quarta-feira, abril 30, 2014
YVES SAINT LAURENT
Moda não é exatamente algo que me entusiasme. Sou do tipo que tem poucas calças (jeans), que não liga muito pra comprar roupa, a não ser que esteja faltando, e ando com o mesmo relógio barato e surrado para todo canto. Sem falar nos tênis, que também tenho poucos. E durante as festas do Oscar sempre acho uma bobagem quando o entrevistador pergunta à celebridade o que ela está vestindo. Mas sei a importância comercial da coisa. Porém, é preciso também encarar esse tipo de arte com mais seriedade.
O próprio Yves Saint Laurent, como podemos ver nesta cinebiografia, considerava a moda como uma arte menor em comparação com a Literatura e a Pintura. E não vou dizer que é pura modéstia dele, mas uma espécie de lucidez. Porém, tanto a moda quanto a culinária são formas de arte "menores" que merecem sim mais respeito e consideração dentro dos círculos da "alta arte".
YVES SAINT LAURENT (2014), de Jalil Lespert, nos ajuda a enxergar esse universo além do que normalmente é pensado em linhas gerais: como sendo um universo sem profundidade. No entanto, ao vermos o desenvolvimento da narrativa do filme, de 1957 até meados dos anos 1970, já podemos ver o quanto cada estilo de roupa (e de penteado) dita a cara de cada época, o quanto é essencial para definir aquele momento. É fácil perceber, por exemplo, a mudança radical quando YSL percebe que precisa acompanhar a contracultura para não ficar pra trás.
No filme, o estilista é interpretado por Pierre Niney, que assim como Guillaume Gallienne, de EU, MAMÃE E OS MENINOS, é apresentado como sendo da Comédie-Française. E os dois atores apresentam personagens totalmente opostos: enquanto Niney é um Yves cheio de fragilidade e incapaz de fazer outra coisa na vida a não ser desenhar modelos de vestidos, o homem que seria seu companheiro (Gallienne) é mostrado com maior virilidade, com a força de quem tem que organizar os negócios de Yves, além de ser capaz de pegar por trás também uma jovem que sempre foi a menina dos olhos de Yves, vivida pela bela Charlotte Le Bom. Inclusive, quando ela sai de cena, o filme perde um pouco da graça.
Ainda assim, YVES SAINT LAURENT é uma biopic eficiente, mesmo que não traga nenhuma novidade no campo estético-narrativo. Serve para que os leigos (como eu) conheçam quem foi o estilista. No meu caso, como tenho certo carinho por personagens frágeis, acabei simpatizando com o modo como o filme o mostrou. Se fugiu ou não de como foi o verdadeiro YSL, aí já é outra coisa. E isso não está nos méritos do filme, que sempre será uma obra de ficção, não importando suas fontes.
terça-feira, abril 29, 2014
TRÊS THRILLERS
Em busca de diminuir o número de filmes da lista, eis mais uma postagem três em um. Em comum, o fato de serem todos filmes estrelados por atores famosos e já com uma boa bagagem dentro do cinema de ação. Também são trabalhos que não conseguiram chegar lá, isto é, são ok, mas não suficientemente bons.
O ACORDO (Snitch)
Filme visto há mais de um ano, só agora ele encontrou o seu espaço por aqui. Na época, gostei principalmente do desempenho como ator de Dwayne Johnson, que parece estar querendo ser mais respeitado fora do segmento de filmes de porradaria. Tanto é que faria no mesmo ano o bom SEM DOR, SEM GANHO, de Michael Bay. Aqui ele é um pai que faz um grande sacrifício para tirar o seu filho da cadeia. O adolescente foi condenado por um crime que não cometeu. Desesperado, o pai procura uma promotora federal (Susan Sarandon) que oferece a ele uma proposta perigosa, mas que parece ser a única saída para tirar o filho da cadeia: trabalhar como agente infiltrado em uma operação em andamento, a fim de capturar um chefão das drogas (Benjamin Bratt). O ACORDO (2013) é dirigido por um homem que tem uma extensa carreira como dublê de filmes de ação, Ric Roman Waugh. Provavelmente entrou nessa produção por ser amigo de Johnson.
47 RONINS (47 Ronin)
Ainda acho esses filmes com atores ocidentais dentro do meio oriental um tanto difíceis de engolir. Raramente dão certo. No caso de 47 RONINS (2013), de Carl Rinsch, Keanu Reeves é um mestiço (meio oriental, meio ocidental) que lidera um grupo de samurais rebeldes a fim de se vingar o seu mestre, assassinado por um cruel shogun. Entre os aspectos positivos do filme está a questão da honra e o fato de não haver exatamente um final feliz para os personagens. Mas até chegar ao fim, o filme tem problemas de ritmo e seus elementos fantásticos, que poderiam funcionar a favor, acabam não contribuindo muito para a produção. Reeves está apenas ok no papel. De todo modo, ele nunca foi mesmo grande ator. Destaque para os belos tons esverdeados da fotografia.
SEM ESCALAS (Non-stop)
Tenho simpatia tanto por Liam Neeson como herói de filme de ação quanto pelo trabalho do diretor espanhol Jaume Collet-Serra, de A ÓRFÃ (2009) e DESCONHECIDO (2011). Em SEM ESCALAS (2013), Neeson é um policial federal especializado em vistoriar crimes em aviões. Ele opera secretamente. Porém, recebe uma mensagem em seu celular (secreto) avisando que ele deve transferir 150 milhões de dólares para uma determinada conta em x minutos. Caso ele não o faça, o criminoso matará um passageiro. E assim acontece. Uma sucessão de mortes ocorre durante o voo, o que torna o filme interessante, embora lá pelo meio comece a aborrecer um pouco.
segunda-feira, abril 28, 2014
CÃES ERRANTES (Jiao You / Stray Dogs)
Um filme que, mesmo sendo exibido em circuito alternativo, faz quase metade do público desistir dele a partir de sua primeira meia hora de metragem, não dá para dizer que é uma obra fácil. E por isso é bom ir preparado para a sessão de CÃES ERRANTES (2013), uma experiência radical do cineasta malaio Tsai Ming Liang, conhecido por títulos como O RIO (1997), O BURACO (1998), GOODBYE, DRAGON INN (2003) e O SABOR DA MELANCIA (2005).
CÃES ERRANTES pode ser um filme também difícil para quem não conhece nada da poética do diretor. O que é normal em se tratando de outros autores: quanto mais se conhece a seu respeito através de seus filmes, mais é possível ficar íntimo de seu trabalho e de gostar e ter prazer com eles, mesmo quando a intenção é deixar o espectador incomodado.
Em tempos de imediatismo, fazer um filme como CÃES ERRANTES é nadar contra a corrente, é desafiar o espectador. Quem busca um filme pela história, então, é melhor escolher outro. Aqui, embora haja um fio narrativo, a história não chega a ser tão importante assim. Ou é importante dentro dos temas que o filme levanta, sendo que o maior deles talvez seja o sucateamento do ser humano no mundo moderno e a morte da arte. Ou do cinema.
O personagem principal é um homem que trabalha o dia inteiro segurando uma placa com o telefone de um condomínio de luxo. Esse trabalho humilhante, de fazer de um homem um objeto, quase uma parede em que é pregada uma placa, é bem representativo dessa falta de humanidade da sociedade contemporânea. Seu drama se soma ao fato de ter sido abandonado pela mulher e de ter que cuidar dos dois filhos pequenos, que passam o dia perambulando pelas ruas ou por um ambiente mais próximo da natureza.
Em determinado momento, vemos o protagonista levando essa placa nas costas, em um plano geral, como se estivesse carregando uma cruz. Seria um grande simbolismo católico se estivéssemos falando de um filme ocidental. Mas talvez seja isso mesmo, levando em consideração o fato de Taiwan ter sido invadido por tantos povos diferentes ao longo dos anos (portugueses, espanhóis, holandeses, japoneses). Inclusive, há um momento especial no filme, em que o protagonista canta uma espécie de hino de um povo perdedor, saqueado, enquanto lágrimas rolam no seu rosto, em meio à chuva, que parece nunca parar.
