quarta-feira, fevereiro 05, 2014
TRAPAÇA (American Hustle)
Em um ano em que temos um Martin Scorsese em um de seus melhores momentos, ver um filme que emula o cinema do mestre ítalo-americano acaba perdendo um bocado da graça. TRAPAÇA (2013) carrega os trejeitos de algumas obras scorsesianas, mas sem metade de sua energia e transgressão. A narração em voice-over de dois personagens, a simpatia pelos enganadores, alguns momentos de câmera lenta e o gosto pelo rock setentista presente na trilha sonora são elementos que fazem com que lembremos inclusive do recente O LOBO DE WALL STREET.
Como comparar O. Russell com Scorsese não parece muito justo, fiquemos apenas com TRAPAÇA e um pouco da trajetória de seu diretor. Percebe-se, principalmente se tomarmos a trinca O VENCEDOR (2010), O LADO BOM DA VIDA (2012) e TRAPAÇA, uma preferência pelos personagens, muito acima de qualquer interesse pela trama. E isso pode ser visto como um mérito.
Inclusive, na trama mais cheia de reviravoltas de TRAPAÇA, é bem possível acompanhar o filme sem se preocupar em entender cada detalhe. O que acaba interessando bem mais são os personagens e a câmera às vezes urgente de O. Russell, em especial quando o personagem de Christian Bale está discutindo/conversando com sua amante e com sua esposa (Amy Adams e Jennifer Lawrence, respectivamente), ou quando o personagem de Bradley Cooper procura fugir de sua família esquisita para se aproximar da encantadora trapaceira Sydney (Adams).
Claro que dentro das trapaças há momentos especialmente divertidos, como o que envolve um xeque de araque, mas mesmo esta cena, que traz em participação não creditada um ator que tem tudo a ver com Scorsese, tem um quê de déjà vu, remetendo a BASTARDOS INGLÓRIOS, de Quentin Tarantino. Por isso que quando o diretor procura entrar em território que não parece ser o seu acaba deixando seu filme mais frágil. Porém, quando ele põe em cena seus astros para brilhar, aí sim tomamos gosto.
Jennifer Lawrence, ainda que em papel pequeno, é divertidíssima. Lembramos o quanto ela mesma é uma personalidade que se popularizou por seu lado moleque. Vê-la cantando "Live and let die", de Paul McCartney, é um dos momentos mais divertidos de sua participação.
Mas o filme é mesmo de Christian Bale, mais uma vez camaleão, apresentando-se agora careca e com um barrigão de cerveja, e de Amy Adams, que foge dos estereótipos da mocinha certinha que costuma representar para se transformar em uma mulher sedutora, cheia de sex appeal, capaz de ir em busca do que é melhor para seu futuro, analisando de forma fria e calculista, mas sem nunca perder a ternura. Fechando o quinteto, Bradley Cooper e Jeremy Renner são ótimas aquisições e têm seu brilho próprio ao longo do filme.
Quanto a O. Russell, que de uns tempos pra cá tem se tornado cada vez mais presente nas premiações da academia, o cineasta tem mudado o estilo a cada novo filme. Talvez não tenha encontrado seu caminho, mesmo depois de uma carreira de sete longas-metragens de ficção. Ou talvez este seja o seu caminho: multifacetado e plural.
TRAPAÇA recebeu 10 indicações ao Oscar: filme, direção, ator (Christian Bale), atriz (Amy Adams), ator coadjuvante (Bradley Cooper), atriz coadjuvante (Jennifer Lawrence), roteiro original, edição, figurino e design de produção.
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