos, os pés, a mesa posta para o café da manhã. Essa demora é outro elemento para gerar um sentimento de inquietude no espectador e uma prova de que, entre os cineastas atuais que preferem o mal estar ao final feliz hollywoodiano, Michael Haneke é provavelmente o mais brilhante.
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