Quanto à morte da arte, isso é basicamente representado por uma cena envolvendo a mulher que entrará na vida do protagonista. Essa mulher, além de ter a intenção de cuidar das crianças, mora em um museu de arte abandonado. Há uma sequência em que ela aprecia um mural durante muitos minutos como se fosse um objeto alienígena. Mas, assim como a arte não é mais um produto sagrado do ponto de vista humano, ela urina olhando para o quadro, em seguida, num gesto de desrespeito. Essa cena contrastará com o longo plano-sequência final dos dois personagens imóveis.
Outro destaque do filme, embora acabe ficando em segundo plano diante de tantas cenas mais escuras, é o uso das cores em alguns momentos, como o vermelho, o azul e o amarelo, como se o diretor estivesse pintando seu filme, dando, pelo menos por alguns segundos, alguma cor para aquelas imagens lúgubres e naturalistas (há cenas de personagens comendo e fazendo necessidades fisiológicas ou de higiene). Como se fosse mais uma maneira de mostrar a queda do homem à posição de animal, como os escritores naturalistas costumavam mostrar.
Assim, quem não se incomodar em ver um filme hermético, angustiante, opressivo, algumas vezes estático, com ruídos pesados do tráfego e uma cena de canibalismo vegetariano (!), vai poder se dar ao luxo de respirar durante os planos longos de CÃES ERRANTES.
domingo, abril 27, 2014
TUDO POR JUSTIÇA (Out of the Furnace)
Como diria a cantora Kátia, "não está sendo fácil". Uma virose atrás da outra justo quando você está atolado de trabalho e precisando de energia para fazer o que precisa fazer e fazer também aquilo que gosta de fazer. Quase sem voz na sexta-feira, ainda assim estava lá na escola, tentando dar aula. Consegui me poupar, com a ajuda dos colegas. Afinal, teria que dar aula num curso de pós no sábado o dia inteiro, no interior do estado. Estava preocupado com isso. Felizmente, sobrevivi, a aula foi ok, e cá estou eu, ainda não inteiro, mas pelo menos com o espírito um pouco mais tranquilo. Só falta o corpo reagir melhor.
Enquanto isso, o blog esteve parado por alguns dias, coisa que não gosto de fazer, já que esse espaço, por mais que tenha perdido muito da audiência nos últimos anos com a concorrência desleal com o Facebook, ainda é o meu xodó e eu queria muito poder continuar escrevendo todos os dias. Até porque acho que escrever sobre um filme é uma extensão de sua apreciação. O problema é quando juntam tantos filmes que você nem sabe mais quando terá tempo para escrever sobre eles. Mas essa é a menor das minhas preocupações no momento.
Vamos então de TUDO POR JUSTIÇA (2013), de Scott Cooper, que eu vi há quase um mês e nem sei se vou me lembrar do plot. O que não dá pra esquecer é logo do início, quando vemos um Woody Harrelson malvadão cometendo atos violentos em um cinema drive-in. A cena é boa e Harrelson está num momento ótimo de sua carreira. Mas ele é apenas coadjuvante (ainda que muito importante) nesta história de dois irmãos pobres em uma cidadezinha que sobrevive principalmente de uma usina metalúrgica.
Christian Bale é Russell. Não dá pra dizer que é feliz, mas pelo menos ele tem uma bela mulher ao seu lado e que faz com que a vida pareça valer a pena. A mulher é vivida pela lindíssima Zoe Saldana. Então, é fácil entender a sua visão da vida. Já o seu irmão, Rodney, é mais rebelde e acha que arranjar emprego de operário naquela cidade é coisa de perdedor. Por isso ele prefere se alistar e correr risco de morrer ou ficar aleijado na Guerra do Iraque. Retorna à cidade, mas apenas para descobrir que o irmão está preso. Russell havia bebido e acabou cometendo um acidente na estrada e ocasionando a morte de uma mulher. A vida na prisão faz com que ele perca a mulher de sua vida.
E um dos momentos mais tocantes do filme é o reencontro com ela, quando ela já está casada com o delegado da cidade (Forrest Whitaker) e a dor daquele encontro é sentida pelos personagens e pelo espectador. Lembremos que o diretor Scott Cooper fez um tocante drama sobre um cantor decadente de música country, CORAÇÃO LOUCO, e tem uma boa mão para cenas dramáticas. Essa é talvez a melhor do filme, já que o restante tende mais para o thriller.
Mesmo como thriller, TUDO POR JUSTIÇA é eficiente. Basta lembrar a cena em que os dois irmãos entram no covil do chefão do tráfico (Harrelson), numa sequência de grande tensão. Também merecem destaque as cenas de luta de rua do rebelde Rodney. Willem Dafoe está também muito bem como o homem que coordena as proibidas e violentas lutas.
Talvez TUDO POR JUSTIÇA precisasse de um final mais pancada, talvez ainda mais niilista do que ficou, para que o segundo longa de Cooper fosse encarado como uma obra de primeira grandeza. Não chegou lá, mas é certamente um filme que merece ser conferido com todo o prazer e a dor que ele proporciona.
quarta-feira, abril 23, 2014
HOJE EU QUERO VOLTAR SOZINHO
Daniel Ribeiro estreia em longa-metragem a partir de um premiado e muito querido curta, EU NÃO QUERO VOLTA SOZINHO (2010), que apresenta um triângulo amoroso entre dois rapazes e uma moça no ambiente da escola. Um desses rapazes, Leonardo (Guilherme Lobo), tem deficiência visual e a partir do momento em que começa a se relacionar com o novo amigo, Gabriel (Fabio Audi), passa a nutrir sentimentos de paixão por ele. A melhor amiga de Leonardo, Giovanna (Tess Amorim), enciumada, demora um pouco a aceitar a situação.
O longa-metragem, HOJE EU QUERO VOLTAR SOZINHO (2014), que recebeu dois prêmios no Festival de Berlim, o FIPRESCI e o Teddy Bear, destinado a filmes de temática gay, é uma versão estendida do curta e tem alcançado um bom público nas salas em que está sendo exibido, além de funcionar também como arma (ou escudo) contra a homofobia. Uma das cenas finais, que despertam entusiasmo e palmas da plateia, é o melhor exemplo disso.
Talvez o longa, ao esticar um pouco a história e apresentar novas situações, não seja tão redondo quanto o curta, mas mesmo assim é uma bela história sobre relacionamentos homoafetivos que também funciona como um filme sobre exclusão social e bullying. Mostrar o rapaz cego que "enxerga" o amor longe da visão até passa um ar de amor mais "espiritual" para o sentimento que os dois nutrem. Não que não haja desejo sexual, não é isso. Tanto que o filme mostra esse desejo.
O filme sofre também de um roteiro um tanto esquemático e um tipo de dramaturgia que acaba lembrando um pouco a série global MALHAÇÃO (talvez por se passar no Sudeste e com jovens de classe média), embora não haja uma simplificação excessiva no uso dos planos, que é mesmo da linguagem cinematográfica. Mas o mais importante é que sua simplicidade narrativa torna-o acessível às plateias mais jovens e é uma forma muito eficaz de incentivar a cultura da paz, da amizade e da tolerância.
A canção "Janta", de Marcelo Camelo, que aparece em um momento particularmente bonito do curta, surge no longa, numa festa, de maneira bem discreta e pouco perceptível para quem não a conhece, quase como uma homenagem.
segunda-feira, abril 21, 2014
OS INCONFIDENTES
Quando noticiaram a morte de José Wilker (que ainda acho difícil de acreditar, não sei bem por quê), escolhi OS INCONFIDENTES (1972) como o filme que eu veria para homenageá-lo. Não é o melhor trabalho de Wilker, mas seria também uma oportunidade de ver mais um filme de Joaquim Pedro de Andrade, cineasta talentoso que se foi cedo demais. Acabou que, devido aos meus afazeres, acabei terminando de ver o filme justamente no Dia de Tiradentes.
