sábado, janeiro 18, 2014
AMOR, PALAVRA PROSTITUTA
Impressionante como um filme que é vendido por suas cenas de sexo consegue ser um trabalho cujo sexo acaba ficando em segundo plano, diante das angústias de seus quatro personagens. AMOR, PALAVRA PROSTITUTA (1981) foi o primeiro filme de Carlos Reichenbach a sair do anarquismo alegre de obras como A ILHA DOS PRAZERES PROIBIDOS (1979) e IMPÉRIO DO DESEJO (1980) para adentrar o realismo e o desencanto com a vida e com as relações.
É também um dos trabalhos mais vigorosos de Carlão. Visto hoje por plateias pouco acostumadas com a dramaturgia da Boca do Lixo, pode parecer um pouco vulgar, mas, ao contrário, é uma obra extremamente sofisticada. Os palavrões e a sede de sexo dos personagens faziam parte do contexto daquela época e só se constituem problemas para um público mais conservador.
AMOR, PALAVRA PROSTITUTA tem uma estrutura em seis capítulos, sendo o primeiro, a introdução dos personagens, e o último, o destino final. Os capítulos principais levam o nome dos referidos personagens: Fernando (Orlando Parolini), Luís Carlos (Roberto Miranda), Rita (Patrícia Scalvi) e Lilita (Alvamar Taddei).
Dessa forma, Carlão nos oferece a chance de ver a história pelos quatro ângulos, por mais que tenhamos a tendência a considerar Luís Carlos o menos digno por ser tão cafajeste e egoísta. Mas ele é o espelho da maioria de nós, homens. Então, não dá para fugir tanto assim. Logo, quem nunca foi um pouco Luís Carlos que atire a primeira pedra.
Como Carlão teve o hábito de dividir seus filmes entre obras masculinas e femininas, AMOR, PALAVRA PROSTITUTA é talvez o único de seus trabalhos que consegue ser as duas coisas juntas, justamente por ter essa estrutura que mostra os pontos de vista dos dois homens e das duas mulheres da história. Segundo o diretor, o filme foi feito inspirado na leitura de filósofos pré-existencialistas, como Sören Kierkegaard ("O Tratado do Desespero"), e por isso as cenas de sexo se confundem com a amargura dos personagens. Isso se reflete, por exemplo, na cena em que Rita, desencantada com o descaso de Fernando, pede a um namorado de sua amiga para transar com ela.
E essa atmosfera sombria, se já presente nos capítulos dos dois homens, ganha tintas mais pesadas nas histórias das mulheres, especialmente de Lilita, que acaba tendo que fazer um aborto. Não por vontade própria, mas por "sugestão" de Luís Carlos, que não quer sujar o seu nome na praça e estragar suas possibilidades de futuro (ele tem saído também com a filha do chefe). Já é de se esperar que aquele aborto tornará o filme mais lúgubre.
Mas não apenas isso. As consequências do ato terrível de Luís Carlos desembocarão também em Fernando e fará com que vejamos uma das cenas mais lindas da filmografia de Carlão: a de quando Fernando cuida de Lilita, em especial a tão poética cena do banho.
Se Carlão já mostrou em outras obras, como ANJOS DO ARRABALDE (1987), GAROTAS DO ABC (2003) e FALSA LOURA (2007), sua solidariedade para com as mulheres, temos em AMOR, PALAVRA PROSTITUTA mais um exemplar digno de nota. O próprio título do filme é um dos mais felizes da obra reichenbachiana, denotando pessimismo e desencanto ao maior dos sentimentos.
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