quarta-feira, outubro 02, 2013
OS CURTAS DA MOSTRA COMPETITIVA DO 23º CINE CEARÁ
São doze curtas, mas que ocupam o mesmo espaço de longas na minha lista de filmes a comentar. Então, vamos logo escrever um pouco sobre cada um desses pequenos e significativos trabalhos que representaram alguns dos melhores momentos do Cine Ceará. Como eu falei durante a reunião final do júri, diferente de Gramado-2012, não achei que o Cine Ceará tenha trazido curtas que eu considere realmente excelentes. Nada de coisas do porte de MENINO DO CINCO, A MÃO QUE AFAGA ou O DUPLO. Mas talvez fosse querer demais. No entanto, em sua maioria, são bons títulos, e que crescem na memória afetiva à medida que me lembro deles.
AU REVOIR
A diretora Milena Times é estreante, mas só em ter sido assistente de direção de Kleber Mendonça Filho em O SOM AO REDOR já a deixa numa posição de prestígio. Seu curta é de uma delicadeza comovente. AU REVOIR (2013) conta a história de uma moça brasileira que mora na França e que tem como vizinha uma senhora idosa que cria um gato. Aliás, ela também tem um gato. Diria que os gatos roubam a cena do filme, sem fazer muito esforço. Mas AU REVOIR é sobre a solidão e sobre relações de proximidade e distância. O fato de ser falado em sua maior parte em língua francesa pode dar ao filme boas chances no mercado internacional. AU REVOIR foi exibido na última edição do Festival de Brasília também.
EM CARTAZ
Um trabalho bem interessante, tanto do ponto de vista humano quanto cinematográfico, já que é um pequeno documentário sobre o trabalho de pintura que vários artistas faziam no tempo em que os cartazes eram difíceis e caros. Assim, acompanhamos o trabalho progressivo, a partir de uma foto original de CLEÓPATRA, a versão de 1963, do artista A. Silveira, no subsolo de um prédio. EM CARTAZ (2013), de Fernanda Teixeira, tem um ar saudosista por excelência.
ED.
Uma das duas animações presentes na mostra competitiva, o que mais salta aos olhos em ED. (2013), de Gabriel Garcia, é o capricho no visual, que foi pensado para ser exibido em 3D. Assim, o filme talvez seja um pouco prejudicado ao não ter sido exibido nesse formato. Apesar de ter no júri da crítica um grande fã, não vejo ED. como um bom filme. É mais o caso de forma (ou efeitos especiais e técnica de animação) acima do conteúdo. Ou quase isso. É a história de um coelho que passou por muitas aventuras e que agora quer acabar com tudo.
QUINHA
Uma das coisas que pode incomodar em QUINHA (2013), de Caroline Oliveira, é o fato de parecer por demais nordestino, de trabalhar muito com os estereótipos. É o trabalho de conclusão de curso da diretora, que é de São Paulo e estuda em Nova York, e que, durante o processo de edição, fez tudo por skype com João Maria, responsável pelo trabalho de montagem de O SOM AO REDOR e de outro curta também presente no festival, O MELHOR AMIGO. QUINHA se beneficia da presença sempre bem-vinda de Hermila Guedes, que interpreta uma mãe abandonada pelo marido e que leva sua filha para um batismo. Quinha é o nome da garota que acredita em milagres.
JESSY
Confesso que é o meu favorito desses curtas. JESSY (2013, foto 1) foi dirigido por Paula Lice, Rodrigo Luna e Ronei Jorge, e pelos próprios transformistas que aparecem no filme também, já que os diretores disseram que deixaram a coisa rolar durante as filmagens. No divertido documentário (se é que dá pra classificar como documentário), um grupo de transformistas prepara uma mulher (uma das diretoras, Paula Lice) para se tornar uma drag queen. Assim, há desde detalhes simples e divertidos como momentos em que o espectador fica impressionado com o processo. Sem falar que o final é sensacional. JESSY, se não foi aprovado na contagem de votos da crítica, foi o vencedor pelo júri de curtas-metragens.
O QUE LEMBRO, TENHO
Depois do impacto de JESSY, ficou difícil entrar no clima deste O QUE LEMBRO, TENHO (2012), de Rafhael Barbosa, que conta a história de uma senhora idosa que vive num apartamento aos cuidados de sua filha. Tendo chegado à senilidade, ela joga milho no chão, como se lá houvesse galinhas. Trata-se de um filme lento e com um tema delicado, mas que parece faltar pulso para tornar sua melancolia contagiante para o público. Do jeito que está, provoca mais indiferença mesmo. O QUE LEMBRO, TENHO ganhou o prêmio de melhor roteiro.