OS INCONFIDENTES não é um filme tão fácil. Tem uma proposta de ser mesmo teatral, pegando trechos de poemas de Tomás Antônio Gonzaga (interpretado por Luiz Linhares), Alvarenga Peixoto (Paulo César Pereio), Cláudio Manuel da Costa (Fernando Porto) e trechos do "Romanceiro da Inconfidência", de Cecília Meireles. Creio que um maior conhecimento do trabalho desses autores do Arcadismo e desse trabalho de Cecília poderia tornar a apreciação do filme mais agradável.
Ainda assim, mesmo com esse distanciamento ou essa admiração que pode vir de diálogos artificiais, mas cheios de beleza, é possível gostar bastante de OS INCONFIDENTES, que, assim como MACUNAÍMA (1969), tem uma fotografia em cores lindíssima. O trabalho de restauração que foi feito foi tão bom que as cores ficaram bem vivas, o que é importante para destacar os figurinos coloridos de época que os personagens usam.
Trata-se de uma obra mais sobre a conspiração do que sobre Tiradentes. O personagem de José Wilker aparece relativamente pouco e acaba se mostrando um homem que pagou o preço dos demais, que foram mais espertos e sempre negaram ter uma participação mais decisiva na conspiração para livrar Minas Gerais do julgo dos portugueses, que estavam roubando todo o ouro de lá.
Ao contrário do que a ditadura queria, na época, o filme, em vez de ser mais uma obra que celebrava os heróis da pátria, foi feito com a intenção de mostrar como um país sofre com a falta de liberdade, uma liberdade que estava podada pelos militares. A fim de não ter o seu filme censurado, Joaquim Pedro de Andrade enxertou um pequeno trecho em preto e branco no final, mostrando como o Brasil daquela época era diferente, celebrando todos os anos o ato de coragem do maior mártir de nossa pátria. Além do mais, a canção "Aquarela do Brasil", de Ari Barroso, de vez em quando tocada, dava um ar de sarcasmo diante do que era mostrado.
domingo, abril 20, 2014
O INCRÍVEL SHOW DE TORTURAS (The Incredible Torture Show / Bloodsucking Freaks)
Hoje não foi dos melhores dias. Deveria ser um dia para estudar e trabalhar muito em slides e artigos, a fim de preparar uma aula sobre Literatura Portuguesa para um curso de pós-graduação. Em vez disso, além de acordar tarde demais, senti uma tontura dessas de tirar a gente do chão por volta do meio-dia. Se não estivesse sentado, certamente teria caído no chão. E o resto do dia foi de indisposição, dores nas costas e um pouco de febre, que parece que está passando agora, com a sudorese. Quer dizer, tirando uma ou outra leitura, foi um dia muito pouco produtivo.
Aproveito, então, para atualizar o blog, falando um pouco de mais um filme que está presente no livro Cemitério Perdido dos Filmes B. O filme se chama O INCRÍVEL SHOW DE TORTURAS (1976), de Joel M. Reed, e, enquanto o assistia, tinha a impressão de que já tinha visto algum trecho no Contos do Thunder, aquele divertido programa que o Thunderbird apresentava na MTV, nos anos 1990, só com filmes trash ou de gosto duvidoso, mas nem por isso menos divertidos.
É o caso de O INCRÍVEL SHOW DE TORTURAS, produção da Troma que contém coisas inacreditáveis como um médico arrancando todos os dentes de uma mulher para aplicar-lhe um blowjob. E depois faz um furo em seu crânio para sugar seu cérebro com um canudinho. E esse sujeito nem é o protagonista do filme, e sim mais uma vítima de Sardu, mestre do Teatro do Macabro, um show em que mulheres são mortas e/ou decapitadas (em geral, nuas) para uma plateia que fica horrorizada, mas que pensa que é tudo truque.
Ao mesmo tempo, somos apresentados a um anão sádico, Ralphus, que é responsável por trazer as vítimas para o seu mestre. No local de trabalho de Sardu, além das vítimas que ele usa apenas para brincar, há um grupo de mulheres nuas dentro de uma cela que se tornaram selvagens e canibais. Assim, o filme aproveita para explorar, de vez em quando, seus efeitos visuais e de maquiagem, que não convencem tecnicamente nos dias de hoje, mas que funcionam dentro do clima de humor negro. O que dizer do jogo de baralho em que, em vez de dinheiro, Sardu e Ralphus apostam os dedos de suas escravas?
Mas o curioso é que alguns momentos podem mexer com a libido de alguns espectadores, mesmo sendo de uma crueldade extrema. Nem é o caso do mostrado na foto acima, com Sardu jantando "à luz de velas" usando uma mulher nua como mesa. É que, no fundo, no fundo, nós temos algo de sádicos, de perversos. E é bom que esse exercício de sadismo seja explorado nos filmes e não em praças públicas, como acontece em alguns países islâmicos ou como acontecia em países cristãos e de outras crenças, no passado.
sábado, abril 19, 2014
ERA UMA VEZ EM TÓQUIO (Tôkyô Monogatari)
Uma chance como essa, de poder ver um dos mais belos filmes do mundo, ERA UMA VEZ EM TÓQUIO (1953), no cinema, em versão restaurada, não é todo dia que é oferecida. A obra-prima de Yasujiro Ozu ganhou mais holofotes quando obteve posição de destaque com a eleição dos melhores filmes de todos os tempos da revista Sight & Sound: figurou em primeiro lugar no top dos cineastas e em terceiro no ranking dos críticos (atrás apenas de UM CORPO QUE CAI, de Alfred Hitchcock, e de CIDADÃO KANE, de Orson Welles).
Segundo o historiador de cinema Mark Cousins, em seu livro História do Cinema, Ozu é o melhor exemplo de cineasta clássico, isto é, diferente dos cineastas americanos da "velha Hollywood", em seus filmes a vida é apresentada como um "equilíbrio entre pais e filhos, entre esperança e desespero, e vida pública e privada" (p. 126). Tanto o enredo quanto o sentimento é aparado em seu cinema. E, no entanto, saímos da sessão de ERA UMA VEZ EM TÓQUIO (1953) com lágrimas nos olhos. Como acontece também com PAI E FILHA (1949), outra de suas obras-primas e a primeira a apresentar a adorável Setsuko Hara como a Noriko de três filmes – o outro é TAMBÉM FOMOS FELIZES (1951).
Setsuko/Noriko é o exemplo perfeito desse equilíbrio, dessa contenção das emoções que é característico do classicismo. Porém, como ninguém é perfeito, no final de seus filmes, essas emoções contidas são postas pra fora, lavando a alma do espectador. Seu papel em ERA UMA VEZ EM TÓQUIO é menor, já que há um número maior de personagens e a trama é centrada no casal de velhinhos (Chishû Ryû, o mais presente ator dos filmes de Ozu, e Chieko Higashiyama) que vem a Tóquio para visitar seus filhos já crescidos e casados.
O problema é que os filhos, um tanto egoístas, são ocupados demais para dar atenção aos pais e o resultado é que os bondosos idosos acabam sendo jogados de um lado para o outro. A única que dá a atenção devida nem mesmo é filha deles, mas é viúva de um de seus filhos, a gentil e doce Noriko. É necessário que acompanhemos toda a trajetória dos idosos para que o amor transbordante da cena de Noriko e da matriarca seja sentida em toda a sua glória. Sem falar nas tocantes cenas que se sucedem.
Vale destacar que, recentemente, para comemorar os 60 anos desta obra-prima, Yoji Yamada fez um remake que aqui no Brasil ganhou o título de UMA FAMÍLIA EM TÓQUIO, que se não tem a perfeição técnica e a autenticidade do genial Ozu é tão bom quanto no quesito emoção. Sem falar que Yamada foi muito feliz em efetuar pequenas mudanças no enredo e na criação de um personagem que não existe no original.
