domingo, janeiro 19, 2014
EDUCAÇÃO SENTIMENTAL
"A leitura pelo mero amor da leitura é alguma coisa de incompreensível, inaceitável, para um mundo cujo caráter principal é marcado por interesses práticos." (Áurea)
Esta frase dita em EDUCAÇÃO SENTIMENTAL (2013) pode sintetizar não apenas o mais recente filme de Julio Bressane, mas quase toda sua obra. O mais erudito de nossos cineastas continua despejando em seus filmes a necessidade de se apegar ao passado, à História, às artes para que possamos nos encher de saber e alimentar nossa alma. Se em A ERVA DO RATO (2008) já víamos/ouvíamos o personagem de Selton Mello declamando pequenos trechos curiosos do passado, pelo menos metade de EDUCAÇÃO SENTIMENTAL é composta disso.
O problema é que o filme chega ao limite do irritante ao mostrar a personagem Áurea (Josi Antello), a professora que encanta o jovem Áureo (Bernardo Marinho) com pequenas pílulas do saber. Isso porque o modo como ela fala é por demais debochado, desagradável. A atriz acaba funcionando muito bem nas sequências mais estranhas e surrealistas do filme, quando encarna algo como uma serpente em sua dança e suas caretas (que lembra, inevitavelmente, David Lynch). Cheguei a pensar na serpente e a árvore do conhecimento do livro de Gênesis como possíveis inspirações, mas pode ter sido mera viagem minha.
Mas talvez nem seja tanta viagem assim, já que pelo menos um personagem da Bíblia é citado no filme: Jacó. Segundo Áurea, a alma sensível é como a escada de Jacó: quer o saber. No livro de Gênesis, essa escada aparece num sonho do personagem, em que ele vê uma escada que liga a Terra ao Céu, fazendo com que os anjos pudessem trafegar continuamente entre essas duas esferas.
EDUCAÇÃO SENTIMENTAL já começa com um estranhamento na escolha de rejeitar o campo/contracampo de maneira original. Áurea e Áureo conversam no mesmo quadro, mas sem que um olhe para o outro. Pelo menos a nosso ver. Isso, logo após sermos convidados para momentos de contemplação, como uma maneira de aquietar a alma. Ou torná-la ainda mais inquieta. Como estava vendo o filme pela segunda vez, confesso que fiquei inquieto e irritado.
Irritado principalmente nas passagens em que Áurea comenta coisas tão didáticas que estragam o mistério de Bressane, como a citação aos poetas românticos, algo que é estudado no ensino médio. A apresentação da película como futuro objeto de museu também não se constitui em nenhuma novidade. Além do mais, outras passagens, como a apresentação de porcelanas francesas do século XVIII, por mais que tenham uma significação oculta interessante, é outro momento irritante.
A fala teatral, anti-naturalista, professoral, tão agradável em outros trabalhos do diretor, acaba aparecendo por demais afetada em EDUCAÇÃO SENTIMENTAL. No entanto, a julgar pelas sequências finais, que saem do universo estranho da narrativa para a realidade do set de filmagem, ao mostrar o prazer com que Bressane diz que tudo ficou ótimo, é de se imaginar que cada tomada foi muito bem pensada e que ficou do jeito que o diretor queria. E isso é louvável nos dias de hoje: vermos um cineasta fazendo o que bem entende em sua arte de vanguarda. Ainda assim, desejo melhor sorte no próximo filme.
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