O PAI DO GOL
Eis um curta que parece ter sido feito para quem gosta de futebol. O PAI DO GOL (2012), de Luiz Ferraz, é centrado na figura do veterano locutor esportivo José Silvério, que é chamado de "O Pai do Gol" devido ao fato de ter sido ele, segundo o curta, o homem a primeiro injetar emoção e adrenalina às locuções dirigidas aos ouvintes dos jogos pelo rádio. Há bem pouco espaço para jogadores em cena; a câmera se concentra e atenta principalmente para a performance de Silvério. Não é um grande curta, mas é bem simpático.
O PACOTE
Interessante notar que há três curtas nestes 12 que cabem muito bem em festivais de diversidade sexual. O já citado JESSY é um. O PACOTE (2013) é outro. Mas o tema aqui é um tanto mais pesado, embora o filme tenha uma leveza que parece ser mérito do diretor, Rafael Aidar, que com boa condução dos atores, conta a história de um rapaz que se apaixona por outro e tem a difícil tarefa de contar a ele que é soropositivo. O filme tem passado por diversos festivais do redor do mundo.
MAURO EM CAIENA
Que sorte que eu consegui uma cópia de MAURO EM CAIENA (2012), através do próprio diretor, Leonardo Mouramateus. Da segunda vez, é mais fácil gostar do filme, entrar no seu espírito intimista. O curta começa com imagens de um dos filmes japoneses do Godzilla para, depois, mostrar um pouco de imagens da rotina da família do narrador, que em voice-over dá um ar poético ao filme, auxiliado pelas imagens em bonito preto e branco. É uma espécie de carta endereçada ao tio Mauro, o sujeito da família que foi embora para a Guiana Francesa e nunca mais deu notícias. É também uma crítica à construção acelerada de prédios em bairros que outrora eram tranquilos. MAURO EM CAIENA ganhou o prêmio especial de temática nordestina concedido pelo Banco do Nordeste e o prêmio Olhar Universitário.
PINTAS
Outro filme que tive o prazer de rever, graças a uma cópia em DVD de PINTAS (2013), de Marcus Vinicius Vasconcelos, que a simpática produtora, Nádia Mangolini, me forneceu. Tinha falado pra ela que gostaria muito de rever, pois é de fato uma animação muito viajante. Com a segunda vez, é possível perceber mais detalhes e atentar pela beleza das cores e dos traços. As explosões de aquarela são lindas. Na história, uma mulher colorida traz cor para três namorados com suas vidas preto e branco. Quando ela some, eles voltam a perder a cor. O colorido representaria a felicidade, provavelmente, mas o filme oferece uma abertura para interpretações. O importante mesmo é se deixar levar pela viagem que é PINTAS, outro de meus favoritos do festival.
O MELHOR AMIGO
Já sou fã do trabalho de Allan Deberton desde que vi o encantador DOCE DE COCO (2011), ambientado no sertão. Em O MELHOR AMIGO (2013, foto 2), o jovem diretor se volta para a cidade, no caso, uma praia na região metropolitana de Fortaleza. O filme acompanha os sentimentos de paixão que um rapaz (Jesuita Barbosa) nutre pelo amigo (Victor Souza). O ciúme surge quando os dois vão a uma barraca que tem telefones nas mesas para que facilite a paquera com alguma outra pessoa que está lá. O filme tem um colorido lindo (cores quentes), um andamento narrativo muito gostoso e uma edição acertada, novamente de João Maria, o mesmo de QUINHA. O MELHOR AMIGO ganhou o prêmio de melhor produção cearense no festival.
SANÃ
O escolhido pelo júri da crítica da Abraccine, SANÃ (2013, foto 3), de Marcos Pimentel, já tinha sido exibido em Gramado, não tendo sido agraciado com prêmios. Mas caiu nas graças do júri e é um filme que merece ser visto com calma, para acompanhar o seu andamento lento, em que documentário e ficção parecem se confundir, já que é um filme que se beneficia muito de seu personagem, que fica muito à vontade diante da câmera. No caso, o personagem é um garoto albino que vive nos lençóis maranhenses, encarando com coragem aquele sol forte da região, mesmo já tendo feridas no corpo. SANÃ traz um contraste entre a imensidão da paisagem e a necessidade de se interiorizar, como os caranguejos que aparecem no mangue. SANÃ ainda ganhou o prêmio de melhor direção e o prêmio Aquisição Canal Brasil.
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