ERA UMA VEZ EM TÓQUIO foi inspirado em A CRUZ DOS ANOS, melodrama comovente de Leo McCarey sobre a terceira idade e o abandono dos pais pelos filhos. Ozu, porém, não viu o filme americano, mas seu corroteirista, Kogo Noda, viu. As histórias são parecidas, mas Ozu conseguiu elevar o que já era muito bom, sem ter que fazer muito esforço, já que suas obras são bem parecidas entre si. Pelo menos as que eu tive o prazer de ver até agora.
quinta-feira, abril 17, 2014
DIVERGENTE (Divergent)
Impressionante o quanto ainda temos jovens leitores, entusiasmados, neste país que passa a impressão de que ninguém lê mais livros. Tudo bem que não se tratam de leitores de clássicos ou de grandes autores, mas muito provavelmente poderão ser. Sabemos que eles são exceção e também sabemos que são jovens que defendem com unhas e dentes suas adoradas obras – nada mais justo –, e que tendem a se entusiasmar com as adaptações para cinema.
No caso da trilogia (de novo, uma trilogia) de Veronica Roth, trata-se de um caso semelhante ao da série Crepúsculo, isto é, mais dirigida a meninas do que a meninos. Não por acaso são as meninas as mais entusiasmadas, as que soltam gritos de "gato!", "gostoso!", "beija logo!" etc. O que é curioso para um filme que aparentemente tem uma história semelhante à de outra série que virou livro: Jogos Vorazes.
Ambos mostram um futuro distópico; ambos trazem uma espécie de salvadora para um mundo com problemas sociais graves; ambos fazem um elogio à desobediência civil. O mundo de DIVERGENTE (2014) é apresentado de maneira muito rápida logo no início do filme com uma voice-over: trata-se de uma sociedade (no caso, a cidade de Chicago) dividida em cinco facções: Abnegação, Franqueza, Erudição, Audácia e Amizade.
Os mais jovens quando chegam a uma certa idade fazem um teste para saber em qual facção se encaixam e também têm o direito de escolher entre ficar com a família ou partir para outra facção. É o caso de Tris (Shailene Woodley), que cresceu na Abnegação, não podendo olhar para si mesma no espelho por muito segundos para não exercitar a vaidade e devendo cultivar a bondade e o amor ao próximo. Seria o mais próximo de grupos cristãos daquele universo.
Várias questões ficam sem resposta, apenas temos que aceitar as regras do jogo, como o fato de não poder haver uma pessoa que não se encaixe em nenhuma das facções, os chamados Divergentes. Tris é uma delas e sabe que deve permanecer calada para não ser assassinada pela facção da Erudição, que planeja não só matar essas pessoas, como derrubar a Abnegação, que tem ajudado os sem-facção, que vivem como mendigos naquele mundo.
Depois que Tris resolve entrar no grupo da Audácia, que é o que mais exige desenvoltura física e porte atlético, o filme se parece ainda mais com JOGOS VORAZES e sua continuação, JOGOS VORAZES – EM CHAMAS. Quer dizer, boa parte de sua metragem é dedicada ao treinamento intensivo desse grupo e também ao romance que se estabelece entre Tris e o atencioso Four (Theo James).
Um dos problemas no filme está em exagerar os tons de bem e mal e isso prejudica inclusive o clímax, no momento em que os heróis enfrentam a vilã, vivida por Kate Winslet. O fato é que, diante de uma franquia que se sofisticou tanto em texto e em dramaticidade como JOGOS VORAZES, e que ainda por cima tem uma atriz tão carismática quanto Jennifer Lawrence, DIVERGENTE parece um primo pobre.
De todo modo, com o sucesso comercial desse primeiro filme, as próximas três continuações já estão garantidos até 2017, saindo da cadeira de diretor Neil Burger (O ILUSIONISTA, 2006) e entrando Robert Schwentke (TE AMAREI PARA SEMPRE, para citar o seu melhor trabalho).
terça-feira, abril 15, 2014
O PASSADO (Le Passé)
O iraniano Asghard Farhadi já havia mostrado a sua força como cineasta em obras intensas como PROCURANDO ELLY (2009) e A SEPARAÇÃO (2011). As questões familiares e as tensões existentes a partir de uma situação perturbadora continuam trazendo combustível para mais uma obra conduzida magistralmente por Farhadi: O PASSADO (2013), que também trata da separação de um casal, a exemplo do filme anterior, mas que apresenta muito mais subtramas e personagens.
Os primeiros que nos são apresentados são Marie (Bérénice Bejo) e Ahmad (Ali Mosaffa). Ela espera por ele no aeroporto. Difícil ver a conversa "muda" entre os dois, separados por uma parede de vidro, e não lembrar do oscarizado O ARTISTA, o filme que apresentou para o mundo a belo Bejo. Durante a conversa no carro, sabemos que Ahmad está ali para assinar os papéis do divórcio. Mas há ainda um clima de que o amor vivido no passado pelos dois ainda tem alguma fagulha. O filme não explicita isso, mas acaba ficando no ar, talvez pela beleza e a graça de Marie/Bejo e o modo como facilmente nos identificamos com o personagem de Mosaffa.
Apesar de filmado na França, O PASSADO tem um pé no Irã: Ahmad é iraniano, assim como o novo amor de Marie, Samir (Tahar Rahim, protagonista de O PROFETA). Saber que há um outro homem na vida de Marie dói tanto em Ahmad quanto em nós, espectadores, embora ele consiga parecer indiferente muito mais facilmente. Durante a chegada à casa de Marie, já vemos um pequeno estresse familiar, forçado principalmente pelo filho de Samir, que mora agora ali e brinca amigavelmente com a filha de Marie.
É mais um ponto a favor de um filme que se encaminha cada vez mais para situações extremas de conflitos familiares, como a filha mais velha que não quer voltar pra casa, ou a situação bem barra-pesada que Samir enfrenta, com a esposa em coma por ter cometido suicídio. E o interessante e impressionante é que em meio a tantas desgraças e problemas dos personagens, Farhadi opta sempre pela tensão, ao invés de preferir o melodrama. Isso já se fazia bastante presente em PROCURANDO ELLY e continua sendo sua marca também nesta produção.
Dos cineastas estrangeiros que foram convidados a filmar na França, Farhadi, a exemplo do finlandês Aki Kaurismäki (com O PORTO), ainda conserva muito de suas raízes, embora seus filmes já carreguem tonalidades mais universais. Diferente, por exemplo, de Abbas Kiarostami (com CÓPIA FIEL) e Hou Hsiao-Hsien (com A VIAGEM DO BALÃO VERMELHO), que trouxeram pouco de seus países e mais de sua mise-en-scène.
No caso de O PASSADO, o filme só não chega a ser perfeito porque em seus momentos finais, ao tentar lidar com a situação dramática envolvendo a filha mais velha de Marie e o caso da mulher suicida, perde-se um pouco da força que se manifestava de maneira poderosa até então. Talvez isso se deva ao fato de Samir não ser um personagem tão facilmente apreciado. O que não impede que a cena final seja de uma beleza admirável.
segunda-feira, abril 14, 2014
EU, MAMÃE E OS MENINOS (Les Garçons et Guillaume, à Table!)
Mesmo não sendo um entusiasta de EU, MAMÃE E OS MENINOS (2013), a nova sensação do cinema francês contemporâneo, não resta dúvida que o filme de estreia de Guillaume Gallienne é no mínimo muito interessante. Além de ser bastante pessoal, pois é baseado em uma peça inspirada na vida do próprio ator/diretor/roteirista, que, durante a infância e boa parte da juventude, cresceu sendo tratado como uma menina. Ou quase uma menina.
Se bem que o filme em certos momentos, principalmente quando mostra o olhar de desaprovação do pai ao ver o filho brincando de Sissi, a Imperatriz, no quarto, por exemplo, passa uma imagem dúbia nesse sentido, já que há toda uma tentativa de "fazer dele um homem", ao vê-lo sendo mandado para internatos para rapazes, longe de casa.
Assim, o filme é também um inventário do que sofre um rapaz efeminado diante de um grupo de adolescentes, que geralmente são extremamente perversos no que se refere a quem é diferente. Aliás, muito interessante este momento atual, tão cheio de filmes que lidam com a temática gay, ainda que de forma tangente. Funciona como uma espécie de resposta a uma sociedade que cada vez mais ataca os direitos dos homossexuais. A arte responde à altura.
Não por acaso, outros dois filmes franceses recentes, UM ESTRANHO NO LAGO e AZUL É A COR MAIS QUENTE, além de premiados e/ou bem recebidos por boa parte da crítica como ótimos exemplares de grande cinema, também estão nesse rol. Mas EU, MAMÃE E OS MENINOS segue outra linha. Pra começar, não há a busca por chamar a atenção com cenas de sexo e nudez, por exemplo.
O filme dialoga com sua origem teatral ao começar com o monólogo do próprio Gallienne para uma plateia, contando sobre seu passado, o bullying que sofreu tanto em casa quanto nas diversas escolas por onde passou e sua busca por uma identidade própria, já que ele se espelhava muito na mãe (não por acaso, interpretada por ele mesmo) e outras mulheres que ele admirava.
EU, MAMÃE E OS MENINOS cansa um pouco em alguns momentos, especialmente quando as piadas não funcionam, prejudicando o andamento de um filme que parece ter mais do que apenas 85 minutos de duração. Em compensação, há momentos de impressionante beleza plástica, como a cena em que ele está quase se afogando em uma piscina. É neste e em outros momentos que chegamos a pensar como serão os próximos trabalhos de Gallienne para o cinema, já que este é extremamente pessoal.
EU, MAMÃE E OS MENINOS (o título nacional deixa a impressão de que se trata de uma comédia bem familiar, com direito a crianças brincando por todos os lados) ganhou o César de melhor filme francês do ano passado, além dos prêmios de melhor roteiro adaptado, melhor edição e melhor estreia na direção. Pode ser visto no Festival Varilux de Cinema Francês, mas tem previsão de estreia no circuito para 1º de maio deste ano.
domingo, abril 13, 2014
CONFIA EM MIM
Qualquer tentativa de colocar um filme brasileiro de um gênero que não seja a comédia dentro do circuitão já é louvável. Mesmo quando se trata de trabalhos que se beneficiem de alguma maneira da teledramaturgia. No caso de CONFIA EM MIM (2013), o principal chamariz é a presença de Mateus Solano, que se beneficiou muito de seu papel do anti-herói Felix, na telenovela AMOR À VIDA, de Walcyr Carrasco. Seu desempenho na novela foi tão marcante que chamou a atenção até mesmo de críticos franceses. O modo especial com que ele desenhou o seu personagem homossexual, com afetações sutis, foi brilhante.
A chance de vê-lo em outro papel, como no caso de CONFIA EM MIM, de Michel Tikhomiroff, pode ser um pouco frustrada, já que ele não é o que se pode chamar de um ator versátil. Porém, poucos o são. O que conta aqui é que seu trabalho funciona muito bem a favor do filme, um thriller que começa como uma aparente história de amor entre uma chefe de cozinha (Fernanda Machado) e um sujeito que ela conhece em uma degustação de vinho (Solano).
Já no começo do relacionamento, ele a incentiva a montar o seu próprio negócio, ser dona do próprio restaurante, já que é uma excelente profissional. O espectador fica ressabiado e já espera alguma coisa de ruim acontecer, que se confirma em determinado momento. CONFIA EM MIM, principalmente, em seus momentos iniciais, tem um quê de SUSPEITA, de Alfred Hitchcock, com o personagem aparentando ambiguidade.
Quando essa ambiguidade deixa de existir, CONFIA EM MIM se encaminha para um outro rumo, mas nunca perde o interesse. É o caso de filme que não chega a ser brilhante, mas que mantém o espectador preso na cadeira e interessado na trama do início ao fim.
Com o filme estreando em meio a tantos blockbusters pesos-pesados como RIO 2, NOÉ e CAPITÃO AMÉRICA 2 – O SOLDADO INVERNAL, é de esperar que ele não consiga se sustentar durante muito tempo em cartaz. Mas não custa torcer por mais um exemplar do cinema de gênero que tem características bem mais próximas do cinema do que da teledramaturgia da Rede Globo. E é também um exemplo de filme que surgiu a partir de uma boa história e que é bem conduzido por seu diretor, estreante em longas-metragens de ficção para cinema.
quinta-feira, abril 10, 2014
CAPITÃO AMÉRICA 2 – O SOLDADO INVERNAL (Captain America: The Winter Soldier)
Mesmo não tendo um grande ator protagonizando os filmes, o Capitão América foi o herói que se saiu melhor dentre as produções dos Estúdios Marvel. Não chegou a ser um golpe de sorte, já que o primeiro filme, CAPITÃO AMÉRICA – O PRIMEIRO VINGADOR (2011), já contava com um talentoso diretor, Joe Johnston, e com um foco nas origens do personagem, centrando a ação na Segunda Guerra Mundial. Assim, foi um misto de filme de super-herói com filme de guerra.
Uma vez que o herói foi encontrado em animação suspensa décadas depois, a realidade é outra e Steve Rogers (Chris Evans) vive em um mundo que não sente como sendo seu, mas que em CAPITÃO AMÉRICA 2 – O SOLDADO INVERNAL (2014), dos irmãos Joe e Anthony Russo, não parece ser um grande problema ou algo a ser mais investigado, até por já ser ligeiramente mencionado no filme dos Vingadores.
E se o primeiro filme do Capitão era meio filme de guerra, O SOLDADO INVERNAL é meio filme de espionagem, com direito a presença de Robert Redford, que trabalhou em uns interessantes filmes do gênero, especialmente na década de 1970. Foi uma decisão acertada, baseada principalmente no sucesso das histórias em quadrinhos criadas por Ed Brubaker, o primeiro nome dentre os agradecimentos, nos créditos finais. Nada mais justo: foi ele quem criou a trama do Soldado Invernal, que na verdade é Bucky Barnes, parceiro do Capitão na Segunda Guerra, mas que esteve sendo controlado mentalmente por seus inimigos durante várias décadas em ataques terroristas. No novo filme, Steve Rogers aparece vestido com três uniformes, além dos trajes civis: o do século XXI, o dos tempos da guerra e o que ele usa nos quadrinhos para as operações com os Vingadores Secretos.
Dentre as melhores coisas do filme, está um dos inimigos mais interessantes do Capitão, o Dr. Armin Zola, que já aparece na forma de um cérebro transplantado para um computador. A ideia de ter a SHIELD sendo comprometida pela organização terrorista Hidra também foi muito bem aproveitada no enredo, assim como as muito bem-vindas participações da Viúva Negra (Scarlett Johansson), do Falcão (Anthony Mackie), do Nick Fury (Samuel L. Jackson, que está em todas) e de Maria Hill (Cobie Smoulders). É quase como se fosse um segundo filme dos Vingadores, com a diferença que o registro aqui é mais sério. O que pode até destoar um pouco da maioria das produções dos estúdios, que primam pela leveza. Uma leveza que torna os filmes esquecíveis, quase descartáveis.
Talvez o problema maior de CAPITÃO AMÉRICA – O SOLDADO INVERNAL seja a falta de um maior aprofundamento dramático na reação do Capitão ao ver que seu velho amigo é uma marionete nas mãos do inimigo. Sem dúvida, isso se deve em parte à dificuldade em transpor esse tipo de dramaticidade que é tão bem explorada nos quadrinhos de Brubaker em um filme de cerca de duas horas e que se pretende ser também de espionagem e de ação. Porém, é algo que se esperaria para um resultado mais satisfatório.
Como nem sempre se pode ter tudo, podemos ver o filme como sendo um bom passo a frente para uma possível evolução dramática das próximas produções da Marvel, depois do equivocado HOMEM DE FERRO 3. Inclusive, se nos colocarmos dez ou quinze anos atrás no tempo, vamos imaginar o quão felizes ficaríamos com uma materialização tão caprichada dos nossos heróis favoritos na telona. Falta, porém, a esses filmes, o mesmo prazer que uma simples HQ de linha proporciona. Mas devagar eles chegam lá.
quarta-feira, abril 09, 2014
ERA UMA VEZ NA ANATÓLIA (Bir Zamanlar Anadolu'da)
Ao ver a grandiosidade dos planos gerais de ERA UMA VEZ NA ANATÓLIA (2011) fica difícil não ficar imaginando como seria a experiência e a honra de ver este maravilhoso longa-metragem de Nuri Bilge Ceylan no cinema. Infelizmente, ao que parece, os únicos brasileiros que tiveram essa chance foram aqueles que o conferiram CineSesc, em São Paulo. De vez em quando o lugar é palco para obras grandiosas e exclusivas desse porte.
Nunca vi nenhum dos filmes de Ceylan. Tanto pelo fato de seus filmes não chegarem ao circuito comercial (local, pelo menos), quanto por serem, tanto CLIMAS (2006) quanto 3 MACACOS (2008), trabalhos que não tiveram tanta aceitação por parte da crítica, que em geral achava seus trabalhos ultraestilizados ou afetados. Porém, creio que depois de ERA UMA VEZ EM ANATÓLIA, vale uma conferida na obra anterior do cineasta turco.
Este seu filme mais reconhecido, com seus longos e saborosos 150 minutos de duração, apresenta uma narrativa lenta e carregada de um clima de inquietação espiritual e de morte que o torna impressionantemente atraente. A maior parte de sua metragem envolve um grupo de policiais à procura de um cadáver. Para ajudá-los, um dos homens responsáveis pelo assassinato. O corpo está enterrado em algum lugar da zona rural da cidade de Keskin. A propósito, o lugar é lindamente fotografado em scope e cada tomada externa parece uma pintura.
A busca pelo cadáver não é fácil. O assassino de rosto anguloso pode estar enrolando a polícia, como pode estar, como ele mesmo diz, confuso com relação ao local em que o corpo foi enterrado. Enquanto isso, tanto o médico legista, quanto o promotor e o próprio homicida ganham momentos de pausa e conversa que fazem o filme respirar muito bem. São momentos tão bons quanto a busca pelo cadáver.
Há um momento especialmente interessante, que é quando todos os homens são hospedados na casa de um amigo em comum de um deles e ficam impressionados com a beleza de uma linda jovem, até então a única mulher a aparecer em todo o filme. Ela é como uma joia escondida da civilização.
Pelas poucas críticas que li a respeito de ERA UMA VEZ NA ANATÓLIA, o filme tem a intenção de ser uma metáfora da própria Turquia, dirigindo no escuro e com dificuldades de desenterrar o seu próprio passado e de caminhar para o sonhado futuro, em que o país se tornaria tão moderno quanto os seus irmãos mais desenvolvidos da Europa. Mas para isso ainda precisam lutar contra as próprias superstições e a falta de habilidade profissional, representado principalmente pelos atrapalhados policiais. Mas o filme é muito mais do que isso. Trata-se de uma das obras-primas desta década e que certamente merece ser revisto, repensado, saboreado diversas vezes.
segunda-feira, abril 07, 2014
A VIDA ÍNTIMA DE UMA COLEGIAL (La Liceale)
Claro que o que me chamou a atenção para ver este filme foi a presença sempre bem-vinda da linda e maravilhosa Gloria Guida, em seus tempos áureos. A VIDA ÍNTIMA DE UMA COLEGIAL (1975) é o primeiro de uma série de filmes estrelados por uma colegial que gosta de provocar os homens, sejam os mais novos, sejam os mais velhos. Acabei vendo o filme achando se tratar do A COLEGIAL QUE LEVOU PAU, de 1978, mas depois acabei descobrindo se tratar do primeiro filme da série.
A nudez estonteante de Gloria é mostrada em toda exuberância logo no começo do filme, enquanto ela se veste para ir à escola. Os lindos e loiros pêlos pubianos são apresentados em close-up, que junto com o "conjunto da obra" mostra um corpo que parece nascido da poesia. Importante destacar que naquela época, e também em boa parte da década seguinte, não havia ainda esta cultura de academias para moldar o corpo das mulheres. As mulheres que nasciam lindas é porque eram lindas de nascença mesmo.
Caso desta bela loira de olhos grandes e rosto angelical, que soube combinar tão bem a inocência do olhar com a malícia dos gestos, a consciência de seu poder de sedução. É assim nas várias vezes em que ela perturba a concentração dos professores ao deixar suas pernas um pouco mais abertas durante a aula. Ou faz com que suas pernas sejam mais vistas em uma saia maior, mas com a possibilidade de ser desabotoada verticalmente.
Quanto ao filme, trata-se de uma comédia boba, que começa até que muito bem, mas que vai perdendo um pouco de sua força ao longo da narrativa. Vale mesmo para contemplar novamente a presença de Guida, que descobri no que acredito ser o seu melhor trabalho, o impactante VINTE ANOS, de Fernando Di Leo. No entanto, A VIDA ÍNTIMA DE UMA COLEGIAL, se comparado com QUELLA ETÀ MALIZIOSA, de Silvio Amadio, lançado também em 1975 e que também explora a sedução e o sex appeal da estrela italiana, parece um filme até mais bem resolvido, embora não tenha uma cena tão sensual como à do ônibus.
Uma coisa que chama muito a atenção para nós, espectadores brasileiros, em A VIDA ÍNTIMA DE UMA COLEGIAL (e provavelmente em todos os demais filmes da série LA LICEALE) é a semelhança com o humor da ESCOLINHA DO PROFESSOR RAIMUNDO, o programa humorístico do nosso saudoso Chico Anysio. Isso porque há momentos em que alguns personagens não apenas se parecem com os brasileiros (um dos professores é a cara do Galeão Cumbica (interpretado por Rony Cócegas), como também fazem suas patetadas na sala de aula. Importante lembrar que na Escolinha havia também espaço para um apelo sensual com uma ou outra personagem feminina se destacando.
De qualquer maneira, mesmo que não tenha havido uma influência direta ou indireta, não há dúvida que havia uma semelhança muito forte entre as comédias eróticas italiana e brasileira. O diretor Michele Massimo Tarantini faria ainda outros filmes do gênero com beldades como Edwige Fenech, Lilli Carati, a própria Gloria Guida, além da brasileira Suzane Carvalho, com quem faria o W.I.P. FÊMEAS EM FUGA (1985).
domingo, abril 06, 2014
EM BUSCA DE IARA
Estamos vivendo um momento político tão delicado que obras sobre os anos de chumbo da ditadura militar no Brasil, que até pouco tempo atrás eram representativas de nosso passado recente, hoje, diante de pequenos grupos que acreditam que a solução para o Brasil é um retrocesso, um filme como EM BUSCA DE IARA (2013), lançado na semana em que o país completa o aniversário dos 50 anos do Golpe de 64, serve também para sermos alertados do perigo de sermos dominados novamente por aquela falsa "ordem e progresso". Um dos momentos mais curiosos do filme é justamente o trecho de um documentário patrocinado pelos militares que mostrava os artistas e as autoridades todos felizes, um exemplo de um país perfeito.
O caso específico deste trabalho sobre a história de Iara, mais conhecida como a companheira do Capitão Carlos Lamarca, é mais uma obra a ingressar num já longo dossiê sobre filmes acerca do regime militar. Hoje em dia nem interessa tanto se se trata de uma obra dirigida mais a um público de esquerda e que pensa ainda em uma revolução ao estilo da que foi feita em Cuba, mas principalmente a um público que não quer mais viver na repressão.
A estrutura do filme é próxima do convencional para um documentário, mas a figura do entrevistador, no caso uma entrevistadora (Mariana Pamplona, sobrinha de Iara), dá um ar de diferença, já que existe um vínculo não apenas afetivo, mas também familiar entre os idealizadores do filme e o seu objeto de estudo. Assim, ela se emociona junto com os entrevistados e a câmera não se furta a mostrar as suas emoções também.
EM BUSCA DE IARA também tem um caráter investigativo, trazendo à tona documentários da época, imagens de arquivo e de documentos escritos, a fim de procurar uma resposta definitiva sobre a morte de Iara, que foi enterrada como suicida, por ser essa a versão dos militares. A família e amigos, porém, jamais acreditaram nessa teoria. Assim, o filme também mostra as cenas da tentativa de fazer uma autópsia com os restos mortais de Iara.
O momento mais interessante é aquele em que um dos membros do MR-8, a organização de Lamarca, vai com Mariana e equipe até o apartamento onde Iara estava escondida quando foi morta pelas forças militares. A reconstituição do crime e a entrada naquele apartamento, ainda que passados mais de 40 anos, é um momento particularmente perturbador.
O que talvez deponha um pouco contra o filme seja o seu andamento, que passa a impressão de que poderia ter trechos cortados, a fim de dar mais agilidade ao documentário. Duas lindas canções da época que aparecem no filme, como "Os Argonautas", de Caetano Veloso, e "Sangue Latino", dos Secos e Molhados, ajudam a trazer uma emoção que foge um pouco de seu caráter mais racional e investigativo.
sexta-feira, abril 04, 2014
NOÉ (Noah)
Surpreendente. É um dos adjetivos que mais se aplicam a NOÉ (2014), épico bíblico de Darren Aronofsky, que oferece tantas nuances e liberdades poéticas que pode até ser considerado um filme maldito pelos cristãos fundamentalistas, bem como também por judeus e, obviamente, pelos mulçumanos. A atitude transgressora do diretor e de seu corroteirista foge totalmente do que se esperaria de um filme sobre a Arca de Noé.
Em NOÉ, o mau não é totalmente mau, possui uma espécie de dignidade. O filme passa uma ideia de que a descendência de Caim foi largada por Deus. Nem é preciso muito esforço para encarar o vilão da história, Tubal-cain (Ray Winstone), como um homem que sofre com a ausência de Deus, com o seu abandono. Esses tons de cinza nos personagens, mesmo esses que foram inventados, ajudam a enriquecer o filme.
Outro elemento louvável na obra é a ampliação do papel da mulher. No texto bíblico original, fruto de uma sociedade patriarcal extremamente machista, nem mesmo a mulher de Noé tem nome. No filme temos Jennifer Connelly encarnando Naamé, a esposa dedicada, mas que também toma uma iniciativa importante quando discorda do posicionamento do marido. Na Bíblia, principalmente no Antigo Testamento, a mulher exerce uma posição de quase apagamento. As que mais se destacam são sedutoras ou traidoras, como Eva ou Dalila.
Mas o que mais impressiona mesmo é o modo como o filme mostra a personalidade e as motivações de Noé (Russell Crowe), que beira à loucura. Esse Noé tão cheio de falhas é também um Noé católico, no sentido de que é carregado por um intenso sentimento de culpa. Para ele, toda a humanidade deve perecer, pois todos são maus. Inclusive ele e sua família. Isso é um ponto de vista muito interessante. A herança do pecado de Adão e Eva e também o de Caim são apresentados desde o começo e reforçados ao final, mas o filme não bate o martelo, deixando muitos espaços abertos para que os espectadores tirem suas próprias conclusões.
Ainda no campo dos personagens, uma das coisas que mais impacta o espectador no filme é a solidão forçada de Cam (Logan Lerman), o filho do meio de Noé. Talvez mais até do que a situação dramática da personagem de Emma Watson, Ila, a jovem que se tornaria a companheira de Sem. Ela se encontra em maus lençóis em determinado momento da narrativa.
E, falando em solidão, impressionante o quanto se sente a ausência de Deus no filme. Ele está lá, a mensagem é enviada para Noé, mas Ele não fala, não se ouve a Sua voz, como nos antigos épicos bíblicos. É como se finalmente o cinema tivesse alcançado a maturidade que a literatura alcançou séculos atrás, com o surgimento do romance, que passou a apresentar heróis sem Deus (ou deuses) intervindo ou ajudando.
Inclusive, a própria crueldade divina é questionada, mas isso não chega a ser novidade para os cristãos, já que na própria Bíblia ele se mostra um deus de se arrepender pelo que faz. Um deus muito próximo da imagem do homem. Além do próprio dilúvio, que é uma chacina de inocentes (e também de culpados, que seja), sentimos estes atos cruéis de Deus quando somos apresentados aos Guardiões, um grupo de gigantes de pedra inventados pelos roteiristas e que funcionam muito bem dentro do enredo, além de ter uma participação decisiva na construção da Arca.
Cineasta de apenas seis filmes em seu currículo, Aronofsky prova cada vez mais o seu valor a cada novo trabalho. Uma pena ter perdido tanto tempo se dedicando a um filme torto como FONTE DA VIDA (2006), mas ainda assim é um trabalho a ser reavaliado diante da grandeza e do que ele apresenta em NOÉ e levando em consideração o fato de terem pontos em comum.
O que notamos nestes filmes bíblicos modernos é o quanto eles são feitos à imagem e semelhança de seus autores (Aronofsky, Scorsese, Gibson e, voltando um pouco mais no tempo, Nicholas Ray). Não são mais meros trabalhos de encomenda para passar em igrejas ou ser exibidos na Sexta-feira da Paixão, embora ainda existam produções desse tipo, mas que acabam se tornando esquecidas, genéricas. Definitivamente, não é o caso de NOÉ. E olha que nem mencionei o espetáculo visual oferecido pelos efeitos especiais, pela qualidade do IMAX 3D, pelo cuidado com a fotografia e a direção de arte e a ousadia nos figurinos.
quinta-feira, abril 03, 2014
TRÊS ANIMAÇÕES
Digamos que eu não ando muito animado para ver animações. Ou simplesmente não tive sorte com as últimas que vi, já que até mesmo o terceiro filme de EVANGELION me desagradou. Na verdade, em todas elas eu fiquei com sono. Apenas duas únicas animações este ano me deixaram empolgado: FROZEN - UMA AVENTURA CONGELANTE e VIDAS AO VENTO. Logo, não achei que nenhum desses filmes merecesse uma postagem exclusiva. Além do mais, o tempo urge, mesmo em períodos em que estou vendo poucos filmes. Rápido e rasteiro hoje, portanto.
UMA AVENTURA LEGO (The Lego Movie)
Este filme fez um sucesso monumental mundo afora. E eu não sei se é porque estou desatualizado ou porque no meu círculo de amizade eu não vejo ninguém brincando com Lego. Me parecia coisa do passado, que eu devo ter brincado na escola ou na casa de algum amigo. A memória dessas pecinhas que ajudam a formar objetos variados é um tanto remota. Mas, pelo visto, a empresa LEGO está ainda de vento em popa e, certamente, irá lucrar mais ainda com a popularização deste filme mundo afora. E por mais que muita gente tenha achado divertido, UMA AVENTURA LEGO (2014), de Phil Lord e Christopher Miller, não deixa de ser uma propaganda disfarçada. Assim como são também OS ESTAGIÁRIOS (propaganda do Google) e JOBS (propaganda da Apple). O curioso da história de UMA AVENTURA LEGO é a brincadeira em torno da ideia do messias, do enviado. Na trama, um lego operário é confundido com um enviado de uma profecia e é recrutado para lutar contra um tirano perverso. Acho a ideia até bem interessante, mas o desenvolvimento é que um saco.
EVANGELION 3.33 - YOU CAN (NOT) REDO (Evangerion Shin Gekigôban: Kyu)
Para o bem e para o mal, este terceiro filme de EVANGELION se distancia bastante do que é visto no anime original. Talvez seja uma das razões para eu não ter gostado: tenho um carinho muito especial pelos personagens originais e por aquela trama deliciosamente intrigante. Os filmes, aliás, já têm a desvantagem de não conseguir ter tempo para desenvolver melhor os personagens e tudo acaba ficando muito frio e centrado nas lutas entre os EVAs e os anjos. A raça humana lutando para sobreviver diante da ameaça alienígena. Mas o grande barato de EVANGELION é justamente o fato de que nada é tão simples assim. Em EVANGELION 3.33 - YOU CAN (NOT) REDO (2012), a trama se passa 14 anos depois dos eventos do segundo filme, quando Shinji ficou desacordado depois do ataque alienígena. Ou algo do tipo (pensei em rever os dois primeiros filmes, mas desisti da ideia). O fato é que ele acorda 14 anos depois, com o mesmo corpo que tinha, enquanto a grande maioria de seus conhecidos estão mais velhos, como Misato e seu pai. As exceções são Asuka e Rei, que continuam com a mesma aparência de criança, mas um tanto diferentes. Principalmente Rei, que definitivamente não é mais a mesma. O filme lida com um peso nos ombros de Shinji, que se vê culpado por uma destruição mundial de níveis apocalípticos.
RIO 2
Eu já havia desgostado bastante do primeiro filme, que até hoje me dá náuseas só de pensar. E nem sei por que resolvi ver este segundo. Talvez por ser otimista ou porque fui fisgado pelo imperialismo hollywoodiano. Aliás, impressionante como as cenas musicais de RIO 2 (2014) lembram aqueles filmes com a Carmem Miranda. Quer dizer, a visão do Brasil não mudou tanto assim, mesmo tendo à frente da direção um brasileiro. Carlos Saldanha se rendeu aos estereótipos e fez um filme aborrecido sobre ecologia na Amazônia. Pode ser que agrade aos pequenos, mas são os pais que mais tomam a iniciativa de levar seus filhos ao cinema para este filme, aparentemente. Quanto às projeções em 3D, pura cilada. Recomendo evitá-las.
quarta-feira, abril 02, 2014
LARANJA MECÂNICA (A Clockwork Orange)
É sempre um desafio escrever sobre uma obra de Stanley Kubrick. Há uma aura muito forte sobre o autor. Sua genialidade faz com que eu até tenha receio de escrever um texto de elogio. Quanto mais um texto sobre um dos filmes do mestre que não despertam a minha paixão, como pude comprovar revendo no cinema semanas atrás. Ainda assim, isso não quer dizer que a admiração que tenho por Kubrick tenha diminuído. Ele ainda é, pra mim, o autor do melhor filme de todos os tempos: 2001 – UMA ODISSEIA NO ESPAÇO, 1968.
Rever LARANJA MECÂNICA (1971), inclusive, fez com que eu finalmente adquirisse o delicioso livro de Michel Cement, que aqui no Brasil ganhou o equivocado título Conversas com Kubrick, justamente para combinar com os demais livros de entrevistas com outros diretores lançados no país. Ao ver que o livro possuía poucas entrevistas com o diretor, comecei a achar que se tratava de uma obra picareta. Não é bem assim, já que os ótimos artigos do autor compensam a falta de mais entrevistas. O fato é que Kubrick era avesso a conversas com a imprensa e as entrevistas que há no livro foram dadas com muita boa vontade para um estudioso dedicado da obra do cineasta, como se pode comprovar nos capítulos que antecedem algumas entrevistas.
Eu, erroneamente, percebi o quanto sou um fã fajuto do cineasta, já que nunca havia adquirido nenhum livro teórico a respeito de seus filmes. Assim, como primeira aquisição, Conversas com Kubrick foi bastante esclarecedor em muitos pontos. Sempre achava complicado encontrar elementos em comum em seus filmes. Muito diferente de Hitchcock, de Hawks, de Khouri, de Allen, para citar exemplos de autores que apresentam elementos recorrentes e de fácil identificação em suas obras.
Kubrick, até por passar muito tempo entre uma obra e outra, acabava quase sempre deixando plateias e críticos incomodados, já que ele vinha sempre com algo diferente, recusando-se a oferecer o que se esperava dele. Para meu espanto, a conceituada crítica Pauline Kael falou sobre 2001: "Um filme de uma falta de imaginação monumental". Então, o que se percebe é que é preciso que seus filmes amadureçam para que sejam devidamente reconhecidos como grandes obras que são.
LARANJA MECÂNICA foi o trabalho de Kubrick logo após 2001. Então, imagino-me como espectador daquela época e possivelmente também me decepcionando com este trabalho tão distinto de seu opus de ficção científica. Apesar de ser também futurista, é uma espécie de negação do anterior, assim como BARRY LYNDON (1975) seria uma negação de LARANJA MECÂNICA, no que se refere à acidez, à violência e ao sentimentalismo.
LARANJA MECÂNICA, na época em que foi exibido, causou muito alvoroço no público mais conservador e até foi proibido por alguns anos no Brasil, tendo sido liberado com bolinhas pretas cobrindo as poucas cenas em que aparecem genitálias femininas. O que hoje é visto como uma bobagem tremenda, já que até mesmo a violência mostrada no filme deixou de ter o seu impacto.
Porém, isso não quer dizer que o filme tenha perdido o seu valor, a sua força e a sua importância. Passado o calor daquele momento, é até mais fácil ver, de maneira racional, suas qualidades. A paixão e a razão, como elementos presentes na obra do diretor também comparecem na história de Alex, um deliquente juvenil que é amante de música erudita (Beethoven, principalmente) mas também de ultraviolência. Chega a invadir, com seus amigos, a casa de pessoas ricas para espancá-las até a morte. O uso da narração em voice-over de Alex, com seu humor negro, faz com que tenhamos uma simpatia por ele.
E não deixa de ser espantoso como é possível até nos identificarmos com uma figura de moral tão repulsiva quanto a deste rapaz, capaz de fazer coisas que abominamos, mas que no fundo, até gostaríamos de fazer, como uma maneira de deixar fluir o nosso instinto animalesco, semelhante ao dos macacos no primeiro ato de 2001, ou ao personagem surtado de Jack Nicholson em O ILUMINADO. Segundo o próprio Kubrick, "o inconsciente não tem consciência. No inconsciente, todos nós matamos e violamos".
E essa simpatia com Alex fica claramente mais forte quando ele é preso e principalmente quando se submete a um experimento que o leva a ser impedido de sentir prazer com aquilo de que mais gosta, ou seja, praticar a violência e ouvir a sua sinfonia preferida de Beethoven. Assim, ele passa a ser um homem castrado, sem o livre arbítrio que é direito de todos. Pronto para ser um cidadão pronto para a sociedade.
Não deixa de ser uma crítica forte a uma sociedade controladora, como a nazista. Ou a comunista e até mesmo a capitalista, que consegue disfarçar mais esse viés. Quanto à associação da violência à música agradável e que faz bem aos sentidos e à mente, não deixa de ser curioso como, na mesma década, cineastas ligados ao gênero horror, como Dario Argento, por exemplo, tenham conseguido associar a violência gráfica ao prazer de ouvir uma boa música de fundo e de também apreciar a orquestração no uso da câmera. Kubrick, porém, mais complexo que é, precisa sempre ser revisitado, estudado, reavaliado, apreciado, de modo que a chama da paixão pela sua obra permaneça constantemente acesa.